Quando as emoções estão bagunçadas, o corpo todo sente – inclusive o sistema imunológico. Mas será que ansiedade, estresse e companhia são capazes de influenciar na eficácia das vacinas, incluindo as que protegem do coronavírus? Foi o que a leitora Fatima Augusto nos perguntou pelo Instagram.
Já adiantamos: não há sentimento ou transtorno psiquiátrico que justifique abandonar a vacinação. Mas vamos começar com infecções que conhecemos há mais tempo. Alguns estudos associam a tensão e o nervosismo a uma produção ligeiramente menor de anticorpos após a injeção.
Uma pesquisa publicada em 2002 pela Universidade de Birmingham, na Inglaterra, investigou 60 estudantes universitários. Após receberem a vacina meningocócica C conjugada, eles preencheram questionários sobre bem-estar mental. O resultado indicou uma ligação entre uma alta percepção de estresse a menos anticorpos.
Outra análise, essa feita em várias universidades americanas, focou no sono de 83 adultos. Os participantes tiveram suas noites de descanso avaliadas por 13 dias e então tomaram a vacina da gripe. Resultado: a turma que dormiu mal apresentava menores índices de anticorpos contra o vírus influenza, mesmo meses após a aplicação da dose.
Mas esses estudos são pequenos, e o método empregado por eles não permite cravar uma relação de causa e efeito. Além disso, ter menos anticorpos não é sinônimo de ficar desprotegido.
A eficácia de vacinas
Cabe destacar que, embora a produção de anticorpos seja relevante, as vacinas podem despertar outras vias do organismo que também ajudam a proteger as pessoas. Além disso, a pediatra Flávia Bravo, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), lembra que pesquisas como as mencionadas acima são do tipo observacional.
Ou seja, os cientistas apenas verificam se dois eventos estão associados, e em qual magnitude. Mas não dá para saber se um provoca ou outro, ou mesmo se um terceiro fator desconhecido está por trás da ligação.
De acordo com ela, para realmente descobrir se o estresse ou outra emoção sabota a produção de anticorpos, seria necessário contar com estudos randomizados, duplo-cegos, controlados e com grupo placebo — a gente explica isso aqui. Em resumo, são experimentos em que pessoas são separadas aleatoriamente em turmas diferentes e, aí, passam por uma intervenção específica. Nem elas e nem os profissionais sabem quem recebeu a intervenção de verdade e quem foi submetido a um placebo.
Um estudo da University College London, na Inglaterra, realizado com 59 homens adultos e publicado em 2009, é um dos poucos sobre o assunto que de fato cumpriu esses requisitos.
Parte dos voluntários recebeu a vacina contra febre tifoide e a outra, uma substância sem efeito. Então, os dois grupos foram aleatoriamente selecionados para passar por um período de descanso ou para completar duas tarefas mentais que geravam nervosismo. No fim da investigação, os autores constataram que a tensão não interferiu na concentração de anticorpos.
“Não há evidências robustas mostrando que depressão, ansiedade, estresse ou mesmo a falta de sono tirem a efetividade de uma vacina”, arremata a bióloga Karina Bortoluci, especialista em imunologia e professora da Universidade Federal de São Paulo. “O organismo pode até não responder de maneira otimizada, mas isso é diferente de não funcionar”, completa.
Até faz sentido imaginar que um sistema imunológico enfraquecido pela tensão constante não consiga tirar o máximo da vacinação. Só que isso é só uma hipótese — e é muito diferente de dizer que sentimentos negativos neutralizam os benefícios das vacinas.
E a Covid-19 no meio de tudo isso?
Se faltam pesquisas com infecções mais antigas, com o Sars-CoV-2 nem se fale. Até o momento, não há dados associando problemas emocionais à menor eficiência dos imunizantes aprovados contra o coronavírus.
“Acho que a mensagem mais importante para quem tem qualquer transtorno psiquiátrico é que o prejuízo será muito pior se não tomarem a vacina da Covid-19”, conclui Karina.
Como dissemos, a vacina é indicada para prevenir a doença, mesmo se você estiver em um dia ruim. “Quem tem sofrido com estresse, insônia, ansiedade precisa buscar ajuda para cuidar da saúde no geral, não por causa da imunização”, finaliza Flávia.