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Cannabis: não confunda uso recreativo com aplicação medicinal!

Especialista explica as diferenças desde o cultivo entre a planta consumida de modo recreativo e aquela estudada e destinada a melhorar a qualidade de vida

Por Cesar Camara, doutor em ciências*
15 ago 2021, 11h24
cannabis medicinal
Matéria-prima para cannabis medicinal passa por estudos e controle de qualidade até virar medicamento. (Ilustração: Marcelo Garcia/SAÚDE é Vital)
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“Maconheiros baderneiros”. Essa é uma das sutilezas que ouvimos quando propomos ou citamos o uso da cannabis para condições médicas. Porém, ainda que exista o preconceito, o estudo e a aplicação da maconha para tratamento médico têm crescido no Brasil em ritmo acelerado, sobretudo por demanda dos próprios pacientes, que pesquisam e desejam uma alternativa menos agressiva e mais eficiente para seus problemas.

Contudo, uma dúvida ainda persiste para a maioria das pessoas: qual é a diferença entre o uso da maconha para fins recreativos e o insumo medicinal? Por mais que o assunto possa parecer complexo, a diferença está mais na forma do que no conteúdo.

No consumo recreativo, prevalece a planta de origem desconhecida, incerta, com misturas tóxicas em sua amostragem final. Soma-se a isso o fato de que, com essa finalidade, a maconha costuma ser fumada, trazendo malefícios ao organismo. É bem diferente do uso medicinal.

O manejo voltado à saúde, quando feito de forma responsável, utiliza a mesma planta, mas em um formato globalmente diferente. Nesse caso, além de contraindicar veementemente o uso fumado, os médicos e dentistas prescritores utilizam formulações legalmente permitidas e aprovadas por agências regulatórias, com acompanhamento e posologia adequados, especialmente para evitar efeitos adversos e interações medicamentosas.

A abordagem medicinal também implica na seleção de matéria-prima produzida de forma orgânica, sem uso de agrotóxicos, em solos livres de metais pesados e sem a presença de resíduos de solventes. Ou seja: sabemos a origem, a forma como a planta é cultivada e as dosagens a serem administradas de acordo com o caso de cada paciente.

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Realmente, a qualidade dos derivados da cannabis deve ser perseguida e encarada como essencial nessa pauta. A produção de óleos medicinais, por exemplo, não deve ser feita em condições caseiras (apesar de muitas vezes ser). É importante estabelecer um nível de tecnologia excepcionalmente avançado, passando por seleções genéticas de sementes, análises de solo, controle de pragas sem pesticidas, uso de hidroponia com controle padronizado de nutrientes, otimização de mudas e matrizes, bem como segurança agrícola, patrimonial, laboral e tecnológica.

Produtos fabricados com a preocupação para o uso medicinal, além de poderem ser rastreados de ponta a ponta, possuem um perfil de estudo para cada safra, lote e frasco, o que determina a composição de canabinoides e terpenos (que determinam a fragrância) e a ausência de contaminantes, como fungos e bactérias. A partir desses pontos, podemos discutir com amplitude o impacto positivo da cannabis na vida de pacientes com patologias diversas.

Em vista disso, quando abordamos as doenças passíveis de tratamento com a cannabis, é importante, primeiramente, pensar em qualidade de vida. Muito além de esmiuçar condições graves ou crônicas de difícil reversão, é necessário olhar para o nosso dia a dia e compreender como um produto natural, testado e muitas vezes mais barato do que um produto sintético pode nos ajudar.

Por isso afirmo: estamos a cada ano mais seguros e embasados quando aos benefícios e limites do uso medicinal da cannabis. Com a regulação ampliada em diversos países, inúmeros pesquisadores que estudavam apenas os malefícios da maconha de rua (um viés relevante da literatura) passaram a analisar os benefícios do uso medicinal em inúmeras doenças, provocando um boom de artigos científicos sérios.

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Precisamos de pesquisas de qualidade para uma prescrição segura e efetiva e já podemos contar com pelo menos 250 estudos duplo-cegos randomizados, com uso de placebos, publicados nos últimos dez anos. Eles se debruçam sobre os efeitos em doenças como esclerose lateral amiotrófica, Alzheimer, dor crônica, ansiedade, câncer, epilepsia, HIV/Aids, glaucoma, esclerose múltipla, espasmos musculares, entre outras.

O êxito da planta no tratamento de condições múltiplas não é um milagre da medicina. A realidade científica tem demonstrado, há décadas, que nosso organismo possui receptores para os canabinoides da planta. Sim, o corpo humano tem um sistema organizado, dotado de receptores, sinalizadores e cadeias de canabinoides próprios. Nós produzimos nossos próprios canabinoides, que atuam no sistema endocanabinoide, que, por sua vez, pode ser potencializado pelos fitocanabinoides da planta. É estranho pensar, mas a resposta está dentro da gente.

Assim, vejo cada vez mais a necessidade de devolver a pergunta: se temos um produto seguro, testado e natural, que alivia dores e concede qualidade de vida, quantos pacientes poderiam se beneficiar e podem estar sendo privados de informação séria e relevante a respeito? O conhecimento e o esclarecimento são fundamentais para que as pessoas alcancem essa realidade e vençam o preconceito e o medo de falar sobre a cannabis. Esse tema é urgente e pode mudar — para melhor — a vida de alguém.

* Cesar Camara é doutor em ciências pela USP e CEO da Biocase Brasil, empresa pioneira no estudo e na divulgação da medicina canabinoide no país

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