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Incontinência urinária não é um mero detalhe do câncer de próstata

Ela pode surgir como consequência do tratamento e não deve ser menosprezada. Há maneiras de recuperar o controle da micção e viver melhor

Por José Gmach, paciente que tem câncer de próstata*
25 nov 2023, 09h42
foto de homem com ilustração da próstata
Tratamento do câncer de próstata e suas repercussões depende de diálogo aberto entre médico e paciente (Ilustração: Veja Saúde/SAÚDE é Vital)
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Eu não esperava, já tendo avançado consideravelmente na sétima década de vida, passar por uma peregrinação. Mas foi o que ocorreu: por mais de cinco anos, sofri com uma incontinência urinária de difícil controle, o que derrubou minha qualidade de vida.

Tudo começou com o diagnóstico de um câncer de próstata em fase inicial. Os exames confirmaram a necessidade de tratamento e, no início de 2017, passei por uma retirada total da próstata e das vesículas seminais. 

A cirurgia foi considerada um sucesso, mas acabei sendo “sorteado” com um dos efeitos colaterais desse tratamento: a tal incontinência urinária por deficiência uretral, também conhecida como micção involuntária por esforço. Essa é uma condição em que o esfíncter urinário é danificado e, portanto, não consegue mais segurar o xixi na bexiga.

A incontinência urinária significa ficar com roupa molhada o tempo todo. Após o diagnóstico, passei a usar fralda, duas ou três ao dia. Depois, tentei a sonda, mas, mesmo assim, sempre havia algum escape nas minhas roupas e me incomodava muito viver com odor de urina. É algo angustiante.

Enquanto buscava alternativas, em 2018 recebi a notícia de que o câncer tinha voltado, e que precisaria fazer sessões de radioterapia. Realizado esse tratamento, ainda persistia a incontinência urinária. 

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Aí fiquei entre a cruz e a espada: usar fraldas, instalar uma nova sonda… ou partir para tal o esfíncter artificial.

+ Leia também: Entenda o debate sobre o rastreamento do câncer de próstata no Brasil

O esfíncter artificial é uma prótese colocada em volta da uretra que tem a capacidade de segurar a urina – e liberá-la em um momento oportuno, quando acionada por um botão implantado na bolsa escrotal. 

Avaliei as alternativas a partir do objetivo de não mais “exalar urina o tempo todo”. Isso me incentivou a optar pelo esfíncter artificial. 

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Foram duas tentativas de implante da prótese. Na primeira, em 2019, uma infecção local obrigou a remoção do esfíncter artificial. Consegui fazer uma nova tentativa só em 2022, três anos depois da primeira. 

Mas, de novo, não deu certo: a prótese teve que ser removida após um acúmulo de urina na região operada. 

Diante das más notícias, a equipe que realizou esses primeiros procedimentos sugeriu abandonarmos essa ideia. A ideia seria viver com uma sonda na bexiga para sempre. 

A incontinência urinária pode parecer um  mero detalhe diante do diagnóstico de câncer – ainda mais depois de duas tentativas fracassadas de resolver o problema. Não é, e eu posso enumerar vários problemas: vergonha de sair de casa, dor ao urinar, falta de convívio social, presença constante de um odor desagradável…

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Nesse momento desafiador, tive o apoio incondicional da minha família. Compartilhar momentos com a minha esposa, as minhas filhas, as minhas quatro netas e a minha bisneta foram o diferencial para me manter motivado. 

+ Leia também: Quais são os principais tipos de cirurgia para próstata?

E foi justamente o apoio da família que trouxe mais uma vez a esperança. Em uma conversa informal na sala de espera do odontologista, uma das minhas filhas conheceu a Patrícia, que é a secretária do Marcelo Bendhack, um médico especializado no meu problema e que poderia, pelo menos, avaliar a situação. 

Por causa desse contato, marquei uma consulta com ele para entender a possibilidade de uma terceira tentativa de colocar o esfíncter artificial. Aí descobrimos que sim: essa era uma opção. 

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Embora provavelmente não eliminasse a incontinência, essa nova tentativa, se desse certo, reduziria consideravelmente o escape de urina. Ou seja, ela me devolveria uma vida mais próxima do “normal”.  Após uma análise profunda, eu, minha família e os médicos decidimos em conjunto seguir em frente e gastar esse “último cartucho”, assim por dizer. 

Naquele momento, os médicos precisavam seguir um plano minucioso. Foram muitos exames antes de termos certeza que eu poderia ir para a cirurgia. Eu estava perto de completar 80 anos, mas confesso que me senti um jovem estudante, aprovado em todos os processos seletivos, e pronto para entrar novamente na sala de operação. 

A cirurgia foi realizada pelos médicos Marcelo Bendhack e André Cavalcanti. Esse último saiu de sua cidade, a bela Rio de Janeiro, para Curitiba, onde moro, só para fazer esse procedimento complexo. 

Após sete semanas, voltei para uma reavaliação. Resultado: o terceiro esfíncter artificial estava funcionando e não havia mais os vazamentos urinários constantes. Como antecipado, a técnica não resolveu por completo o problema, mas diria que me sinto 70% melhor. Retornei às atividades, ao trabalho, aos exercícios físicos, às minhas caminhadas diárias. 

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O aparelho, aliás, já não incomoda mais, até porque esse é um detalhe frente ao ganho que tive. 

Olhando para trás, compreendo que a saúde física (ou a falta dela) interfere diretamente no humor e, sobretudo, nas relações pessoais. Uma doença ou uma condição como a incontinência urinária, se não bem tratada, pode nos isolar em casa e gerar vergonha. 

Sou grato por ter encontrado profissionais dedicados e cientes de suas responsabilidades. Eles me deram uma nova chance de viver uma boa vida, agora com meus 80 anos, que celebrei no dia 30 de agosto de 2023. 

Depois de dois tratamentos para o câncer de próstata e três tentativas de implante do esfíncter, hoje olho para o futuro e sei que a medicina pode ser baseada em ciência e, ao mesmo tempo, pensada para promover qualidade de vida.

*José Gmach nasceu em Curitiba, no Paraná, e foi diagnosticado com câncer de próstata em 2017.

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