Assine VEJA SAÚDE por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Como a internet influencia o tratamento da doença inflamatória intestinal

Estudo pioneiro feito no Brasil se debruça sobre essa questão e suas implicações no estado mental dos pacientes e na relação com o médico

Por Diogo Sponchiato
1 Maio 2021, 12h14

Digamos que, nos dias de hoje, qualquer médico está sujeito a disputar a atenção (e a confiança) do paciente com outro doutor, o Dr. Google. Foi partindo da observação de como se comportavam as pessoas com doenças inflamatórias intestinais na internet que a gastroenterologista Dídia Cury decidiu montar e conduzir um estudo aprofundado para examinar até que ponto as buscas pela rede e as mídias sociais impactam o tratamento e o bem-estar desses pacientes.

“Notávamos que muitos pacientes chegavam até nós por causa da internet, utilizavam bastante as mídias sociais e o Google para procurar sintomas e tirar dúvidas, enquanto outros queriam, com base nas informações encontradas, se medicar ou mudar o tratamento”, conta a médica, que dirige o Centro de Doenças Inflamatórias Intestinais da Clínica Scope, em Campo Grande (MS), e é professora visitante do Centro de Crohn e Colite do Brigham and Women’s Hospital da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. “Minha curiosidade inicial era saber como o Dr. Google influenciava essas pessoas no tratamento e, num segundo momento, pensamos em investigar também se ele afetava o grau de estresse e ansiedade delas.”

A doenças inflamatórias intestinais (DII) são problemas de saúde crônicos marcados, como o nome sugere, por uma inflamação no aparelho digestivo — nem sempre limitada ao intestino — e, em algumas situações, repercussões mais sistêmicas. Quem convive com elas costuma sofrer com dores, diarreias, constipação, entre outros perrengues. Os dois principais quadros de DII são a retocolite ulcerativa e a doença de Crohn.

Depois de reunir dados suficientes, Dídia procurou dois jornalistas especializados em mídias sociais e montou um questionário para aplicar na pesquisa. E, de olho no estado mental dos pacientes, se conectou com um psiquiatra para identificar a melhor forma de averiguar o grau de ansiedade e estresse que a web podia desencadear. Por fim, a médica buscou uma ferramenta validada para apurar também de que forma a internet mexia com a adesão medicamentosa. Aprovado em comitê de ética, o estudo entrevistou 104 pacientes com uma média de idade de 37 anos.

Consultas a um clique

Após um período de 45 dias, a médica de Campo Grande e seus colaboradores conseguiram realizar as entrevistas e mensurar os resultados. Eles descobriram que pouco mais de 70% dos pacientes usavam a internet para obter informações gerais sobre as doenças inflamatórias intestinais. E quase nove em cada dez para procurar informações sobre sintomas.

A internet, de fato, se transformou numa ferramenta do cotidiano para sanar dúvidas e vasculhar novidades sobre as DIIs: 42% dos entrevistados a utilizavam com essa finalidade uma vez por semana; 10% diariamente; 3% duas vezes por semana; e 18% uma vez por mês.

Continua após a publicidade

“Percebemos que o Google é a principal via de busca para essas informações”, conta Dídia. Mais de 60% dos participantes se consultavam com ele, enquanto 16,7% frequentavam grupos online de pacientes em redes como Facebook, 16,2% recorriam a sites de saúde, 12,8% a sites médicos ou de entidades médicas, 13,7% ao YouTube, 6,9% ao WhatsApp e 17,8% a sites em geral.

E o que motivava essas incursões pela web? Seis em dez pacientes buscavam complementar o conhecimento de que dispunham sobre a doença; 36,6% queriam comparar suas experiências com a história de outros portadores de DII; 12,8% procuravam saber novidades a respeito; e 12,9% davam uma checada na prescrição médica. O nível de confiança nos conteúdos consumidos foi de 64,4%.

Efeitos mentais e a relação médico-paciente

Dídia Cury relata sempre ter se preocupado com um possível impacto negativo da internet: o aumento de insegurança, estresse e ansiedade entre os pacientes. Como se as informações ali encontradas pudessem deixá-los mais desnorteados e tensos diante da doença e seu tratamento. Mas não foi isso que os pesquisadores observaram.

Pouco mais de 40% dos entrevistados disseram se sentir melhor após as buscas e o uso da rede para saber mais sobre o problema com o qual convivem. O percentual dos que ficavam mais estressados com isso foi significativamente menor.

Continua após a publicidade

“Outro aspecto positivo que identificamos foi o fato de 43% dos entrevistados relatarem que as informações obtidas pela internet não interferiram no tratamento nem os fizeram mudar algo em relação à orientação médica”, destaca a gastroenterologista.

Em vez de forjar uma barreira entre médico e paciente, Dídia acredita que a internet pôde, pelo contrário, estreitar a relação. Mais de 20% dos entrevistados disseram que, após as leituras pela web, conseguiram questionar ou fazer mais perguntas na primeira consulta. “Além de não aumentar o nível de estresse e ansiedade nesses pacientes, nenhum deles mudou a medicação com base no que achou pela internet”, pontua a médica.

Essa é uma questão particularmente decisiva aos olhos da coordenadora da pesquisa. Não são poucos os profissionais que temem o abandono de um tratamento após buscas pelo Google e as redes sociais. Mas, pelo menos nesse cenário da DII (com prevalência de adultos jovens e com maior nível educacional), isso não aconteceu. “Se a relação médico-paciente está sólida, acredito que a internet não prejudicará a adesão aos medicamentos”, avalia Dídia.

Uso a seu favor

Da mesma forma que deparamos com conteúdos sérios e contextualizados em sites e mídias sociais, ali também podemos nos ver enredados por fake news e informações mal colocadas ou equivocadas. Por isso, a especialista em DII reforça a necessidade de priorizar sites baseados em evidência científica. “Eu recomendo e ensino meus pacientes a realizarem buscas no Pubmed [site do governo americano que reúne estudos pelo mundo]. Hoje, mesmo quem não sabe inglês pode jogar o texto num tradutor online e compreender”, diz Dídia.

Com esse cuidado, a pesquisa indica que pacientes de uma doença crônica podem tirar bom proveito da internet. “Percebemos que ela pode ser um meio de aproximação entre o médico e o paciente. Quando o paciente chega com mais informação, ele consegue tirar melhor suas dúvidas e estabelecer um diálogo mais efetivo com o profissional, estreitando a relação”, afirma a gastroenterologista.

Continua após a publicidade

Nessa linha, Dídia acredita que o estudo também vem ressaltar a importância de um relacionamento sensível e próximo entre médico e paciente. “O que mais me surpreendeu em nosso trabalho foi a força da relação humana, quando o médico olha e ouve a dor do paciente e faz uma consulta baseada em ciência. Não há informação na internet que supere essa relação. Quando o paciente se sente seguro com o médico, não haverá Dr. Google capaz de substituir isso.”

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja Saúde impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 12,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.