Quando se trata da segurança dos alimentos, tudo tem limite!
Engenheira agrônoma conta como a legislação, os estudos e a fiscalização ajudam a garantir a segurança do que é produzido com defensivos agrícolas no país
Durante a pandemia da Covid-19, as preocupações com a saúde ganharam uma nova dimensão. Ações como lavar as mãos com frequência, usar álcool em gel e tirar os sapatos antes de entrar em casa passaram a fazer parte da rotina e, certamente, salvaram muitas vidas. Mas, sem tratamento efetivo, o que nos trouxe alívio mesmo foi a chegada das vacinas.
Os agricultores conhecem bem essa realidade. Doenças e pragas são ameaças constantes no campo. Sem controle, podem destruir lavouras, comprometer a produção e o fornecimento de alimentos para a população. Para ter ideia do tamanho do problema, a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) afirma que o mundo perde entre 20 e 40% de todo o alimento que produz por causa do ataque de pragas e doenças agrícolas.
Por isso, da mesma forma que recorremos a vacinas e medicamentos para prevenir e curar doenças, os produtores rurais precisam dos defensivos agrícolas para proteger suas lavouras. É o que garante comida em quantidade e a preços acessíveis.
Ainda assim, há quem questione essa prática. Entre as alegações de quem é contra o uso de agrotóxicos, está a possibilidade de que esses produtos deixem resíduos nos alimentos e prejudiquem a saúde da população.
Pensando objetivamente, praticamente tudo que usamos no nosso dia a dia deixa resquícios. O sabão de lavar roupa, o combustível do carro e os remédios que tomamos para tratar doenças, por exemplo, não desaparecem magicamente do ambiente.
No caso dos agrotóxicos, a ciência criou parâmetros para avaliar as consequências da exposição humana a esses resíduos e estabeleceu limites seguros para a saúde das pessoas. No Brasil, quem determina os limites é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão faz parte do sistema regulatório federal e avalia cada defensivo agrícola antes de conceder o registro para uso no campo.
As análises da Anvisa seguem metodologias internacionais cientificamente reconhecidas. Entre elas, os protocolos determinados pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Quando aprova um defensivo, a agência determina um Limite Máximo de Resíduo (LMR), expresso em miligramas do agrotóxico por quilo do alimento (mg/Kg), que pode restar no produto após a aplicação do agrotóxico. O LMR é um parâmetro agronômico, obtido em estudos de campo que simulam o uso correto do produto pelo agricultor.
Esse valor é um dos componentes empregados no cálculo da IDA (Ingestão Diária Aceitável), o limite de segurança para a saúde humana. Medida em miligramas de agrotóxico por quilo de peso da pessoa que consome o alimento tratado, a IDA é determinada a partir da maior dose administrada em cobaias de laboratório que não causou alterações metabólicas. Essa dose é, depois, dividida por 100, ou seja, representa apenas 1% da porção que não causou nenhum problema.
Extrapolando os dados de animais para humanos, se estabelece a quantidade máxima de agrotóxico que podemos ingerir por dia, durante toda a vida, sem causar qualquer dano à saúde. Vale ressaltar que o uso de animais em ensaios toxicológicos exigidos para os agrotóxicos vem sendo reduzido ano a ano, com o maior desenvolvimento de testes in vitro (em células).
Também é preciso monitorar e fiscalizar se as regras estão sendo cumpridas. No Brasil, existem sistemas com essa finalidade voltados ao campo e aos pontos de venda. Desde 2001, por exemplo, a Anvisa coordena o PARA (Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos), que analisa alimentos frescos coletados nos mercados.
Na última década, os resultados do programa apontam índices muito baixos e decrescentes de produtos com resíduos acima do permitido. Em 2011, foram 2,3% das amostras; em 2015, 1,11%; e, no último relatório, apresentado em 2019, de 4 616 amostras de alimentos testados para a presença de 270 ingredientes ativos de defensivos agrícolas, apenas 0,89% apresentava risco agudo para os consumidores brasileiros.
Devido à pandemia, o PARA teve dificuldades para realizar a coleta de amostras em 2020 e a Anvisa ainda não divulgou os resultados dos últimos dois anos. Mas, de acordo com o histórico do programa, o consumidor brasileiro pode ficar tranquilo. Os alimentos produzidos e vendidos no país são seguros.
* Andreza Martinez é engenheira agrônoma, mestre em Entomologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e diretora da divisão de defensivos químicos da CropLife Brasil