Somos de Ananindeua, uma cidade na região metropolitana de Belém do Pará. Nossa filha, Laura, foi diagnosticada com atrofia muscular espinhal (AME) tipo 1 aos seis meses de vida. Mas nossa luta não começou aí. Antes do diagnóstico, o acompanhamento no posto de saúde já andava bem complicado, agravado pelo precário sistema de saúde e pela Covid-19 e o lockdown.
Motivos não faltavam para o posto cancelar consultas e adiar atendimentos. Na maioria das vezes, eles levavam mais de 60 dias para serem agendados. Não tínhamos, assim, um acompanhamento mensal, não podendo acompanhar da maneira mais adequada os marcos do desenvolvimento da minha filha.
Mas algo começou a chamar a minha atenção. Era o fato de a Laura apresentar muitas secreções aos 2 meses de vida. Procuramos um hospital público de Belém, mas o pediatra se recusava a atender crianças que não apresentavam febre ou vômitos, porque as equipes de saúde estavam mobilizadas para casos de urgência e emergência.
A conduta ficou a cargo do serviço de triagem e uma enfermeira nos prescreveu apenas uma lavagem nasal (o que só aliviava, mas nunca resolvia o problema).
Os médicos que atenderam a Laura sempre diziam que aquele quadro era normal, o desenvolvimento variava de criança para criança. Outros sintomas foram aparecendo, porém. Laura tinha resistência para se alimentar, muita prisão de ventre e continuava acumulando secreções.
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Com a precariedade da rede pública, resolvemos fazer um plano de saúde para que ela tivesse acesso a consultas mensais e pudéssemos avaliar mais de perto seu desenvolvimento. Jamais imaginei que ela estivesse com sinais de AME, até porque nunca tinha ouvido falar da doença. Os médicos continuavam dizendo que aquilo era normal, mas meu coração de mãe não se tranquilizava.
Até que um dia a Laura amanheceu imóvel do pescoço para baixo. Levamos minha filha ao hospital e, na primeira internação, ela ficou duas semanas ali. Nesse período, foi perdendo toda a força muscular e, após muitos exames invasivos e dolorosos, a neuropediatra suspeitou daquela doença. Fomos buscar informações a respeito e deparamos com dados que aterrorizam quaisquer pais.
Nem tivemos tempo para viver a dor do diagnóstico. Corremos para estudar sobre a AME e entender as chances de vida e o bem-estar que poderíamos proporcionar a Laura. Em agosto de 2021, descobrimos que ela tinha AME tipo 1, e, em três semanas, precisamos reinterná-la. Minha filha ficou quase dois meses no hospital e, devido às dificuldades para engolir o leite e ele parar no pulmão, foi submetida a uma gastrostomia.
Hoje, o tempo é o maior inimigo dela. Se existe a boa notícia de que há um medicamento para a doença, existem também os entraves para ter acesso a um remédio que custa milhões e não é fornecido pelo SUS (o Zolgensma). Só essa terapia gênica pode dar a Laura os recursos capazes de evitar a morte dos seus neurônios motores, fazendo com que ela perca todos os movimentos.
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Hoje o SUS fornece um medicamento que ajuda a reduzir a perda de células nervosas e a melhorar a força e o tônus muscular. No entanto, esse é um tratamento que apenas retarda os efeitos da doença.
Com muito sacrifício, pudemos pagar um plano de saúde particular, custeado pela minha mãe, mas conseguimos essa medicação na rede pública. Laura fará sua terceira dose até completar quatro sessões em um mês; depois, será uma dose a cada quatro meses.
Para as famílias que têm uma criança com AME, a realidade é difícil. O pequeno precisa de muitos cuidados e equipamentos especiais (respiradores, monitores de oxigênio e pressão, sondas para nutrição etc). Se já é difícil ver seu filho se alimentando por sonda gástrica diariamente, imagine ter de encarar, ao mesmo tempo, uma luta por seus direitos.
A batalha envolve convênios, que frequentemente dificultam o atendimento às demandas – no nosso caso, só conseguimos liberação para o home care da Laura após entrar na Justiça. E envolve melhorias no sistema público. Diante da AME, precisamos pensar e agir para ter acesso ao medicamento baseado em terapia gênica. Somente ele poderá dar a crianças como a Laura a qualidade de vida que ela e outras merecem, podendo se alimentar e respirar sem aparelhos.
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Para conseguir esse medicamento, que está fora da nossa realidade financeira, lançamos nas redes sociais uma vaquinha virtual com a campanha @amelaurinha e aproveitamos cada segundo para sensibilizar as pessoas e arrecadar o valor milionário da medicação.
Também lutamos para sensibilizar a Justiça a fim de que a União pague pelo menos parte desse valor. Muita gente tem aderido a essa causa, mas é preciso mais, muito mais.
Acredito que o Estado e a União precisam dar maior atenção às pessoas que convivem com a AME e outras doenças raras. Não é porque o problema atinge uma criança a cada 10 mil nascimentos que deve ser deixado de lado. Em todo o Norte e o Nordeste, até agora apenas uma pessoa conseguiu receber aquele medicamento, um menino de 2 anos também de Ananindeua.
A doença já fez a Laura perder toda a força muscular do pescoço para baixo. Ela não movimenta as pernas e a dificuldade para respirar é constante. É tanta força para respirar que ela chega a transpirar, daí a necessidade do suporte mecânico de ventilação.
Fora isso, minha filha precisa ficar direto no ar condicionado. Até a conta de energia virou um problema, pois não posso exercer minha profissão e tive de abandonar os estudos para concurso público. Cuido dela 24 horas por dia, e o pai se divide entre o apoio, o trabalho e as burocracias do tratamento.
Ao mesmo tempo que o passar dos dias nos aflige, tenho esperança. E deixo meu abraço a todas as famílias que, como nós, têm o desafio de lutar pelo direito à vida dos seus filhos.
* Dayanne Leal Souza é bibliotecária e mãe da Laura. Junto ao marido Everton Costa Silva, a família luta unida pela qualidade de vida da filha com AME