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O médico e CEO do A.C. Camargo Cancer Center, Victor Piana de Andrade, e outros experts da instituição desfazem os mitos e compartilham as descobertas e inovações na prevenção, no diagnóstico e no tratamento do câncer
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O match perfeito entre os pacientes e os centros de pesquisa

Junto ao superintendente de Ensino e Pesquisa do A.C. Camargo, nosso colunista expõe o papel e a importância da pesquisa clínica na oncologia

Por Victor Piana de Andrade e José Humberto Fregnani*
2 jan 2023, 09h05

A Covid-19 assombrou o mundo por sua impressionante velocidade de disseminação e o rastro de doentes e de mortos que deixou desde dezembro de 2019, quando o primeiro caso foi oficialmente reportado na China. Até agora, a Organização Mundial da Saúde (OMS) contabilizou 650 milhões de infectados e 6,7 milhões de mortes em decorrência dela.

A situação seria ainda pior se um programa mundial de vacinação em massa não tivesse sido implementado a partir de 2021. Essa reação só foi possível porque a comunidade científica internacional mobilizou-se rapidamente em busca de um imunizante. Em tempo recorde, a vacina contra o coronavírus foi desenvolvida, testada e implementada em diversos países.

Em virtude dessa movimentação, nunca se discutiu tanto sobre a pesquisa clínica e sua contribuição para a sociedade quanto na pandemia.

O esforço para desenvolvimento de novos medicamentos e vacinas não ocorre de maneira tão rápida quanto o que observamos com a Covid-19. O ciclo de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) de uma medicação leva anos, podendo chegar a bem mais de uma década.

Antes de um produto farmacêutico chegar ao mercado, ele passa por quatro fases de pesquisa, sendo a primeira realizada exclusivamente em laboratório (fase pré-clínica), e as outras três com seres humanos para verificar os efeitos farmacológicos, a segurança e a eficácia (fases clínicas I, II e III).

Depois de aprovado para comercialização, o novo medicamento é continuamente monitorado (fase clínica IV), sobretudo para verificar o efeito em condições de mundo real. Todo o ciclo de P&D exige investimentos substanciais, que chegam a cifras de milhões de dólares.

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A maior parte dos investimentos relacionados à pesquisa clínica de medicamentos e vacinas vem da indústria farmacêutica, que destina um percentual significativo da receita anual em programas robustos de P&D. Afinal de contas, a sobrevivência delas depende da descoberta de produtos que gerem inovação e manutenção do negócio.

A pesquisa clínica é particularmente importante no cenário da oncologia. Apesar de todos os avanços extraordinários observados no tratamento do câncer ao longo das últimas décadas, casos avançados (por exemplo, com metástase) são desafiadores porque têm chance limitada de cura, mesmo com o mais moderno arsenal terapêutico disponível em instituições especializadas em câncer.

É nessa fronteira do conhecimento que a pesquisa clínica pode ajudar, oferecendo ao paciente oncológico, sem alternativa terapêutica, a oportunidade de receber um novo tratamento não disponível no mercado com potencial de controlar a doença.

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Ainda que os benefícios sejam incertos, a pesquisa clínica é uma alternativa atraente para os pacientes que têm pouca (ou nenhuma) opção terapêutica à disposição. Em instituições que adotam o modelo “cancer center”, como o Princess Margaret (Canadá) e MD Anderson (Estados Unidos), o número de pacientes incluídos em estudos clínicos é impressionante.

Isso porque há uma variedade de estudos no portfólio dessas instituições. O MD Anderson, por exemplo, tinha um portfólio com mais de 1 200 estudos clínicos em 2017, tendo, à época, incluído quase 11 000 pacientes no programa de pesquisa clínica. O Princess Margaret tem em seu portfólio quase 800 estudos ativos, permitindo que um em cada cinco pacientes da instituição seja incluído em pesquisas.

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No Brasil, são raros os centros de pesquisa que tenham em seu portfólio mais de 100 estudos clínicos ativos em câncer.

