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Exercícios contra o câncer

Essa doença adora um marasmo. Se a gente não se mexe, ela aparece com maior facilidade, fica mais letal e, mesmo se some, insiste em ressurgir

Por Theo Ruprecht
Atualizado em 15 jan 2019, 10h13 - Publicado em 30 dez 2015, 10h00
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  • Virou lugar-comum comparar a atividade física a remédios. Mas, ao pensarmos com calma nessa história, dá pra dizer que às vezes os medicamentos são supervalorizados — e o câncer é um ótimo exemplo disso. Vamos raciocinar juntos (e, se quiser tirar a prova, questione um médico): existe algum comprimido que ajude a prevenir e tratar diversos tipos de tumor, além de evitar um possível retorno deles? Pode apostar que não. Pois, acredite, esse combo de benefícios já está na bula de uma rotina de exercícios.

    Em uma revisão de 71 estudos publicada no periódico científico British Journal of Sports Medicine, foi observado que 150 minutos de treinos moderados por semana — o mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) — reduzem a mortalidade por diferentes variedades desse problema em 14%, o que não é pouco. “O número é explicado de um lado pelo papel do exercício na diminuição da incidência da doença e, do outro, por seu potencial em controlá-la quando eventualmente aparece”, argumenta o epidemiologista Li Liu, um dos responsáveis pela investigação da Universidade de Ciência e Tecnologia Huazhong, na China.

    Do ponto de vista da prevenção do câncer, organizações como o Departamento de Saúde da Austrália pedem para as pessoas reservarem ainda mais espaço na agenda aos esportes: seriam necessários 300 minutos de esforço moderado ou 150 de intenso por semana. E um estudo desse mesmo país — conduzido no Instituto de Pesquisa Médica Berghofer, em Queensland — aponta que a meta proposta faz todo o sentido.

    Segundo cálculos dos cientistas, o não cumprimento da orientação acima acarretou, apenas no ano de 2010, 1 814 casos adicionais de tumores de cólon, endométrio e mama na Austrália (nação com pouco mais de um décimo da população brasileira). “Focamos nos três tipos porque agências independentes determinaram, com base nas últimas evidências, que eles estão diretamente associados à inércia”, relatam os autores Catherine Olsen, David Whiteman e Christina Nagle em comunicado a SAÚDE. Mas há indícios de que outros tipos, como os de pulmão, próstata e ovário, também seriam menos frequentes em sujeitos que correm do sedentarismo. “Se acrescentássemos esses cânceres na análise, provavelmente chegaríamos a um número maior de casos que poderiam ser prevenidos com exercícios”, concluem.

    Agora chegamos ao uso, digamos, terapêutico de corridas, caminhadas, pedaladas… E vamos recorrer novamente àquela revisão da Universidade Huazhong — até porque seus autores se concentraram bastante nos dados dos participantes que desenvolveram um tumor. A boa notícia é que mesmo o ato de vencer a preguiça só após o diagnóstico se relacionou a uma menor probabilidade de morrer. Verdade que Li Liu e os outros envolvidos na pesquisa são cautelosos com o achado: “Uma possibilidade é que os indivíduos que passaram a se exercitar nessa fase seriam também os que adotaram outras mudanças no estilo de vida capazes de alterar o curso do problema”.

    O resultado ainda pode vir do fato de que os azarados com tumores mais agressivos são menos propensos a começar um treinamento físico por se sentirem fracos. Seguindo essa teoria, os pacientes que dedicaram tempo aos esportes na realidade ficariam mais distantes da morte por terem sido acometidos com formas pouco violentas da enfermidade — e não pela prática esportiva em si.

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    Contudo, há indicativos sólidos de que essas duas hipóteses são no mínimo insuficientes para elucidar a ligação entre um corpo ativo e a menor mortalidade por câncer. Em um trabalho das universidades Santo Tomás e Del Rosario, ambas na Colômbia, parte dos 1 407 voluntários com esse mal foram instruídos a mexer o esqueleto durante a fase aguda da terapia. “Notamos que o hábito ameniza a fadiga decorrente do tumor e de seu tratamento”, atesta o fisioterapeuta José Francisco Meneses-Echávez, que assina o documento. E essa vantagem não melhora apenas a qualidade de vida. “Se a pessoa tolera bem os efeitos colaterais dos quimioterápicos, por exemplo, é possível manter uma dose agressiva por mais tempo”, reflete o oncologista Marcelo Rocha de Sousa Cruz, do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes, em São Paulo. “Isso, por sua vez, aumenta as chances de cura”, completa.

    Nesse sentido, vale a pena destacar as virtudes dos exercícios no manejo de outras consequências típicas do tratamento, como náuseas, perda de massa muscular e depressão. “Temos que acabar com a ideia de que as vítimas do câncer precisam de repouso constante. Os médicos devem incentivar a atividade física”, arremata Sousa Cruz. A questão é que, nessa fase, adaptações no treino quase sempre se fazem necessárias.

    São tantas as preocupações por trás do tratamento que realmente só uma minoria dos doentes pode vestir sua roupa esportiva e sair por aí desacompanhada. Prova disso vem de um experimento da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, que examinou o estado de saúde de 479 mulheres com um tumor de endométrio para checar justamente quais teriam condições de treinar sem supervisão próxima. Resultado: não mais do que 20,5% delas estavam aptas a isso.

