Los Angeles, 28 de janeiro de 1985. O relógio do estúdio A&M marcava 10 horas da noite quando o produtor Quincy Jones pegou uma folha de papel e escreveu: “Deixe seu ego na porta” (“Check your ego at the door”, no original). Em seguida, colou o aviso na porta de entrada do estúdio. Aquela mensagem tinha endereço certo.
Por aquela porta, dali a instantes, passariam alguns dos maiores astros e estrelas da música norte-americana: Michael Jackson, Lionel Richie, Stevie Wonder, Tina Turner, Ray Charles, Diana Ross, Bob Dylan, Paul Simon, Billy Joel, Willie Nelson, Cyndi Lauper… Todos foram convidados a gravar, sem pagamento de cachê, a música We Are The World (“Nós Somos o Mundo”).
Para reger o coral, Lionel Ritchie convocou Quincy Jones. Ele é o produtor de dezenas de discos. Mas bastaria um para escrever seu nome no Guinness Book of Records: Thriller (1982), de Michael Jackson – até hoje, o álbum mais vendido de todos os tempos: 67 milhões de cópias. Nenhum outro vendeu tanto.
A ideia de fazer um projeto beneficente partiu de Harry Belafonte. Inspirado no supergrupo Band Aid – formado em 1984 pelo cantor irlandês Bob Geldof –, Belafonte tomou para si o desafio de fazer algo parecido nos Estados Unidos: reunir artistas em prol de uma causa social.
“Precisamos salvar nosso povo da fome”, declarou. Na Inglaterra, Geldof teve o insight depois de assistir a um documentário da BBC sobre a fome na Etiópia. “É o mais perto que se pode chegar do inferno na Terra”, disse o jornalista inglês Michael Buerk, autor da reportagem.
Sensibilizado, Geldof convidou Midge Ure para compor Do They Know It’s Christmas? (“Eles Sabem Que É Natal?”). Em seguida, chamou os líderes de algumas das bandas de maior sucesso da música britânica, como Bono, do U2; Sting, do The Police; Simon Le Bon, do Duran Duran; George Michael, do Wham!; Boy George, do Culture Club; e Phil Collins, do Genesis; entre outros.
A música Do They Know It’s Christmas? foi gravada no Sarm West Studios em Notting Hill, em Londres, no dia 25 de novembro e lançada no dia 3 de dezembro de 1984. Em apenas um ano, arrecadou 8 milhões de libras. Ganhou três versões: 1989, 2004 e 2014.
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Nos EUA, a autoria de We Are The World ficou a cargo de Lionel Richie e Michael Jackson. O primeiro compôs a música e o segundo, a letra.
“Já temos o elenco”, provocou Quincy Jones, “só falta o roteiro”. Detalhe: a música We Are The World só ficou pronta cinco dias antes da gravação.
A princípio, Jackson só escreveria a letra. Não cantaria a música, nem participaria do clipe. Quem o convenceu do contrário foi Jones.
“Seria o maior erro da carreira dele”, explicou o produtor. No dia 24 de janeiro de 1985, Michael Jackson e Lionel Richie entraram em estúdio para gravar uma “demo” da música. A versão provisória foi gravada em 50 fitas cassetes e, em caráter sigiloso, enviada para os 45 artistas convidados.
Se o Band Aid tinha por objetivo arrecadar fundos para combater a fome na Etiópia, o USA for Africa ambicionava algo ainda maior: matar a fome de todo o continente africano.
Lionel Richie é um dos entrevistados do documentário A Noite Que Mudou o Pop, que revisita os bastidores da gravação de We Are The World. Além dele, gravaram entrevistas: Bruce Springsteen, Huey Lewis, Cyndi Lauper, Kenny Loggins, Dionne Warwick, Smokey Robinson e Sheila E. Nove dos cantores já morreram: Harry Belafonte, Michael Jackson, Ray Charles, James Ingram, Al Jarreau, Anita Pointer, June Pointer, Kenny Rogers e Tina Turner.
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De ídolos a tietes
A noite de 28 de janeiro de 1985 não foi escolhida por acaso. Naquele dia, muitos artistas, como Lionel Richie, Tina Turner e Cindy Lauper, estariam em Los Angeles, na Califórnia, para participar do American Awards Music. Do Shrine Auditorium, eles seguiriam direto para o A&M Studios.
Outros, porém, tiveram que vir de outros estados. Dionne Warwick, por exemplo, estava em Las Vegas, em Nevada; Stevie Wonder, na Filadélfia, na Pensilvânia; e Bruce Springsteen, em Buffalo, em Nova Iorque, no show de encerramento da turnê Born In The USA.
