Em 29 de junho de 2021, um homem de 64 anos com diabetes tipo 1 recebeu nos Estados Unidos um implante de células produtoras de insulina que mudaria sua vida.
Convivendo com a doença há longos anos, ele sofria com os altos e baixos da glicose no sangue como se fosse uma montanha-russa. Em alguns dias, tinha crises gravíssimas de hipoglicemia, quando os níveis de açúcar caem tanto que a pessoa pode até perder a consciência, intercaladas com grandes picos de glicose.
O diabetes tipo 1 representa cerca de 5% de todos os casos de diabetes no mundo e é considerado uma doença autoimune. Ou seja, o sistema imunológico ataca as células produtoras de insulina lá no pâncreas como se elas fossem inimigas.
Com isso, o órgão para de fabricar o hormônio que permite à glicose entrar nas células e o indivíduo precisa aplicar insulina várias vezes ao dia para sobreviver, sem contar os cuidados com a alimentação, a atividade física e o acompanhamento médico.
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Mas, como divulgou o The New York Times, esse americano de 64 anos foi recrutado para uma nova e promissora experiência aprovada pela FDA (a Anvisa dos EUA). Os pesquisadores cultivaram, em laboratório, células-tronco embrionárias de outros indivíduos e conseguiram fazer com que elas se transformassem em células produtoras de insulina.
Posteriormente, num procedimento cirúrgico pouco invasivo, essas células são implantadas na veia do fígado e passam a produzir insulina. Por serem células provenientes de outras pessoas, o paciente precisa usar remédios contra rejeição para evitar que o seu próprio sistema imunológico ataque também essas novas unidades produtoras de insulina instaladas no fígado.
O objetivo do estudo, conduzido pela farmacêutica americana Vertex com uma equipe da Universidade Harvard, é mostrar a segurança do implante de células produtoras de insulina derivadas de células-tronco associadas ao esquema de medicamentos imunossupressores (que evitam a rejeição) num tempo de cinco anos.
Porém, após três meses do implante, foi noticiado na imprensa americana e replicado em diversos países que o paciente parecia estar curado. Nesse período, o sujeito não teve nenhum efeito colateral sério e os altos e baixos da glicose melhoraram muito.
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Estou aqui de dedos cruzados aguardando o desenrolar dessa pesquisa no longo prazo e esperando os efeitos nos demais 16 pacientes a serem incluídos no experimento. Torço por essa estratégia, assim como torço pela cura.
No entanto, há ponderações importantes a se fazer. Primeiro, os resultados preliminares não foram publicados ainda em nenhum periódico científico revisado por pares. Segundo, como mencionei ali atrás, o objetivo da pesquisa é averiguar o impacto do tratamento em um prazo de cinco anos. Em três meses é difícil cravar qualquer coisa.
Em busca da cura
Claro que todos nós queremos e procuramos a cura do diabetes. Eu tenho a honra de participar de um time brasileiro pioneiro mundialmente na criação de um tratamento experimental com células-tronco para pessoas com diabetes tipo 1, num modelo diferente do americano. Essa linha de pesquisa na USP de Ribeirão Preto tem 18 anos.
Temos pacientes com diabetes tipo 1 que ficaram mais de uma década livres de insulina. Levando um estilo de vida saudável, eles exibiam glicemias praticamente normais. Podemos chamar isso de cura? Infelizmente, não!
Teve gente na imprensa brasileira e internacional que noticiou nossos resultados como cura. Mas, repito, infelizmente não é. Essa é uma palavra muito forte. Significa acabar de vez com aquela doença. No diabetes tipo 1, isso é ainda mais complexo porque, até hoje, não se sabe a causa exata do problema.
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Voltando ao experimento da Vertex e de Harvard, um dos pesquisadores envolvidos é Douglas Melton, que possui dois filhos com diabetes tipo 1. Tive a honra de dividir um simpósio com ele durante o Congresso Americano de Diabetes de 2015, em Boston, quando o biólogo mostrou que conseguira converter uma célula-tronco embrionária em células produtoras de insulina.
Mas o ponto crucial do diabetes tipo 1 é a autoimunidade. De nada adianta infundirmos células produtoras de insulina sem bloquear a agressão do sistema imunológico. Por isso o grupo americano teve de recorrer aos medicamentos imunossupressores.
E engana-se quem pensa que essa é a grande história da equipe de Melton a ser noticiada. Essa turma de Harvard pretende lançar nos próximos anos um implante de células produtoras de insulina envoltos numa cápsula que impede o ataque da imunidade. Desse jeito, em tese não seria preciso tomar remédios imunossupressores pelo resto da vida. Ficaríamos mais próximos da cura.
Neste momento, encaro as manchetes sobre os achados do estudo americano como um tanto exageradas. Os cientistas estão incluindo no experimento voluntários com idade entre 18 e 65 anos de idade que tenham diabetes tipo 1 com mais de cinco anos de duração, grande variação nos níveis de glicose e pelo menos dois episódios graves de hipoglicemia no último ano.
Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos e acompanhar os desfechos desse trabalho. Sim, acredito na cura do diabetes no futuro. Mas, enquanto ela não chega, sigamos nos informando e nos cuidando.