O 28 de junho marca o Dia do Orgulho LGBTQIA+ em todo o mundo. E eu gostaria de aproveitar a data para esclarecer sobre a cirurgia genital afirmativa de gênero, ou redesignação sexual, que ainda é cercada de tabus.
Esse procedimento existe para adequar os órgãos genitais do sexo biológico do indivíduo ao gênero pelo qual ele se identifica. Nem todas as pessoas trans optam por fazer a cirurgia: aproximadamente 70% das mulheres trans e 35% dos homens trans decidem se submeter a ela.
O tema é tão carregado de preconceito que muitos não sabem que, desde 2008, são oferecidos no SUS procedimentos ambulatoriais e cirurgias para pacientes que queiram fazer a redesignação sexual. De acordo com o Ministério da Saúde, cinco hospitais do SUS estão habilitados para realizar essas cirurgias e três unidades fazem acompanhamento em crianças e adolescentes de 3 a 17 anos.
Os procedimentos também podem ser feitos na saúde privada. É importante ter o cuidado de procurar um especialista em reconstrução genital.
Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), as filas de acesso para a redesignação sexual superam os dez anos de espera atualmente.
Na saúde, o cuidado com a população trans é estruturado pela atenção básica e pela especializada. A primeira é responsável pelas avaliações e direcionamentos para os tratamentos e áreas médicas específicas, de acordo com a necessidade individual. Na segunda, o processo é dividido em ambulatorial (com acompanhamento psicológico, terapias e aplicação de hormônios) e hospitalar (cirurgias de modificação genital e/ou corporal e acompanhamento pré e pós-operatório).
Todos os pacientes precisam estar cientes de que tanto o processo de hormonização quanto o cirúrgico são irreversíveis. Não necessariamente uma pessoa transgênero precisa fazer a redesignação sexual, ou qualquer outra modificação em seu corpo.
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Atadas pelo medo da discriminação, muitas pessoas trans não procuram atendimentos médicos – as mulheres trans principalmente. Elas tendem a esconder o órgão genital, repuxando-o por entre as coxas numa manobra conhecida como tucking, que significa “comprimir” em português. Esse processo pode causar inflamação, irritação da pele do pênis e até fimose. A pele irritada cronicamente eventualmente dificulta a cirurgia genital afirmativa de gênero.
Para iniciar o processo terapêutico e realizar a hormonização, é necessário ser maior de 18 anos. Já as cirurgias de redesignação sexual também exigem vivência com o nome social. A cirurgia de afirmação de gênero pode incluir tanto a construção de um novo órgão genital, quanto a remoção de órgãos acessórios, como testículos, mama, útero e ovários. Esses procedimentos são uma escolha particular.
Na mulher trans que deseja realizar a cirurgia de redesignação genital, o procedimento mais comum é utilizar a própria pele do pênis para fazer o canal vaginal. É removida uma parte do pênis, preservando a uretra, a pele e os nervos que dão sensibilidade à região. E é construída uma neovagina e um neoclitóris.
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O neoclitóris é confeccionado com o tecido da glande e a irrigação e inervação do órgão são preservadas. Quando não há pele suficiente – ou nos casos de perda do canal vaginal na primeira cirurgia –, pode-se utilizar o intestino grosso para esse fim, com bons resultados.
Cerca de 60% a 70% das mulheres trans alcançam o orgasmo com a cirurgia afirmativa. A sensibilidade e a forma de prazer se tornarão apenas diferentes de antes da cirurgia – e isso deve ser esclarecido desde o princípio.
No homem trans que possui clitóris e vagina, o procedimento pode ser realizado pelo método da metoidioplastia (mais comum), e pela faloplastia (mais complexa). A metoidioplastia descola o clitóris das estruturas circunjacentes e, então, corrige a curvatura genital e ajusta a nova uretra. Geralmente, utiliza-se tecido da face interna da boca, não deixando cicatrizes.
Nesse procedimento, realizamos a mobilização dos corpos cavernosos, técnica de nossa autoria, que consiste em separar a parte interna dos corpos cavernosos que está imersa no períneo, colada ao osso da bacia. Isso facilita a confecção de um falo de maior comprimento.
Explico: na metoidioplastia, a ereção é possível, porém muitas vezes o falo fica pequeno, impossibilitando a penetração. Nós, da divisão de cirurgia reconstrutora urogenital da Universidade Federal da Bahia (UFBA), estamos entusiasmados com a nossa técnica de metoidioplastia, em que o tamanho do falo fica um pouco maior.
A faloplastia é um procedimento mais complexo realizado com tecidos de antebraço, pele abdominal, perna – ou outros. Ela traz vantagens e desvantagens para o paciente. O lado bom é adquirir um falo de bom tamanho; o ruim é que não há ereção e, para a penetração, será necessária uma prótese peniana em 50% dos casos.
Além disso, a sensibilidade é reduzida em alguns episódios, a depender do tecido utilizado.
O tempo de recuperação para a cirurgia de redesignação sexual é breve. A internação dura cerca de dois a três dias para mulheres trans e cinco dias para homens trans. Dois meses após o procedimento, as relações sexuais são liberadas.
*Dr. Ubirajara Barroso Jr. é professor livre docente da pós-graduação strictu sensu mestrado e doutorado e coordenador da Disciplina de Urologia da UFBA, professor adjunto de urologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, chefe da Unidade do Sistema Urinário do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (UFBA), chefe da divisão de cirurgia urológica reconstrutora e urologia pediátrica do Hospital da Universidade Federal da Bahia e urologista da Rede D’Or.