“Era uma causa importante”, justificou o roqueiro. Uma das ausências mais sentidas foi a do cantor Prince. “Por que você não vem?”, insistiu Sheila E, uma das integrantes de sua banda. “Está tão legal!”
Por telefone, Prince se ofereceu para tocar guitarra em outro estúdio. Lionel Richie não aceitou. “A rivalidade existia”, explica o cantor, numa referência a Prince e Michael Jackson. Madonna também não compareceu à gravação.
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Às 22h30, os astros e estrelas da música pop começaram a chegar ao A&M Studios. “Parecia o primeiro dia de aula”, comparou Richie, bem-humorado.
Quincy Jones dividiu o trabalho em duas partes: na primeira, seria gravado, à capela (ou seja, sem instrumentos musicais), o refrão da música. Na segunda, os versos iniciais.
Lá pelas tantas, Stevie Wonder sugeriu que um trecho da letra fosse cantado em suaíli (dialeto africano). Alguns concordaram; outros não. Diante do impasse, Waylon Jennings (1937-2002), astro da música country, pegou o chapéu e foi embora.
Impaciente, Ray Charles pediu: “Quincy, toca o sino!”, como se dissesse: “Quincy, vamos voltar ao trabalho!”. Eram quase duas da manhã. Não havia tempo a perder.
Houve três momentos de descontração. O primeiro foi quando Al Jarreau puxou o coro de Day-O (The Banana Boat Song), a música mais famosa do repertório de Belafonte. Um trecho do refrão diz: “Daylight come and me wan’ go home” (“O dia amanhece e eu quero ir para casa”).
Nessa, Wonder brincou: “Se vocês não cantarem direito, eu e o Ray (Charles) vamos levá-los para casa de carro!”, avisou. Todos caíram na gargalhada.
Outro momento inusitado: Diana Ross aproveitou um intervalo da gravação para pedir autógrafo a Daryl Hall, o cantor da dupla com John Oates.
Foi a deixa para todo mundo fazer o mesmo. A começar por Cindy Lauper que pediu autógrafo para Bruce Springsteen. De ídolos, viraram fãs.
Às três da manhã, a fome bateu à porta do A&M Studios. E alguém teve a ideia de ligar para a Roscoe’s para encomendar hambúrgueres de frango e batatas fritas.
Com a recusa de Prince, o verso que caberia a ele cantar ficou sob a responsabilidade de Huey Lewis. “Já posso sair correndo?”, brincou o vocalista do grupo Huey Lewis and The News ao ser convidado por Michael Jackson.
Enquanto esperava o momento para gravar, cada artista relaxava de um jeito. Diana Ross sentou-se no chão para fazer alongamento. Já Cindy Lauper e Kim Carnes improvisaram exercícios vocais.
Na hora de gravar seu solo, Bob Dylan parecia tenso. Só descontraiu quando Stevie Wonder, ao piano, mostrou como ele, Dylan, deveria cantar a música.
“Não ficou bom”, disse, relutante, ao terminar de gravar sua participação. “Lógico que ficou”, elogiou Quincy Jones, com um sorriso. “Se você diz”, ponderou o cantor, dando de ombros. “Juro que ficou, cara”, insistiu o produtor. “Ficou perfeito”, e os dois se abraçaram.
A gravação chegou ao fim às oito da manhã. Quincy Jones ainda ouviu um choro abafado. Era Diana Ross. “Não queria que acabasse”, soluçou a cantora.
Uma curiosidade: um músico brasileiro participou da gravação de We Are The World. Foi o percussionista carioca Paulinho da Costa, de 75 anos. Ele nasceu no Rio, mas, desde 1972, mora em Los Angeles, na Califórnia.
Em seu currículo, constam participações em músicas como All Night Long, de Lionel Richie; Wanna Be Startin’ Somethin’, de Michael Jackson, e La Isla Bonita, de Madonna, só para citar três das mais famosas.
Além de Paulinho da Costa, participaram da gravação do álbum, realizada em outro estúdio, o Lion Share, os tecladistas Michael Omartian, Greg Phillinganes, David Paich e Michael Boddicker, o baixista Louis Johnson e o baterista John Robinson.
A música salva vidas
A música We Are The World foi lançada no dia 7 de março de 1985. Em quase 40 anos, já arrecadou 80 milhões de dólares.
