Mitos e verdades sobre uso e abuso de analgésicos
Entidade e especialista esclarecem diferenças entre cenário brasileiro e americano e onde é que costuma morar o problema aqui
1. O abuso de analgésicos opioides (morfina e companhia) é uma realidade global.
Mito. Embora os Estados Unidos enfrentem uma situação alarmante no que diz respeito ao exagero de opioides, o Brasil vive a situação oposta. Essas são drogas derivadas do ópio com um potente efeito para silenciar a dor, caso da morfina e da codeína. Ocorre que seu uso inadequado pode gerar dependência e danos à saúde — recentemente, a morte do cantor americano Prince ganhou os noticiários após ser atribuída a uma overdose de opioides.
A prescrição correta, no entanto, é crucial para tratar dores intensas ou incapacitantes, como uma crise de lombalgia ou incômodos provocados pelo câncer. Levantamentos estimam que 56% do consumo de morfina no mundo acontece em solo americano. A facilidade de acesso e prescrição por lá tem feito os EUA encabeçar o ranking no uso e no abuso dessa classe de drogas. Segundo a Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED), a realidade do nosso país é bem diferente: a taxa de uso de morfina pela população (medida para dosar quanto uma nação recorre ao medicamento) é 25 vezes menor que o valor considerado ideal, o que faz do Brasil um dos dez países que menos prescrevem opioides no globo.
Esse cenário, ainda de acordo com a SBED, é preocupante, uma vez que muitos cidadãos deixam de receber tratamento adequado e tem a qualidade de vida comprometida pela dor.
2. Brasileiros se automedicam para tratar a dor e correm riscos.
Verdade. Opioides dependem de receita médica especial, mas muitos outros analgésicos (mais leves, é verdade) podem ser adquiridos em farmácia sem prescrição. Apesar de isso facilitar o acesso e a rapidez com que se resolve a dor, tantas vezes dá margem ao abuso. Segundo o anestesiologista Irimar de Paula Posso, presidente da SBED, o problema aqui ronda a utilização equivocada e constante de anti-inflamatórios não esteroides. De forma inadequada ou excessiva, a classe pode resultar em úlceras gástricas, lesões nos rins, entre outros perrengues. Daí a necessidade de investigar dores recorrentes e identificar com o médico o analgésico mais adequado. Nada de se jogar no mar de medicamentos à disposição nas drogarias.
3. Morfina só é receitada em caso de câncer ou para doentes terminais.
Mito. O especialista Irimar de Paula Posso relata que muitos pacientes e familiares se assustam quando, diante de dores mais fortes, o médico prescreve fármacos à base de morfina. De fato, eles não são a primeira escolha de analgésico, mas podem ser úteis quando o incômodo é incapacitante ou resistente a outras abordagens. A administração, porém, tem de ser acompanhada de perto pelos profissionais de saúde e, na medida do possível, restrita a períodos mais curtos para evitar efeitos como a dependência.
4. A dor pode ser uma doença em si.
Verdade. “Dor é um sinal de alerta que avisa ao corpo que ele corre um risco, mas, uma vez que esse risco vai embora, não faz sentido o sinal continuar aceso”, explica Posso. Existem situações em que o estímulo doloroso se cronifica, ou seja, torna-se persistente e, às vezes, refratário aos primeiros contra-ataques terapêuticos. Isso depende de questões genéticas e até do mau uso de remédios, inclusive analgésicos. Nessas circunstâncias, a dor vira a doença alvo do médico e pode cobrar tratamentos que não ficam restritos ao arsenal medicamentoso. A dor é considerada crônica quando se prolonga por mais de três meses.