Quando os meninos são crianças, frequentemente ouvem dos pais frases como “homem de verdade não chora”, “se apanhar, precisa revidar à altura” e muitas outras que os estimulam a não demonstrar emoções e fragilidades. Esse pensamento os acompanha até a vida adulta, quando pedir ajuda diante de questões ligadas à saúde física e/ou mental é encarado como sinal de vulnerabilidade.
As mulheres, por outro lado, desenvolveram o hábito do zelo pela saúde há muito tempo. Para ter ideia, o chamado “preventivo” existe desde 1943 – trata-se do exame para o diagnóstico precoce do câncer de colo de útero. Para elas, mais do que um hábito, cuidar-se é uma tradição que passa de mãe para filha – e engloba outros exames, como aqueles para a detecção do câncer de mama.
No caso do câncer de próstata – a segunda causa de morte por tumores no sexo masculino –, um dos principais exames que facilitam a descoberta da doença só surgiu em 1994. Falo da dosagem de PSA no sangue, que, juntamente com o exame de toque retal, permite o diagnóstico precoce do quadro.
Só que, entre os homens, há uma falta de tradição em relação à busca por esses procedimentos. Ela se soma um pouco com o medo e uma falsa percepção de imunidade às doenças. É como se eles acreditassem numa espécie de mito do “super-homem”.
Esse mito afeta diretamente a vida desses indivíduos em diversos aspectos. Uma consequência desse descuido é que, segundo dados do IBGE, as mulheres vivem cerca de sete anos a mais que eles.
Segundo o Sistema de Informação Ambulatorial (SIA), de 2016 a 2020, até houve um aumento da procura do médico pelo homem de 49,9% – o salto foi de 425 milhões de atendimentos para 637 milhões.
Mas os dados do Programa Nacional de Saúde (PNS) de 2019 não são tão animadores. Eles mostram que 76,2% da população brasileira foi ao médico, sendo que a proporção maior de pacientes é de mulheres. Entre elas, 82,3% marcaram uma consulta, enquanto esse número ficou em 69,4% entre os homens.
Vivendo no escuro
Esses dados são preocupantes, uma vez que o menor acesso à saúde pode ocultar doenças silenciosas, deixando-as sem tratamento. Além disso, não ir a um consultório médico impede a obtenção de informação de qualidade sobre prevenção, principalmente das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), e também a respeito de planejamento familiar.
Uma prova disso é que, em pesquisa feita pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) com adolescentes masculinos, descobrimos que 44% deles não usaram preservativo na primeira relação sexual e 35% não usam ou usam raramente a camisinha. Como se não bastasse, 38,57% dos meninos revelaram não saber sequer colocar o preservativo.
O ciclo de desinformação se desenrola pela vida adulta, contribuindo para que doenças facilmente evitáveis ainda ocorram com frequência. É o caso do câncer de pênis, que pode ser prevenido com medidas simples, a exemplo de higienização correta e utilização de preservativos.
Porém, entre 2019 e 2020, tivemos 6 174 diagnósticos da doença – e nada menos do que 1 092 desses pacientes precisaram amputar o órgão, já que buscaram tratamento em estágio avançado. Trata-se de uma condição que dá sinais claros de que algo não vai bem.
Se mesmo com sintomas há relutância em procurar ajuda médica, o problema é ainda maior quando o inimigo é silencioso. Os outros cânceres urológicos, como os de próstata, rim e bexiga, são inicialmente assintomáticos. Quando provocam algum tipo de manifestação, já estão em estágio avançado. Aí, o tratamento é mais difícil.
Pensando nessa realidade, a SBU tem realizado diversos movimentos em prol da saúde do homem, como as campanhas Novembro Azul, que aborda o câncer de próstata; #VemProUro, que estimula a ida de adolescentes masculinos ao médico; Dezembro Vermelho, com foco nas ISTs; Trato feito e Urinar Assim é Normal?, que tratam da incontinência urinária; entre várias outras ações.
Mais recentemente, a SBU também assinou um acordo de cooperação técnica com o Ministério da Saúde para desenvolvimento de estratégias para questões urológicas, como tumores de pênis, testículo, próstata e bexiga, além de hiperplasia benigna da próstata, fimose, queixas urinárias, disfunção erétil, vasectomia e atualizações sobre ISTs.
Também serão criados meios para identificar alterações em pacientes com epispádia e hipospádia (quando a saída da urina não está na cabeça do pênis, e sim em outro lugar do órgão), bem como orientar e apoiar aqueles que possuem sonda e fazem uso de fraldas geriátricas adultas.
Neste Dia do Homem, 15 de julho, é muito importante levantarmos essa discussão e mudarmos a cultura de que os homens não se cuidam. Visitar o médico para avaliações periódicas de saúde – mesmo que não haja nenhum sintoma incomodando – é fundamental para a criação de melhores condições de vida e ganhos em termos de longevidade.
*Antonio Carlos Pompeo é urologista e presidente da Sociedade Brasileira de Urologia