O objetivo dos estudos clínicos é testar o efeito de novos tratamentos em seres humanos, mas isso não significa que os pacientes são cobaias. As investigações passam por um minucioso ritual de aprovação antes de serem iniciadas. Um comitê de especialistas analisa se a pesquisa está alinhada com os princípios éticos internacionais e se o bem-estar, a dignidade e os direitos dos participantes estão assegurados.

Além da aprovação ética, os estudos com novos medicamentos também passam pelo crivo de agências regulatórias, como a Anvisa, no caso do Brasil. É somente após esses cuidados que a pesquisa pode ter início e, mesmo assim, nenhum paciente pode ser incluído sem conceder formalmente o seu consentimento.

Outro pressuposto é comparar o novo medicamento ao melhor tratamento disponível, o que significa dizer que o paciente receberá ou o novo medicamento experimental ou a melhor opção terapêutica atual. Portanto, afirmar que os pacientes são cobaias humanas em experimentos é reduzir a importância da pesquisa clínica e seus potenciais benefícios, além de desprezar todos os cuidados éticos e sanitários que foram tomados previamente.

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Nosso país vem ganhando espaço na pesquisa clínica internacional. Até poucos anos atrás, os prazos regulatórios brasileiros eram proibitivos para a indústria farmacêutica. Levavam-se muitos meses (em alguns casos, mais de um ano) para que a Anvisa e a Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde) autorizassem o início de um único protocolo de pesquisa.

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Essa lentidão tirava a vantagem competitiva do Brasil, fazendo o país entrar tardiamente no circuito internacional de estudos. Não foram raras as vezes que a aprovação do protocolo por aqui ocorreu após o encerramento mundial do estudo ou a poucos dias desse prazo, reduzindo a oportunidade de incluir participantes brasileiros.

Nos últimos anos, o cenário regulatório nacional melhorou consideravelmente, embora haja espaço para avanços substanciais. Desde 2015, tramita no Congresso o projeto de lei que define o marco regulatório da pesquisa clínica no Brasil. Apesar das discussões e polêmicas envolvendo o projeto, a expectativa é que ele traga maior segurança jurídica e celeridade na tramitação das pesquisas clínicas, o que atrairia mais investimentos para o país.

De acordo com a base dados do Clinica Trials, mantida pelo governo americano, hoje existem aproximadamente 9 500 estudos clínicos (fase I a IV) patrocinados pela indústria farmacêutica em etapa de recrutamento, dos quais 60% estão disponíveis nos Estados Unidos, 30% em países europeus e 40% na China e no Japão.

No Brasil, este percentual é de apenas 4%, demonstrando a oportunidade de crescimento desse setor no país.

Estar inserido no cenário internacional da pesquisa clínica não é apenas uma questão de oportunidade aos pacientes brasileiros, mas também de assegurar a diversidade étnica da pesquisa. A maioria dos estudos com novos medicamentos é realizada em populações norte-americanas, europeias e asiáticas, e, em menor proporção, na América Latina.

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Sabe-se que, por questões genéticas, a resposta aos medicamentos pode variar conforme a etnia, fazendo com que as conclusões de um estudo não sejam universalmente aplicáveis a todas as populações no mundo. Garantir a representatividade do nosso país nessa esfera permite conhecer a resposta do tratamento tendo em vista a genética dos brasileiros.

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O Brasil não dispõe de uma base de dados pública, de abrangência nacional, que reúna o cadastro de todos os centros de pesquisa e os estudos clínicos que estão sendo executados em cada um deles. Essa limitação deixa médico e paciente desamparados quando há necessidade de encontrar um centro que tenha um estudo que se encaixe perfeitamente à necessidade.

Imagine, por exemplo, um paciente com câncer que não tivesse mais opções de tratamento e a chance de controlar a doença fosse participar de um estudo clínico com um novo medicamento. Se esse paciente estivesse matriculado em uma instituição com um centro de pesquisa, com sorte, ele poderia ser incluído em um dos estudos clínicos, caso os critérios de elegibilidade da pesquisa fossem compatíveis com a sua condição.

