Meu nome é Aline, tenho 22 anos, sou formada em moda, e nasci com uma doença chamada esofagite eosinofílica (EoE), reação alérgica do esôfago que atrapalha muito a alimentação.
Mas demorou muito para eu descobrir isso. Quando pequena, minha mãe fazia papinha e eu, no colo dela, sempre me jogava pra trás para não comer. As pessoas falavam que eu era muito enjoada e mimada, porque não gostava de nada.
Mesmo com o passar do tempo, eu constantemente comia muito devagar. Toda vez era a última a sair da mesa, precisava comer com algum líquido do lado, como água, suco ou refrigerante, pois a comida não descia sem a bebida.
Isso nunca foi um grande problema, eu achava que era normal porque sempre fui assim. Me acostumei com a minha dificuldade, e não falava sobre o assunto porque achava que as pessoas comiam igual a mim.
O começo dos engasgos
Por volta dos onze anos de idade, engasguei pela primeira vez com a comida. Comi um pedaço de carne durante um almoço com a família, mas ela não desceu. Nesse momento, comecei a me desesperar, com muita ansiedade. Eu pensava que ia morrer.
Meus pais desesperados também tentavam bater nas minhas costas. Forçamos vômito, tomei muito líquido, mas nada adiantou. Fomos ao hospital e o médico falou que ia “me dar um soro”. Tomei o tal soro, e nada de desentalar. Me mandaram para casa e pediram para esperar mais um dia, caso contrário, eu teria que usar uma sonda.
Na manhã seguinte, o pedaço da comida tinha descido, o que foi um grande alívio. Mas, a partir de então, os engasgos começaram a aparecer com mais frequência. Eles sempre eram justificados da mesma maneira (“você engoliu um pedaço muito grande ou não mastigou bem a comida”).
Meus pais me levaram ao médico, pediam exames, mas eles sempre apontavam que eu estava saudável.
A magreza excessiva
Eu sempre estive abaixo do peso ideal da minha idade, mas os médicos explicavam isso com a genética, já que meus pais também são maagros.
Com isso, vinha o bullying, julgavam o meu corpo, e isso me doía muito. Eu colocava na cabeça que precisava engordar, mas não conseguia, acredito que pelo fato de não ter uma relação boa com a comida, afinal eu comia forçada, não era algo prazeroso.
Eu me alimentava porque era necessário para viver, mas sentia todo aquele mal-estar quando engolia. Foi muito complicado tudo isso. Eu ficava muito triste e o pessoal não parava de falar do meu corpo.
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Piora dos sintomas
O tempo foi passando e foi piorando a situação. Já estava bem difícil engolir até o caldinho do feijão.
Em um dia de março de 2021, fui tomar água ao acordar, mas o líquido não desceu. Não conseguia engolir nem minha saliva, precisava ficar cuspindo. Vieram todos aqueles sentimentos de desespero imenso, ansiedade e medo.
Eu fiquei pensando: “Devo estar alguma coisa muito séria e rara, porque não vejo ninguém falando que não consegue engolir água”. Fomos ao hospital e, lá, o atendimento foi péssimo. Fiz u m raio-X do pescoço para ver se tinha algo ali e não tinha. Então ele me passou mais um soro.
Eu tomava soro enquanto chorava desesperada, já que não sabia o que eu tinha ou se iria conseguir comer naquele dia. Estava numa escuridão, tive muito medo de morrer e só passava na minha cabeça que eu estava com câncer.
Clique aqui para entrar em nosso canal no WhatsAppEnfim, o diagnóstico
Marquei uma consulta, falei pro médico que nem a água estava descendo. Ele me passou uma endoscopia, e me perguntei como conseguiria fazer o exame, já que não conseguia engolir nada.
E de fato, na hora da realização do procedimento, meu esôfago estava bem pequeno, apertado. Na hora de passar o aparelho, chegou a rasgá-lo um pouquinho. Tive que ficar em observação por um tempo.
Isso aconteceu porque o esôfago estava com estenose, um estreitamento do canal.
Precisei ficar uma semana bebendo só líquido, então qualquer refeição precisava bater no liquidificador. Ainda não sabia o que tinha, mas começamos a procurar outros clínicos.
Foi um período horroroso, muito traumático. Comecei a tomar medicamentos indicados pelo primeiro médico e comecei a procurar outros profissionais. Nada adiantava estava comendo menos do que antes porque a doença, que eu ainda não tinha descoberto, estava progredindo.
Até que o sexto profissional me explicou o que eu tinha, deu o diagnóstico: esofagite eosinofílica, uma reação alérgica do esôfago, que vai inflamando o órgão conforme você come alérgenos.
Esse médico já me disse que não havia cura, mas teria tratamento, com remédios e ajustes na alimentação. Na hora, tudo ficou claro. Eu pensei “Fácil, só parar de comer alguns alimentos”.
Contudo, quando cheguei em casa, me bateu a realidade. Era uma lista longuíssima de restrições e eu não podia mais comer fora de casa. Fiquei muito mal nessa fase, tive que procurar psicóloga e psiquiatra, desenvolvi depressão e ansiedade. Mudei minha vida totalmente, mas com o tempo comecei a melhorar.
Hoje, estou aqui para contar que o tratamento funciona, dá certo. Comer agora é prazeroso, finalmente estou conseguindo engordar. Tudo está fluindo bem e a saúde mental melhorando junto.
Depois de ter passado por tudo isso, vi a necessidade de falar mais sobre essa enfermidade e alertar as pessoas para que não se acostumem com incômodos do tipo. Se eu soubesse de tudo isso antes, já teria me tratado há muito tempo. Criei uma conta no Instagram para compartilhar minha rotina.
Recebo muitos retornos de pessoas que descobriram a condição e também convivem com ela. E até dentro de casa vi o impacto de compartilhar meus sintomas. Depois do meu diagnóstico, descobrimos que meu pai também tinha a esofagite eosinofílica. Foi diagnosticado aos 59 anos, após quase morrer engasgado em uma churrascaria.
Hoje, fico mais tranquila por termos o diagnóstico. A doença não é debatida, ninguém a conhece, por isso é tão importante discutir mais sobre ela. Os engasgos não são sempre um acidente — podem ser o sinal de um problema tratável.
*Aline Mani Mazuchelli tem 22 anos e é portadora de esofagite eosinofílica