O que 2020 reserva para a área do câncer
A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica destaca os principais acontecimentos sobre essa doença em 2019 e traça perspectivas para o ano que se inicia
A fim de planejar o porvir em 2020, a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), da qual sou presidente, reuniu os acontecimentos mais marcantes de 2019 em diagnóstico, tratamento e acesso com relação ao câncer. Ela também aponta quais são as expectativas para os próximos meses. Vamos começar pela retrospectiva do ano passado:
Diagnóstico com teste molecular
Para o câncer de pulmão, tipo da doença que mais mata no Brasil — são cerca de 32 mil novos casos e 27 mil óbitos por ano, segundo o Ministério da Saúde — foi lançado em 2019 o projeto Lung Mapping. Ele disponibiliza gratuitamente exames para detectar o perfil molecular do tumor para qualquer paciente com um tipo específico da enfermidade. Esse teste proporciona maior precisão e melhor qualidade no diagnóstico, o que é fundamental para uma definição precisa do tratamento.
Avanços nos tratamentos
A imunoterapia conquistou novos territórios. Protagonista do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 2018, concedido aos pioneiros James Allison e Tasuku Honjo, ela é um tipo de tratamento biológico com o objetivo de potencializar o sistema imunológico do próprio indivíduo para combater infecções e doenças como o câncer. Essa classe terapêutica revelou que pode crescer ainda mais ao apresentar resultados muito significativos para diversos tumores, como mama, pulmão, colo de útero, endométrio, melanoma cânceres de cabeça e pescoço.
Um exemplo é o câncer de mama triplo negativo, um subtipo agressivo da doença que afeta principalmente mulheres jovens e representa cerca de 13% dos casos. A adição de imunoterapia ao tratamento neoadjuvante (realizado antes da cirurgia) com quimioterapia apresentou aumento significativo de resposta patológica completa — termo usado para quando a doença desaparece após o uso de um medicamento.
Isso representa uma importante evolução contra esse subtipo de câncer de mama, normalmente associado a um prognóstico ruim por causa de sua agressividade.
Além disso, 2019 revelou boas notícias para as terapias-alvo, que contaram com resultados excelentes para alguns tipos de tumor de mama e de ovário. No segundo caso, três estudos indicaram que o tratamento de manutenção com certas drogas-alvo (chamadas de inibidores de PARP) em pacientes com defeitos genéticos específicos gera um aumento expressivo da sobrevida livre de progressão — o período após um tratamento no qual o câncer permanece estável, sem evoluir.
Boas novas no Sistema Único de Saúde (SUS)
A Lei dos 30 dias foi sancionada recentemente e determina o prazo máximo de um mês para a realização de exames que comprovem o diagnóstico de câncer no sistema público. Esse novo limite foi acrescido à Lei dos 60 dias, de 2012, que estipula que os tratamentos do SUS sejam iniciados em até dois meses a partir do diagnóstico de um tumor.
Apesar de a notícia ser excelente, é necessário focar nos gargalos estruturais do SUS para que a lei seja cumprida efetivamente. Afinal, é um dos principais fatores que impedem o tão importante diagnóstico precoce. É fundamental aumentar esforços para melhorar as condições de infraestrutura, atendimento, tratamentos e equipamentos, além de capacitar os profissionais da rede pública em prevenção e rastreamento.
Outro marco foi o lançamento do programa ConectaSUS em Alagoas, estado em que o piloto será executado entre janeiro e março de 2020. De acordo com o Ministério da Saúde, o programa funcionará como base de implantação de uma estratégia de saúde digital no Brasil, que engloba a informatização da atenção primária e a Rede Nacional de Dados em Saúde.
A ideia do projeto é unificar as informações sobre saúde para melhorar o atendimento dos usuários e auxiliar os gestores nas tomadas de decisão, o que é importante para o avanço da oncologia no país e foi tema do nosso artigo de outubro de 2019.
O que está por vir
A SBOC está engajada para que, em 2020, as 26 novas drogas e procedimentos para tratamento de câncer submetidos pela sociedade para o Rol da ANS — uma lista que garante o direito de cobertura assistencial dos beneficiários dos planos de saúde — sejam incorporados e passem a ser oferecidos aos pacientes do sistema privado.
Para conquistar melhorias nos processos de atualização do Rol da ANS, a SBOC continuará trabalhando ativamente. Queremos que ele acompanhe a dinâmica das aprovações e inclua aqueles medicamentos que apresentem benefícios clínicos claros . Ou seja, quando um medicamento é liberado para utilização no Brasil, ele já deveria ser analisado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, a tal ANS. Atualmente, o rol só é atualizado de tempos em tempos (mais ou menos a cada três anos).
Há ainda outra questão que parece complexa, mas é importante. No momento, as drogas administradas via oral precisam passar por essa avaliação antes de serem obrigatoriamente cobertas pelos planos de saúde, enquanto os medicamentos endovenosos, não.
Em outras palavras, se o medicamento aprovado é dado na veia, os planos devem arcar com seus custos a partir do momento da aprovação, sem necessidade de inclusão no Rol da ANS. Já se são ingeridos pelo paciente, precisam entrar nessa lista para terem cobertura obrigatória. Qual o sentido disso?! Um dos empenhos da SBOC é que as drogas orais sigam o padrão das endovenosas para garantir mais agilidade no acesso dos pacientes do sistema privado aos medicamentos oncológicos.
Outro esforço se dá para que medicamentos incorporados pelo sistema público sejam verdadeiramente oferecidos. Um exemplo é o pertuzumabe, medicamento para o tratamento de câncer de mama que deveria ser ofertado pelo SUS desde junho de 2018, mas que ainda não está disponível.
Em 2020, a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica permanecerá se dedicando a reverter o cenário de atrasos em diagnósticos e tratamento. Queremos ajudar a ampliar o acesso aos avanços no tratamento oncológico, com o intuito de melhorar o controle do câncer no Brasil e impactar positivamente na sobrevida e na qualidade de vida dos pacientes.
*Por Dra. Clarissa Mathias é oncologista e presidente da SBOC