Mas, se esse centro de pesquisa não tivesse um estudo clínico no qual o paciente pudesse participar, onde mais haveria oportunidade? Quais centros teriam em seu portfólio de estudos compatíveis com a condição do paciente? Infelizmente, não há respostas. Em geral, o médico consulta a sua rede de relacionamento à procura de um lugar que possa acolher o paciente em um estudo ou, então, recorre ao sítio eletrônico dos centros de pesquisa que eventualmente publicam a lista de pesquisas em aberto.

Hoje alguns sites já disponibilizam ferramentas de busca que promovem o “match” entre a condição dos pacientes e os estudos clínicos disponíveis, informando os centros de pesquisa envolvidos. Contudo, a abrangência desses recursos e a regularidade de atualização das informações são incertas.

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A consequência é que, em muitos dos estudos clínicos, os centros de pesquisa não conseguem utilizar a totalidade de vagas disponíveis para os pacientes. Não se trata de desbalanço entre a oferta e a demanda, porque há certamente pacientes candidatos a todos os experimentos. O que não existe é a visibilidade das vagas disponíveis.

Tal problema poderia ser mitigado se fosse criado um sistema de regulação nacional para a pesquisa clínica à semelhança do que existe na área assistencial. No estado de São Paulo, por exemplo, há a Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde (CROSS), que propõe regular o fluxo de novos pacientes para serviços hospitalares e ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SUS).

O princípio é simples: os pacientes são cadastrados pelos médicos em um sistema informatizado de acordo com a sua condição clínica e a central tem a responsabilidade de encontrar um serviço de saúde próximo do paciente que atenda a sua necessidade no menor prazo possível. Trata-se de uma plataforma que conecta de forma eficiente o usuário e os serviços de saúde.

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A mesma ideia poderia ser adotada para o cenário da pesquisa clínica, em que os médicos cadastrariam os pacientes em uma plataforma de acordo com a condição clínica e os centros de pesquisa registrariam no mesmo sistema os estudos em andamento. A central de regulação faria as conexões para atender às demandas.

O cadastro dos estudos em tal plataforma seria compulsório, sem o qual o centro não poderia conduzir a pesquisa. Isso garantiria uma base de dados acurada e atualizada, além de dar transparência e visibilidade das vagas disponíveis nos estudos clínicos em todo o Brasil.

As vantagens de um sistema regulado para a pesquisa clínica são inequívocas para todas as partes. Os pacientes encontrarão mais facilmente as vagas disponíveis em estudos e, consequentemente, terão os benefícios associados à participação na pesquisa.

Os centros aproveitarão melhor as vagas da pesquisa, com ganho da receita e possibilidade de investimentos em pessoas e infraestrutura. A indústria farmacêutica alcançará mais rapidamente a meta de recrutamento de pacientes, reduzirá o tempo do estudo e otimizará os custos. E, por fim, operadoras de saúde e o próprio SUS terão redução de despesas, haja vista que, ao longo de toda participação do paciente no estudo, o cuidado será financiado prioritariamente pela indústria.

Além do mais, ao oferecer acesso a tratamentos de ponta no âmbito da pesquisa, podemos reduzir a judicialização na área da saúde. Em última análise, um sistema regulado para a pesquisa clínica trará vantagens competitivas ao Brasil no cenário internacional, fortalecendo a economia e o desenvolvimento tecnológico. Resta saber como viabilizar a proposta.

A ideia foi lançada. Fica aqui o convite para os empreendedores que vislumbram nessa iniciativa a oportunidade de inovar e contribuir com o desenvolvimento da pesquisa clínica no Brasil. Aos gestores públicos e privados, #ficaadica. Quem agradece são os pacientes e a sociedade.

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* Victor Piana de Andrade é médico patologista e CEO do A.C.Camargo Cancer Center; José Humberto Fregnani é superintendente de Ensino e Pesquisa do A.C.Camargo Cancer Center

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