O remédio homeopático coroninum não ajuda no tratamento da Covid-19
O remédio nem pertence à homeopatia, mas é vendido como tal contra o coronavírus. E não há evidências de que funcione (nem razão para acreditar nisso)
Estão circulando pelas redes sociais publicações afirmando que um medicamento homeopático chamado coroninum 30CH — criado especificamente para a pandemia — amenizaria os sintomas da Covid-19. No entanto, não há qualquer menção a ele pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como parte do tratamento do Sars-CoV-2. Será que essa substância realmente ajuda de alguma forma?
Para investigar essa história, Veja SAÚDE investigou a literatura científica e conversou com o químico Luiz Carlos Dias, membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ/Unicamp), e com o jornalista Carlos Orsi, fundador do Instituto Questão de Ciência. E a resposta é: não, o coroninum não exerce qualquer ação comprovada contra essa doença. Inclusive, o ele nem segue os preceitos da homeopatia.
O que é o coroninum
Ele é produzido a partir de secreções (do muco nasal ou da saliva) de pessoas que já foram contaminadas pelo coronavírus. Essas melecas são diluídas várias e várias vezes, seguindo, nesse caso, os preceitos da homeopatia.
Funciona assim: os fabricantes pegam 1 mililitro do muco ou da saliva e diluem em 100 mililitros de água. Então, coletam 1 mililitro dessa nova mistura e diluem em novos 100 mililitros de água. No caso do coroninum, esse processo é repetido 30 vezes — por isso, 30CH. Com essa solução, o corpo aprenderia a lidar melhor com a Covid-19.
No entanto, Luiz Carlos Dias explica que, no fim de tantas diluições, não há mais nada de saliva ou muco nasal. “Na prática, o paciente só vai beber água”, conclui o químico. Ou seja, não há uma base lógica para o remédio exercer qualquer efeito além do placebo.
Algumas postagens na internet pontuam que foram feitos estudos clínicos randomizados que mostraram a eficácia do produto, mas em nenhuma delas os autores colocam o link ou qualquer referência a esses artigos. Demos uma olhada nos sites PubMed e ClinicalTrials, que agregam pesquisas publicadas em todo o mundo, e no site do Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos. Nenhum artigo com a palavra “coroninum” foi encontrada.
“Não adianta só dizer que fizeram testes seguindo o padrão ouro. É preciso mostrar os resultados em publicações. Trato essas terapias alternativas de uma forma respeitosa, mas elas não têm comprovação científica”, pontua Luiz Carlos.
Coroninum nem homeopatia é
A questão da diluição extrema e a ausência de estudos sérios que mostrem a eficácia da homeopatia contra qualquer doença já levantariam suspeitas diante da nova fórmula. Mas esse caso vai além. Isso porque o coroninum nem poderia ser enquadrado como um homeopático.
Carlos Orsi explica que a homeopatia é fundamentada na crença “da cura do semelhante pelo semelhante”. Em outras palavras, são substâncias que, em teoria, provocariam sintomas parecidos com os do problema de saúde que eles pretendem tratar. E que, diluídas e tratadas, desencadeariam uma maior resistência do organismo.
Samuel Hahnemann, o pai da homeopatia, também apontava outros dois grandes ramos da medicina: a alopatia, na qual os fármacos são feitos com substâncias de efeito oposto ao provocado pela doença, e a isopatia. Essa última é baseada em drogas produzidas a partir do próprio agente causador da enfermidade (e não algo parecido com ele).
Ou seja, seguindo os preceitos de Hahnemann, o coroninum é, na realidade, um isopático. “Ao usar o extrato que originalmente continha o Sars-CoV-2, você não está utilizando uma substância semelhante, e sim a causa da infecção”, raciocina Orsi. “O próprio Hahneman dizia que isso era uma loucura e um perigo. Essa ideia viola até os ensinamentos do fundador da homeopatia”, arremata.
E os relatos de melhora com o coroninum?
Talvez você tenha tomado essa substância quando pegou o Sars-CoV-2 e acredita que o medicamento cumpriu o prometido, pois seus sintomas foram leves e você conseguiu se curar.
Orsi faz uma analogia para ajudar a entender relatos assim. Digamos que alguém beba uísque com gelo em uma noite e acorde no dia seguinte com ressaca. Na outra noite, o sujeito toma gin com gelo e também fica com ressaca. Na noite seguinte, ele experimenta vodka com gelo e, novamente, desperta com ressaca.
“No fim de tudo, ele conclui que o gelo está por trás da ressaca, não o álcool”, brinca o jornalista. “Para poder fazer uma associação de causa e efeito correta entre duas variáveis, você precisa controlar os outros fatores”, acrescenta.
Ou seja, os relatos de melhora com coroninum acontecem por causa do efeito placebo ou porque, na maioria das vezes, a infecção só provoca sinais leves mesmo. Tomando ou não tomando uma medicação, a doença seria curada nesses casos.
Quais os perigos relacionados a esse remédio
“A solução já foi diluída tantas vezes que provavelmente não há mais nada de partícula viral ali. Tomar algumas gotas por dia nessa diluição não vai passar a Covid-19 para ninguém”, tranquiliza Dias.
Em relação à transmissão do Sars-Cov-2, quem realmente corre perigo são os profissionais que fabricam esse isopático. “Ninguém deveria manipula qualquer vírus fora de um laboratório biológico de alto nível de segurança. Nós não sabemos em que condições essas pessoas estão trabalhando, então o risco para elas existe”, alerta Dias.
Outro grande problema envolve o fato de que pessoas tomando coroninum podem demorar mais para buscar ajuda médica, mesmo após desenvolverem quadros graves de Covid-19. Aí fica mais difícil de conter a doença.
“É possível que a população também abdique das medidas de prevenção, como distanciamento social, limpeza das mãos e uso de máscaras, e até deixe de aderir à vacinação”, avisa Dias. Isso por acreditar que, caso pegue a Covid-19, conseguiria debelá-la facilmente com a homeopatia. Fica o alerta que isso não é verdade.