    “Todas as pessoas com câncer merecem orientações detalhadas sobre as atividades físicas”, idealiza Almir Sarri, responsável pelo Departamento de Fisioterapia do Hospital de Câncer de Barretos, no interior paulista. “Precisamos combater o sedentarismo desde o diagnóstico. Mas é fundamental, entre outras coisas, criar uma sinergia com o tratamento, algo difícil sem auxílio profissional”, constata. Infelizmente, não são muitos os educadores físicos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais que se especializam por aqui no atendimento ao câncer — ainda mais se considerarmos a estimativa do total de casos flagrados em 2015 no Brasil, que fica em torno de 580 mil. “Talvez o jeito mais fácil de achá-los seja pedir indicações a um médico, visitar centros de referência ou ao menos avaliar currículos”, orienta o educador físico Rodrigo Cenzi, diretor técnico da Academia Leven, em São Paulo.

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    Por que faz tão bem?

    Entender a fundo o potencial do esforço físico contra o tumor (tanto na prevenção quanto no tratamento) é um grande desafio para os cientistas. Mas há, sim, pistas sobre os mecanismos de ação. “Os exercícios regulam a produção de hormônios sexuais, que, em excesso, estimulam a multiplicação de células cancerosas”, exemplifica Claudio Battaglini, educador físico brasileiro que coordena o Laboratório Integrativo de Exercício e Oncologia da americana Universidade da Carolina do Norte. Nesse ponto, só vale ressaltar que tal explicação se restringe aos tipos sensíveis a essas substâncias, como alguns de mama e próstata.

    “A atividade física também interfere na taxa de moléculas inflamatórias”, acrescenta Meneses-Echávez. E essas partículas são outro estopim para a proliferação de células defeituosas no organismo. Como se não bastasse, frequentar a academia aperfeiçoa a mira do sistema imunológico, que, assim, atacaria o adversário da vez com maior precisão. “Só que, especialmente nesse aspecto, definir a intensidade correta é vital. Se ela for vigorosa demais, pode inclusive prejudicar nossas defesas. E isso é a última coisa que queremos”, pondera Battaglini.

    Por último, não dá pra descartar o efeito do emagrecimento vindo da malhação — ele promove, por si só, todas as melhorias que acabamos de mencionar. “Nos Estados Unidos, a obesidade vem superando o tabagismo como o fator que mais provoca essa doença”, contextualiza Sousa Cruz. Ponto para quem, fora colocar o corpo em movimento, adota uma dieta balanceada.

    Esses benefícios, aliás, justificam o pedido dos profissionais para que a rotina ativa não seja abandonada assim que o inimigo desaparece do mapa. Existem evidências de que mantê-la afasta a probabilidade de um câncer reincidir e até o de um segundo dar as caras. Em um estudo de cinco instituições americanas divulgado na revista científica JAMA, sobreviventes com um bom preparo cardiorrespiratório apresentaram uma queda de 32% no risco de morrer por câncer e de 68% no de vir a óbito por doenças cardiovasculares. Não desvalorize esse último dado. Primeiro porque certos quimioterápicos lesam o coração. Logo, a redução na mortalidade por infartos sugere uma preservação do músculo cardíaco proporcionada pelo esporte. A descoberta reforça também que quem superou um tumor precisa se preocupar com outros problemas de saúde — e o exercício é um grande aliado para lidar com vários deles. Que pílula faz isso?

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    A teoria antes da prática

    O que os profissionais contemplam na hora de prescrever as sessões de ginástica

    Resultado dos exames
    Um dos mais importantes é o de sangue. Se as células vermelhas estão em baixa, o indivíduo vai se cansar rapidamente. Por outro lado, se faltam plaquetas, cargas pesadas não raro facilitam o aparecimento de hemorragias.

    Tratamento empregado
    A químio prejudica o sistema imune. Aí, se o paciente for nadar, pode pegar na água uma infecção. Já a radioterapia às vezes afeta os ossos, o que favorece fraturas — especialmente se o esforço for muito intenso.

    Localização do câncer
    Exemplo: a retirada de um tumor de mama chega a limitar a movimentação do braço. A quantidade certa de agito restabelece sua função. Entretanto, o excesso resulta em um inchaço pra lá de desconfortável.

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    O tripé dos exercícios contra o câncer

    Os componentes abaixo fazem parte de qualquer treino. Mas oferecem benefícios extras às vítimas da doença

    Práticas aeróbicas
    Caminhar, nadar, pedalar e outras modalidades aprimoram o sistema cardiovascular. Elas são especialmente preconizadas para enfrentar a fadiga que aparece em quem sofre com um tumor.

    Musculação
    A atrofia da musculatura é relativamente comum durante as intervenções médicas. Ao contra-atacar isso, o levantamento de peso dá autonomia e qualidade de vida à pessoa.

    Alongamento
    As práticas que deixam os músculos flexíveis mantêm, no mínimo, uma parcela da movimentação de braços e pernas. Isso é bastante positivo depois de eventuais cirurgias.

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