A receita é assim: misture um solo heterogêneo a um bocado de sol. Acrescente um tanto de chuva, pitadas de estiagem e finalize com variações do clima tropical. Pronto! Eis a fórmula que faz brotar vegetais supernutritivos e saborosos. E tem tudo isso aqui, no quintal da nossa casa. “O Brasil concentra cerca de 20% de todas as espécies encontradas no planeta e é considerado o principal país dentre os 17 de maior biodiversidade mundial”, conta a nutricionista Daniela Beltrame, coordenadora nacional do projeto Biodiversidade para Alimentação e Nutrição (BFN).
A iniciativa, que une governo, órgãos internacionais e estudiosos das cinco regiões brasileiras, visa promover o uso sustentável e ampliar o consumo de alimentos nativos. Entre outras ações, acaba de criar o Selo de Sociobiodiversidade, vinculado ao Sipaf (Selo de Identificação da Participação da Agricultura Familiar), que chega para agregar valor a produtos genuinamente nacionais.
“Procuramos enfatizar a importância de alternar o cardápio para não cair na monotonia”, destaca Daniela. Veja bem, a ideia não é fazer substituições e priorizar só o que é mais rico, mas, sim, ampliar os itens do menu no dia a dia. Afinal, um dos segredos da dieta saudável é o de variar sempre e, dessa forma, garantir mais nutrientes e também prazer. “Observamos um fenômeno global de padronização alimentar, com grande espaço para industrializados”, comenta a expert.
A verdade é que ingerimos quase sempre a mesma coisa – experimente dar uma espiada na despensa da sua casa. E até mesmo os povos tradicionais andam seguindo esse modelo limitado. Os pesquisadores envolvidos no BFN relatam que, entre os jovens integrantes das comunidades indígenas e quilombolas, não é raro ver certo desconhecimento em relação ao que era consumido por seus antepassados.
“Estamos ajudando a resgatar alguns hábitos”, anima-se a nutricionista Raquel Santiago, da Universidade Federal de Goiás (UFG). Para tanto, um dos desafios é descobrir jeitos atrativos de incluir as espécies nativas nas preparações. E não é à toa que há um time de chefs de cozinha envolvidos. “Veja o exemplo do jatobá: ele não é apreciado devido ao aroma peculiar. Mas estamos testando receitas para suavizar essa característica”, revela Raquel. Outra frente do projeto busca capacitar merendeiras para que a criançada aprenda, desde cedo, a degustar e cuidar do que é nosso.
Conheça agora as riquezas desta terra tão abençoada por natureza.
Açaí
Reza a lenda que ele foi criado por Tupã, uma divindade indígena, para suprir uma tribo que sofria com a escassez de comida. A receita de sucesso é composta de minerais, como o cálcio, e vitaminas do complexo B. Ainda tem gorduras poli-insaturadas, que conferem aquela textura cremosa ao alimento e, de quebra, combatem inflamações. O pesquisador Jaime Aguiar, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e integrante do BFN, destaca também as antocianinas, aclamadas pela ação antioxidante e blindagem das células. Não bastasse, o açaizeiro fornece um palmito, perfeito para saladas e suflês.
Amendoim
Bem antes de as caravelas de Cabral aportarem por aqui, os índios cultivavam essa leguminosa. Conta-se que os portugueses se encantaram com a espécie e a levaram para outros continentes. “O amendoim exibe uma excelente composição de ácidos graxos”, elogia Raquel Santiago, coordenadora do BFN no Centro-Oeste. Ou seja, contém gorduras benéficas. Pra completar, esconde vitamina E e fitoesteróis. Trocando em miúdos, contribui diretamente para a proteção das nossas artérias. Torrado, é excelente opção de petisco. Também está em doces típicos, caso da paçoca e do pé-de-moleque.
Baru
Também chamada de cumbaru, essa castanha cresce em uma árvore que atinge 20 metros. No Centro-Oeste, onde aparece naturalmente, sempre foi usada como comida de gado. Sorte a deles! Sua polpa é rica em fibras e pode servir de matéria-prima para a massa de pães, bolos, barras de cereais, entre outras preparações. Já a amêndoa pode se vangloriar pelo conteúdo de proteína e pelo mix de minerais, com destaque para o ferro, o principal agente no combate à anemia. Ela cai bem torrada e em receitas – o molho pesto é um exemplo. Apesar da fama de afrodisíaca, a ciência ainda não comprovou esse efeito.
Caju
Curiosidade botânica: a verdadeira fruta do cajueiro é a castanha. A estrutura amarelada, doce, usada em sucos e que amarra a boca, é o que os entendidos chamam de pedúnculo. Sua função é sustentar o fruto legítimo. Peculiaridades à parte, tudo aqui é nutritivo. Enquanto a castanha reúne gorduras do bem, o pseudofruto (ou seja, a polpa) é fonte de fibras, capazes de ajustar o trânsito intestinal. Além disso, esbanja minerais, como cálcio, ferro e fósforo, e as vitaminas C e do complexo B. “Possui ainda carotenoides e taninos, que têm ação antioxidante”, ensina a nutricionista Adriana Siqueira, da Universidade Federal do Ceará e coordenadora do BFN no Nordeste. Mais do que enriquecer as receitas de doces, é boa pedida em moquecas, hambúrgueres e outros pratos salgados.
