Eu me esforço para não prestar atenção nas escolhas alimentares alheias quando não estou trabalhando, mas foi irresistível a cena dos três irmãos discutindo qual seria a melhor opção naquela segunda-feira, depois de uma dobradinha de natação e judô.
Eles estavam cansados, com fome, com pressa para ir à escola e o mais velho, tão fofo, tentava coordenar os pedidos, influenciando escolhas mais saudáveis.
A mãe chegou quando os pratos já estavam na mesa e, antes de sentar, chamou a atenção do caçula, o único que tinha escolhido macarrão. “Poxa, filho, você sabe que não deveria pedir macarrão!”
A essa altura, eu estava ainda mais interessada no enredo. Será que o menino era celíaco? Tinha alergia à trigo? Estava retirando da dieta os carboidratos fermentáveis?
Há anos, trabalho orientando dietas de restrição que são realmente necessárias para melhorar a saúde das crianças e a qualidade de vida das famílias. Alergias alimentares, intolerâncias, erros inatos do metabolismo são alguns dos motivos que justificam alguma exclusão.
Pessoalmente, já fiz dieta para amamentar minhas filhas que tiveram alergia à proteína do leite de vaca.
+ Leia também: Dieta anti-inflamatória: ciência ou moda?
Meu papel, como nutricionista, é o de minimizar os impactos nutricionais e sociais inerentes à retirada de um ou mais de um grupo de alimentos da dieta. Mas… E quando a restrição não é necessária?
Nos últimos anos, tenho recebido algumas demandas para orientar dietas de exclusão motivadas por testes que não tem valor para diagnóstico de alergias alimentares, ou ainda, com base em crenças que determinados alimentos teriam um potencial efeito tóxico ao organismo. Nesse segundo caso, o glúten é o campeão.
O impacto de tirar o glúten da dieta sem necessidade
O glúten é uma proteína que está presente no trigo, no centeio, na cevada e na aveia e não pode ser ingerido por quem tem o diagnóstico de doença celíaca.
Retirá-lo do cardápio de uma criança fora desse contexto traz consequências negativas. A seguir, elenco cinco motivos para repensar essa decisão:
1) Para a enorme maioria das crianças, o glúten pasas pelo intestino sem causar nenhuma doença e jamais trará qualquer problema. Até hoje, a ciência não trouxe dados que atestem que o glúten seja tóxico ou que faça mal.
Uma alimentação balanceada e variada, rica em frutas, vegetais, grãos, carnes e cereais (inclusive os que contém a substância), é a melhor recomendação para a saúde e para a formação do comportamento alimentar das crianças.
2) O mercado de produtos sem glúten está em franca expansão e é muito bom termos opções. Porém, muitas dessas alternativas estão dentro da categoria dos alimentos ultraprocessados, que têm uma lista grande de ingredientes, com muitos aditivos, ou seja, não são mais saudáveis do que as versões convencionais.
+ Leia também: Produtos sem glúten podem conter substâncias bem perigosas
3) Esse tipo de produto tende a ter menos fibras e vitaminas do complexo B. Sempre que há uma restrição, é interessante que um nutricionista avalie a adequação do consumo de nutrientes de acordo com a faixa etária e faça as correções necessárias para garantir crescimento e desenvolvimento.
4) A criança frequenta locais em que são servidos alimentos que contêm glúten. Além da escola, festinhas, piqueniques, casa de amigos… Quando é necessário restringí-lo, faz-se uma verdadeira força-tarefa para garantir que não haja consumo acidental e há um grande engajamento da família para garantir opções seguras nos mais diversos ambientes.
A criança entende que alguns alimentos precisam ser evitados, mas são muitos os desafios.
5) Caso a família suspeite que a criança tem alguma reação ao consumir o glúten, não deve excluí-lo por conta própria. A decisão dificulta a obtenção de um diagnóstico, já que, para fazer os exames, é necessário consumir glúten regularmente.
Sobre a família que estava ao meu lado, a mãe logo começou a explicar que o glúten era “inflamatório” e por isso não era uma boa escolha. E, como sabemos, não é bem assim.
Hoje estou sentada na mesma mesa e posso ouvir uma mãe insistindo pra que filha coma o seu pratinho.
Olho e vejo a pequena no colo da avó, cheia de dengo, pedindo um “tetê”. Será que eu resistiria? A mãe não cede, mas a avó prepara a mamadeira. A mãe consente e come o prato da criança. O restaurante do clube é o melhor lugar para escrever essa coluna.