Doenças raras: um olhar para toda a família
No Dia Mundial das Doenças Raras, especialista defende importância de aprimorar a assistência trazendo pais e mães para o centro do cuidado
A parentalidade é uma das experiências mais transformadoras do ser humano. Tornar-se pai ou mãe é um processo complexo que envolve muitas crenças. Ele começa antes da gestação com a expectativa sobre o bebê e avança pela interação que existe após seu nascimento. Hoje, no Brasil, estima-se que existam aproximadamente 13 milhões de pessoas com doenças raras, um número equivalente à população de uma grande região metropolitana, como a cidade do Rio de Janeiro. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera uma doença rara aquela que atinge até 65 pessoas em cada 100 mil.
A ciência já identificou mais de 7 mil doenças raras, das quais 75% manifestam-se na infância. Individualmente, elas afetam poucas pessoas, mas coletivamente representam um percentual considerável. Calcula-se que, na Europa, de 6 a 8% da população seja acometida por alguma doença rara.
Pelo baixo conhecimento científico geral, muitas dessas enfermidades não possuem tratamento específico, estando atreladas aos cuidados paliativos para minimizar prejuízos na qualidade de vida.
No mês de fevereiro, cerca de 70 países celebram o dia internacional e o nacional de conscientização sobre as doenças raras. Pela sua peculiaridade de possuir 28 dias e, a cada quatro anos, 29 dias, fevereiro foi escolhido especialmente pela sua raridade.
Ao longo do mês são realizados eventos, campanhas e ações promovendo a disseminação de informação sobre a prestação de serviços aos pacientes e à comunidade. O objetivo é evidenciar a necessidade de olharmos mais para as doenças raras, alertar sobre as dificuldades vivenciadas por pacientes e famílias e reforçar a importância de termos mais acesso aos profissionais de saúde especializados.
Um dos aspectos de maior desafio nesse contexto é a suspeita do diagnóstico, que costuma ser afetada pela variabilidade de sinais e sintomas de cada uma dessas doenças. Infelizmente, famílias chegam a passar anos indo a diversos médicos até chegar ao diagnóstico correto.
No Brasil, mesmo com uma política unificada para esses pacientes e a cobertura pública, a burocracia ainda é grande para o acesso às terapias de reabilitação e às medicações específicas, denominadas medicamentos-órfãos. O acompanhamento multidisciplinar e com profissionais especializados nem sempre está à disposição de quem mais precisa.
A parentalidade diante dessas doenças com necessidades especiais é um assunto ainda pouco abordado e enfatizado no Brasil. Devemos mudar isso. Não apenas o paciente, mas também a família precisa ser um dos focos da abordagem terapêutica. O nascimento de um filho com doença rara modifica todo o contexto emocional e físico do ambiente familiar.
Estudos demonstram que as mães privilegiam cuidados primários relacionados a higiene, alimentação etc. No entanto, muitas outras questões precisam ser trabalhadas. Tantas vezes, um bebê raro provoca uma necessidade de aceitação aquém das expectativas parentais. Sentimentos de negação ocorrem na tentativa de fugir do problema. Posteriormente, tristeza, ansiedade e revolta se apresentam direcionadas a si e/ou aos outros.
Em seguida, uma nova fase surge, de aceitação, às vezes acompanhada da rejeição da realidade do problema do filho, que evolui para uma diminuição dos sentimentos negativos e a criação de melhores expectativas futuras. Nesse momento, o processo de resiliência se torna um grande aliado na recuperação do vínculo parental.
Compartilho essas observações com o objetivo de destacar a importância de cuidarmos não só da saúde do paciente mas também da família e dos cuidadores. Isso passa por situações como o convívio familiar e a inserção da família na sociedade e influencia a qualidade de vida de todos os envolvidos.
A criação de programas de suporte familiar, focados na preparação dos pais para ajudar seus filhos com doenças raras, tem um papel fundamental na reabilitação, bem como na ressignificação de valores e sentido de viver.
* André Felipe Pinto Duarte é médico neuropediatra de Petrópolis (RJ). Tem atuação em neurogenética e é mestre em Psicologia Social Parental acerca das doenças raras