Linhagem materna predominante no Brasil é indígena e africana
Pesquisa recente lança luz sobre a ancestralidade brasileira

Ainda falta um tempo para chegarmos em dezembro e descobrir qual foi a palavra deste ano, segundo o renomado dicionário Oxford. Mas certamente ancestralidade é uma forte candidata. A reconexão com nossas origens e histórias de vida tem inspirado diversas produções de séries, filmes, músicas, festivais, entre tantas outras manifestações da criatividade humana.
E a ciência não fica para trás, sendo evidência disso o estudo produzido recentemente pela Genera que lança luz sobre as origens das nossas mães ancestrais a partir da análise do DNA de cerca de 500 mil brasileiros.
A pesquisa constatou que a linhagem materna predominante no Brasil é de origem africana e indígena, enquanto a ascendência europeia se sobressai nas linhagens paternas.
Mas, como isso é avaliado? A linhagem é determinada pela análise das informações genéticas de cada pessoa. Ao investigar o DNA mitocondrial, transmitido de mãe para filho sem recombinação genética, é possível identificar uma espécie de “diário de bordo” do código genético de cada um, os chamados haplogrupos maternos específicos, determinados pela herança genética que carregamos no sangue.
Os resultados revelam nuances sobre a distribuição da ancestralidade materna em diferentes regiões do Brasil. No Sul, observa-se a maior concentração de linhagens europeias (55%), seguidas pelas linhagens das Américas e da Ásia (26%), e pelas linhagens africanas (11%).
A região Sudeste exibe um equilíbrio entre linhagens de três origens principais: a Europa contribui com 35%, as Américas e a Ásia, com 31%, e a África, com 27%. No Centro-Oeste, essa distribuição equilibrada persiste, embora com uma configuração mais regionalizada: 37% das linhagens têm origem nas Américas e na Ásia, 31% na África e 27% na Europa.
Já a região Norte se distingue pela predominância de linhagens das Américas e da Ásia (51%), refletindo a presença significativa de povos originários. As linhagens africanas e europeias representam 26% e 18%, respectivamente. O Nordeste, por sua vez, caracteriza-se pela maior proporção de descendentes de linhagem africana (40%), seguido pelas linhagens das Américas e da Ásia (35%) e pelas linhagens europeias (21%).
Apesar das variações regionais na linhagem materna, a pesquisa da Genera aponta para uma constância na ancestralidade paterna em todo o país, na qual prevalece a origem europeia. Na linhagem paterna do brasileiro, observa-se uma concentração superior a 80% de linhagens comuns na Europa. Em seguida, encontram-se cerca de 15% de linhagens comuns na África e 3% nas Américas e Ásia.
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Essa predominância europeia pode ser atribuída, principalmente, aos fluxos migratórios e às características da cultura patriarcal, especialmente a partir da colonização do país.
Trata-se de dados que auxiliam também em estudos populacionais e identificação de características genéticas para cruzamento de informações em prevenção de saúde, sobretudo quando olhamos para quais doenças hereditárias são mais comuns a cada linhagem específica.
No poema “Recordar é preciso”, Conceição Evaristo ecoa o poder da memória na superação de apagamentos históricos e valorização das nossas antepassadas. E os testes genéticos são ferramentas poderosas para desvendar a nossa ancestralidade, permitindo que cada indivíduo se conecte com suas raízes e resgate a jornada de quem veio de longe.
No mês das mães, revisitar a história da formação da nossa sociedade é também celebrar a herança indígena e africana em nossas veias, reconhecer a importância das mulheres na construção da identidade brasileira e honrar a história de vida das mães que nos antecederam.
Como orienta o imortal da Academia Brasileira de Letras Ailton Krenak, o futuro é ancestral e conhecer nossas raízes nos leva a um futuro no qual possamos nos estar mais preparados para a prevenção de doenças e onde a contribuição de cada pessoa, independentemente de sua origem, seja reconhecida e valorizada.
*Ricardo di Lazzaro é geneticista e cofundador da Genera, da Dasa.