Costumo dizer que o sorriso é o retrato de nosso equilíbrio físico e mental. Trabalhando há mais de 30 anos em consultório, tive o privilégio de acompanhar gerações de pacientes. E não é exagero falar que, de minha cadeira de dentista, pude perceber alterações radicais na dinâmica de vida dessas gerações, mudanças essas traduzidas em seus dentes.
Antes, chegavam para mim queixas relacionadas a patologias bucais comuns, tais como cáries ou inflamação gengival. Hoje, um número significativo de casos é ligado à destruição ou à erosão dentária e, também, a problemas graves de dores na face, mandíbula e pescoço, inclusive distúrbios na mastigação provocados em sua maioria pelo bruxismo.
Medicamentos
Um problema que tem nos preocupado muito é o aumento do bruxismo, uma disfunção caracterizada pelo ranger ou apertar dos dentes, sendo o estresse e a ansiedade seus principais causadores. Medicamentos também têm sua parcela de culpa, visto estarem associados à supressão do sono REM, o que pode impactar a qualidade do descanso e limitar a pessoa ao estágio leve do sono, no qual o bruxismo atua intensamente.
Entre os medicamentos, precisamos falar dos ansiolíticos, os antidepressivos, os antipsicóticos e, mais recentemente, os psicoestimulantes. E, mais precisamente, o uso recreativo desses medicamentos.
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Me debruço aqui para falar de um deles: o Venvanse. A busca foi tanta em dado momento que chegou a levar a uma escassez do produto.
Apesar de indicado para o tratamento do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e do transtorno de compulsão alimentar (TCA), ele vem sendo utilizado para o aumento da produtividade, visto os efeitos diretos no aumento do foco e da motivação.
Um estudo da American Psychological Association indica que o uso não prescrito de Venvanse pode causar dependência, ansiedade e problemas cardiovasculares. E não para por aí.
Não foram uma ou duas vezes que recebemos no consultório casos de pacientes que, após fazer uso de forma recreativa, chegaram com queixas de dores intensas de ATM, no pescoço, nos ombros, ou mesmo com um quadro de bruxismo ou agravamento dele.
E, ainda, grau severo de erosão dentária, considerada pelos dentistas “o mal do século” por levar os dentes ao colapso.
Um de nossos pacientes, que fez uso recreativo do psicoestimulante, entrou em um estado crônico de dores no pescoço e na face, principalmente na região da mandíbula, além do agravamento do bruxismo que já vinha com ele. Atualmente, está em um tratamento que inclui a reprogramação da mordida, haja vista o comprometimento na região.
O que posso dizer é que, por trás de muitos sorrisos, está uma pessoa tomada pelo estresse, pela depressão ou pela ansiedade, ou dependente de medicamentos para manter seu equilíbrio emocional. Ou, mesmo ciente das consequências, tomada pela busca da alta performance a qualquer custo.
De nossa parte, cabe tirar o paciente do estado de dores da região cervical, e de outras regiões, que são as dores da mordida e do estresse, preservar os dentes da erosão, ajudar no controle do bruxismo e, antes de tudo, alertar e orientar quanto a outros meios de conquistar o bem-estar, de forma mais natural e segura.
*Marcelo Kyrillos é sócio fundador do Ateliê Oral, clínica odontológica que está presente no mercado há 33 anos. É também coautor dos livros: “Sorriso Modelo – o Rosto em Harmonia” (2004), “A Arquitetura do Sorriso” (2012); “Precision – Os segredos da Odontologia Estética Minimamente Invasiva” (2014) e “A Arquitetura do Sorriso e a Construção de uma Marca” (2017).