O Maio Roxo é o mês de conscientização sobre as doenças inflamatórias intestinais (DII) e há vários anos a Sociedade Brasileira de Coloproctologia realiza ações para informar a população e estimular o diagnóstico precoce.
As DIIs são condições crônicas, portanto sem cura, caracterizadas por inflamação intestinal de intensidades variadas. Elas acometem mais de 5 milhões de pessoas no mundo. Suas principais formas são a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa.
No Brasil, não encontramos muitos estudos epidemiológicos e, em geral, eles são restritos a determinadas regiões do país. A prevalência da DII no estado de São Paulo, por exemplo, é de 52,5 casos a cada 100 mil habitantes, sendo que 53,8% são portadores de retocolite e 46,2% de Crohn.
A doença de Crohn
Ela tem como característica principal uma inflamação intestinal crônica que pode afetar todo o sistema digestivo, mas tem maior incidência no íleo terminal (parte inferior do intestino delgado) e no cólon (parte central do intestino grosso). O diagnóstico não é simples, e a enfermidade pode, inclusive, ser um fator de risco para o desenvolvimento do câncer no intestino.
Acredita-se que a doença de Crohn seja decorrente de uma desregulação do sistema imunológico. Outros fatores, como genética, microbiota intestinal, dieta e infecções prévias, também podem estar envolvidos.
Os pacientes têm maior dificuldade para absorção de nutrientes, podendo apresentar fraqueza, além de dores na região inferior do abdômen, diarreia, perda de peso e febre. Em estágios mais avançados, a doença leva a dores articulares, aftas, inflamação nos olhos, lesões na pele, pedras nos rins ou na vesícula biliar — sim, são repercussões sistêmicas.
Infelizmente, ainda não temos um exame específico que determine se o indivíduo tem ou não doença de Crohn, e os sintomas se assemelham aos de outras doenças do intestino. Dessa forma, a avaliação clínica do médico especialista é primordial. Ela inclui análise do histórico do paciente, exames físicos e de sangue, além de exames de imagem como ressonância magnética, endoscopia digestiva, colonoscopia, tomografia e raio X do trânsito intestinal, para localizar as áreas acometidas pela doença.
Inicialmente, o tratamento é realizado com medicamentos, tendo como objetivo a melhora dos sintomas e a cicatrização do intestino. O controle da doença abrange desde remédios que reprimem o processo inflamatório até cirurgias – a retirada de partes do intestino pode ser uma opção quando os medicamentos não surtem os resultados esperados ou quando há alguma complicação.
Seguir uma dieta balanceada, bem abastecida de fibras e com moderação de alimentos gordurosos de origem animal, não fumar e praticar exercício físico regularmente são hábitos que também ajudam no controle.
A retocolite ulcerativa
Ela é marcada por episódios recorrentes de inflamação predominantemente na mucosa do intestino. Pode iniciar em qualquer idade, sendo que o pico de incidência parece ocorrer dos 20 aos 40 anos, havendo um segundo pico entre 55 e 70 anos. Dados de um estudo transversal brasileiro descreveram média de 39 anos ao diagnóstico. Há um discreto predomínio no sexo masculino.
A América Latina em geral é considerada uma região de baixa prevalência da doença quando comparada a países como Estados Unidos, Reino Unido e Austrália. Infelizmente, não há dados nacionais disponíveis de prevalência ou incidência, mas uma estimativa sugerida para o estado de São Paulo aponta de 3,8 a 6,7 casos por 100 mil habitantes ao ano.
O sintoma principal da retocolite é a presença de episódios frequentes de diarreia com sangue, que perduram por mais de três a quatro semanas. Outros sintomas que podem estar associados são cólica, urgência evacuatória e muco nas fezes. Os casos mais graves são acompanhados de febre, anemia, fraqueza nas pernas e emagrecimento.
Em até 10% dos casos ocorrem manifestações extraintestinais, como dor nas articulações, manchas avermelhadas no corpo, problemas oculares, aftas na boca, entre outras. Fatores emocionais e dieta rica em gorduras, condimentos e leite podem agravar os sintomas.
O diagnóstico é estabelecido pela avaliação da história clínica, exames laboratoriais, métodos endoscópicos (colonoscopia ou retossigmoidoscopia) e, se necessário, biópsia. A característica mais típica vista na colonoscopia é o comprometimento da parte interna do intestino grosso, em porções ou em todo o órgão, começando pelo ânus.
O tratamento é realizado com medicamentos para reduzir a inflamação e equilibrar a resposta imunológica. O objetivo é tratar a fase aguda e, em seguida, manter a remissão clínica com a melhora dos sintomas. Os pacientes que conseguem dessa forma a cicatrização da mucosa do intestino apresentam melhores resultados no longo prazo, e menor risco de necessitar de uma cirurgia.
Por fim, cabe frisar: o diagnóstico precoce e o acompanhamento e tratamento médico fazem toda a diferença para a qualidade de vida de quem convive com uma DII.
* Carlos Sobrado é professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Coloproctologia