Cacau
Nativa da América Central e da Amazônia, a espécie ganhou o mundo graças às sementes escondidas em uma baga de cerca de 20 centímetros e recobertas com uma massa esbranquiçada. É a partir das tais amêndoas, ricas em gorduras e compostos fenólicos (defensores do organismo), que se produz o aclamado chocolate. Mas o resto do fruto também tem muito valor. Nas terras de Jorge Amado e outros pontos do Nordeste, a polpa é ingrediente de sucos e sobremesas. Reduto de minerais, a exemplo de potássio e fósforo, ela zela pela saúde muscular e óssea e é tida como fortificante.
Camu-camu
Ele ocorre naturalmente em áreas alagadas. É pequenino e delicado: tem só 2,5 centímetros de diâmetro e uma casca fina e lisa. A cor vermelha muda para púrpura e preta conforme o fruto amadurece. Apesar da aparência frágil, ostenta teores impressionantes de vitamina C. Em suas andanças pela Amazônia, Aguiar já encontrou exemplares raros que acumulam nada menos que 6 112 miligramas do nutriente em 100 gramas. Para ter ideia, a laranja possui cerca de 50. “Por causa da acidez, o fruto é consumido em refrescos, sorvetes, picolés e licores”, nota o estudioso. Mas há quem o encare in natura.
Cupuaçu
Durante muito tempo, somente as populações indígenas da região amazônica se fartavam com seu sabor peculiar. Mas, graças ao conjunto da obra, o fruto ultrapassou as aldeias e foi parar até no Japão. Sua polpa é uma mistura refrescante e ácida de nutrientes – potássio, ferro, selênio e vitamina C formam o combo. Mas são as sementes que atraem os aplausos. “Elas contêm uma gordura branca e aromática”, descreve o pesquisador Jaime Aguiar. Ao passar por processamento, resultam em um alimento batizado de cupulate, doce bastante parecido com o chocolate do cacau.
Erva-mate
Quem diria! O nosso mate, tererê, chimarrão ou, para os cientistas, Ilex paraguariensis, aparece em estudos como verdadeiro amigo do peito. Infelizmente, ele não é tão queridinho quanto o asiático chá-verde. A erva-mate oferta saponinas e é rica em compostos fenólicos que, além de favorecer o controle das taxas de colesterol, são festejados pelo efeito antioxidante. Assim, defendem os vasos sanguíneos do excesso de radicais livres. Ao tomar chimarrão, só evite temperaturas acima de 65°C, pela associação com o maior risco de câncer de esôfago.
Goiaba
Quer um doce com mais cara de Brasil do que a goiabada cascão? O vitaminado fruto da goiabeira surge em versões com polpas esbranquiçada e vermelha. A variedade colorida tem uma vantagem que merece menção: ela esbanja licopeno, substância celebrada em estudos por afastar tumores, especialmente o da próstata. Para quem quer variar a forma de consumo, a sugestão é incluir a fruta no preparo de molhos para acompanhar carnes. O bom é que, ao passar pelo fogão, o licopeno tende a ser mais bem aproveitado pelo organismo.
Guaraná
O êxito do cultivo dessa espécie é resultado direto do trabalho secular de povos indígenas, em especial dos Sateré-Mawé, que vivem no Amazonas e têm ensinado muito sobre produção sustentável. Pois o fruto vermelhinho, que sempre é lembrado como estimulante, age em prol do cérebro. Saponinas, catequinas, epicatequinas, proantocianoides, entre outras substâncias de nomes estranhos, têm a capacidade de reduzir os impactos nocivos dos radicais livres, aquelas moléculas por trás de estragos celulares e do envelhecimento precoce.
Fisális
Considerado um fruto ornamental – não surpreende, como você pode notar pela foto -, seu apelido muda de acordo com o local onde é encontrado. “Também é conhecido como joá, camapu e tomatinho de capote”, conta Vanuska Lima, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O sabor, levemente ácido, realça preparações que vão muito além de sobremesas. Para o projeto BFN, a professora Vanuska testou receitas como arroz de carreteiro e creme de moranga cabotiá com nata. Ambas com o fisális na versão integral. “As cascas detêm os maiores teores de nutrientes”, diz. Entre eles, estão betacaroteno, magnésio, potássio, além de vitaminas do complexo B.
Castanha-do-Brasil
Ela faz parte do grupo das oleaginosas. Entretanto, nenhuma de suas parentes – nozes, avelãs, amêndoas e companhia – compete com a nossa estrela quando o assunto é selênio. “É a melhor fonte alimentar desse mineral”, crava Aguiar. Embora estudiosos ressaltem que o teor da substância varia de acordo com o tipo de solo, a castanha-do-brasil (ou do pará) nunca decepciona. Há evidências de que o selênio atue como um aliado na redução do risco de tumores e Alzheimer. Como a castanheira está ameaçada, o projeto BFN enfatiza a importância da preservação do hábitat da espécie e encoraja práticas e usos mais sustentáveis.