No dia 1º de fevereiro de 2010, o cantor Lionel Richie e o produtor Quincy Jones voltaram a se encontrar no A&M Studios, em Los Angeles, para regravar a canção.
Vinte dias antes, um terremoto de 7,3 graus na escala Richter havia atingido Porto Príncipe, a capital do Haiti. Duzentas e trinta mil pessoas morreram e mais de um milhão ficaram desabrigadas.
Batizado de We Are The World 25 for Haiti, o projeto humanitário contou com mais de 80 artistas, de diferentes nacionalidades, como a canadense Céline Dion, o espanhol Enrique Iglesias e o mexicano Carlos Santana, entre outros.
Outra versão da música, Somos El Mundo, foi gravada por artistas de origem espanhola, como o porto-riquenho Ricky Martin, a colombiana Shakira e a cubana Gloria Estefan.
No Brasil, o USA for Africa inspirou dois projetos beneficentes: o Nordeste Já, de 1985, e o A Luz do Mundo, de 1991. No primeiro deles, 155 artistas, sob a regência de Dori Caymmi, entraram em estúdio, de 8 a 16 de maio, para gravar Chega de Mágoa e Seca D’água.
A música Chega de Mágoa, o lado A do compacto simples, foi composta por Gilberto Gil, Chico Buarque, Milton Nascimento, Djavan, Fagner e Erasmo Carlos.
Seis anos depois, astros e estrelas da MPB atenderam a uma convocação do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, para gravar Se Essa Rua Fosse Minha no tradicional estúdio Nas Nuvens, no Rio de Janeiro.
A música é de autoria de Djavan e a letra de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque e Arnaldo Antunes. Entre artistas dos mais diferentes gêneros, como samba, rock e frevo, uma participação inusitada: Pelé, o eterno “rei do futebol”.
Empatia: dom ou habilidade?
O filósofo australiano Roman Krznaric e a pedagoga alemã Monika Hein são dois estudiosos da empatia. Krznaric é autor de O Poder da Empatia: A Arte de Se Colocar no Lugar do Outro para Transformar o Mundo (Zahar – clique para comprar) e Hein, de Empatia: Eu Sei Como Você se Sente (Rocco, 2023).
Para Krznaric, ter empatia é mais do que simplesmente se colocar no lugar do outro. É imaginar como o outro vê e sente o mundo. “A empatia tem o poder de mudar o mundo”, afirma. “Grande parte do sofrimento e da desigualdade que nos rodeia decorre da incapacidade de compreender o mundo através do olhar dos outros”.
Ele dá dois exemplos: “Quando passamos na rua todos os dias por um sem-teto e não fazemos nada para ajudá-lo. Ou quando governantes lançam bombas sobre seus ‘inimigos’ e matam centenas de civis inocentes. A empatia destrói o muro invisível que existe entre ‘nós’ e ‘eles’”.
Para Hein, o oposto da empatia não é a apatia. É a necessidade de estar sempre certo. “Quando alguém quer manter sua opinião, não importa o que aconteça, ela é tudo, menos empática. A pessoa é empática quando se abre à possibilidade de que o outro, talvez, esteja certo. Teimosos têm grandes chances de não serem empáticos. Ciumentos, julgadores e gananciosos também”.
Krznaric explica que a empatia é um dom que nasce conosco. E, mais uma vez, cita um exemplo: o dos próprios filhos.
Quando os gêmeos eram pequenos, toda vez que Casimir chorava, sua irmã, Siri, tentava consolá-lo. Como? Emprestando seu bichinho de pelúcia favorito.
Sim, a empatia é um dom, mas é também uma habilidade e, como tal, pode ser aprendida em sala de aula, como geografia ou matemática, acrescenta o filósofo.
Para quem deseja ser um pouco mais empático, ele passa um dever de casa: que tal conversar com um estranho pelo menos uma vez por semana? Bem, não precisa ser um desconhecido na rua; pode ser um vizinho do prédio onde você mora.
Hein avisa que se colocar no lugar do outro e tentar ver o mundo como ele vê não é uma tarefa das mais simples. Compara a empatia a um músculo que precisa ser exercitado. Caso contrário, atrofia.
“Muitas vezes, não somos empáticos conosco mesmo. O que isso significa? Não conhecemos nossos sentimentos e não respeitamos nossas necessidades. Nessas horas, o que temos a fazer é aprender a entrar mais em sintonia com os nossos sentimentos. Se ousarmos viver com mais empatia, transformaremos o mundo ao nosso redor”, garante Hein.