Crianças que usam óculos podem sofrer bullying. O que fazer?
Para algumas, lentes de contato podem ser a saída para melhorar a autoestima, mas uso exige cuidados e nem sempre resolve o problema
Com mais de 20 anos de experiência em oftalmologia, acompanho de perto os desafios emocionais enfrentados por pacientes que precisam usar óculos, especialmente os de alto grau.
Sabemos que esses desafios vêm de duas fontes significativas de pressão: a externa e a interna.
A pressão externa é facilmente identificada como bullying. Recentemente, uma pesquisa divulgada pelo DataSenado revelou que 33% dos quase 60 milhões de estudantes no Brasil já foram vítimas da prática. Entre os estudantes de 16 a 29 anos, essa taxa aumenta para assustadores 52%.
Um estudo da Universidade de Buffalo (EUA) conduzido em 2019 constatou que um terço dos adolescentes que sofriam com o bullying também apresentavam sintomas de depressão, distúrbios do sono, irritabilidade e tendência ao isolamento social.
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Quando somados a outros fatores de pressão, como a estética associada ao uso de óculos, o quadro tende a piorar.
Sobre esse assunto, outro estudo, realizado por especialistas da Universidade de Bristol, na Inglaterra, analisou 6,5 mil crianças que usavam óculos. Os resultados mostraram que até 37% delas eram mais propensas a serem alvos de bullying físico ou verbal.
Essas agressões, especialmente durante a infância, impactam outra fonte de pressão muito mais difícil de lidar: a interna.
É comum ouvir relatos desses pacientes no consultório, o que torna ainda mais desafiadoras a aceitação do problema visual e a compreensão da importância dos óculos.
Neste contexto, as lentes de contato surgem como aliadas para devolver a autoestima e autoconfiança perdidas, sem abandonar a correção visual.
Geralmente, elas são bem aceitas e podem ser indicadas para crianças e adolescentes, desde que tenham idade suficiente para realizar os cuidados de higiene necessários e sejam capazes de colocá-las e removê-las adequadamente.
A campanha “Setembro Safira,” realizada neste mês, tem como objetivo conscientizar os usuários de lentes de contato sobre esses cuidados essenciais.
A decisão de usar a estratégia em crianças e adolescentes deve ser tomada em conjunto pelo médico, o jovem e a família, levando em consideração o contexto clínico e social.
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No entanto, é importante ressaltar que as lentes de contato não são a única solução para os problemas emocionais relacionados ao uso de óculos. Elas são apenas uma das ferramentas disponíveis.
Para melhor amenizar os efeitos negativos do bullying, é necessária uma abordagem abrangente que inclua tratamento psicoterapêutico tanto para as vítimas quanto para os agressores, além de atenção por parte da equipe escolar e das famílias.
Recentemente, escrevi o livro ‘Pelas Lentes do Coração’, que explora ainda mais essas questões e oferece insights adicionais sobre como lidar com elas, com o objetivo de que o leitor reconheça o valor único que cada um traz consigo, independentemente do uso de óculos ou lentes de contato.
*Claudia Del Claro é médica oftalmologista, chefe do Departamento de Lentes de Contato do Hospital de Olhos de Florianópolis, porta-voz da campanha Setembro Safira e autora do livro ‘Pelas Lentes do Coração’.