Jabuticaba
Ela nasce nos troncos da jabuticabeira, daí o nome em tupi que significa “fruta em botão”. A coloração de sua casca brilhosa denuncia um concentrado de antocianina, potente antioxidante. Já a polpa esbranquiçada e suculenta contém um mix pra lá de nutritivo, formado por vitaminas, minerais e fibras. Em um estudo da Universidade de São Paulo, que foi finalista do 11º Prêmio Saúde, o extrato da fruta se mostrou promissor na regulação de desordens metabólicas, como obesidade. “Seu uso em preparações vai além de geleias e licores”, garante Vanuska, que desenvolveu uma receita de molho agridoce para pratos salgados.
Mandioca
Apelidada de “rainha do Brasil”, a espécie reinava absoluta antes de os portugueses pisarem em nosso solo. Era considerada fonte de energia entre os indígenas. A raiz, que, dependendo da região, é conhecida como aipim ou macaxeira, possui dois tipos de carboidrato: a amilopectina e a amilose. A dupla libera a glicose lentamente no sangue. Para completar, há belas doses de fibras. Assim, a mandioca ajuda a prolongar a sensação de saciedade e dá fôlego por períodos maiores. Versátil, ela é ingrediente de farinha, preenche as cuias de tacacá e faz sucesso na forma de tapioca.
Maracujá
A nutricionista Raquel, da UFG, informa que a palavra maracujá vem do tupi e significa “fruta na cuia”. E a tal cuia reserva preciosidades, viu? Tem os carotenoides, que são, entre outras coisas, guardiões da nossa visão. A polpa viscosa agrega também a pectina, uma fibra que contribui para o equilíbrio dos níveis de açúcar em circulação. Não dá para esquecer, ainda, da presença de passiflorina. “Uma substância que sugere ação tranquilizante”, explica a pesquisadora. Há quem acredite que basta um copo de suco para acalmar.
Pupunha
Tamanha é a importância desse fruto para os indígenas que eles fazem festa para celebrar o início da colheita. A professora Raquel conta que, na região Norte, o frutinho da pupunheira é tradicionalmente cozido em água e servido com café ou acompanhado de mel. “Sua farinha também é amplamente utilizada em preparações culinárias”, acrescenta. Molhos, guisados, bolos, biscoitos estão entre as receitas mais populares. Além de ter alto valor energético, a pupunha fornece carotenoides e selênio. Um tipo de palmito também é extraído da mesma árvore.
Taioba
Suas folhagens chegam a atingir 80 centímetros de comprimento e 60 de largura. E aqui pode haver confusão com uma variedade que não é comestível. Sutilezas pedem o olhar de um especialista. “A taioba verdadeira se sobressai pelos teores de cálcio, ferro, fósforo, magnésio, zinco, potássio, entre outros”, lista a nutricionista Andrea Matias, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. As folhas devem ser refogadas ou passar por outros tipos de cozimento para ocorrer a eliminação do ácido oxálico, elemento que causa irritação na garganta, provocando coceira.
Tucumã
Encontrado em boa parte da região Norte, o frutinho cresce em um tipo de palmeira. A polpa doce, com um sabor que, para alguns, lembra o damasco, é amarela, característica que denuncia o elevado teor de carotenoides – caso do betacaroteno, um precursor da vitamina A. Também guarda grande quantidade de gorduras, o que a torna calórica. “São 439 calorias em 100 gramas”, revela Aguiar. Em Manaus, há um prato batizado de X-Caboquinho, feito com tucumã e queijo coalho dentro do pão. A árvore ainda entrega um palmito e, as sementes, um óleo comestível.
Outros alimentos que merecem ser lembrados
- Abacaxi
- Açaí-solteiro
- Araticum/panã
- Araçá
- Araçá-boi
- Araçá-pera
- Aroeira-pimenteira
- Arumbeva
- Babaçu
- Bacaba
- Bacuri
- Beldroega
- Buriti
- Butiá
- Cagaita
- Caju-do-cerrado
- Cará-amazônico
- Cereja
- Chichá
- Coquinho azedo
- Crem/batata crem
- Croá
- Cubiu
- Goiaba-serrana
- Guabiroba
- Guavirova/gabiroba
- Gueroba
- Jaracatiá/mamãozinho
- Jaracatiá/mamão-do-mato
- Jatobá
- Jenipapo
- Juçara
- Jurubeba
- Licuri
- Macaúba
- Major-gomes
- Mandacaru
- Mangaba
- Mangarito
- Minipepininho
- Murici
- Ora-pro-nóbis
- Patauá
- Pequi
- Pera-do-cerrado
- Pinhão
- Pitanga
- Umari
- Umbu
- Pitanga
- Umari
- Umbu
- Umbu-cajá/taperebá
- Urucum
- Uvaia