Preconceito devia ser encarado como problema de saúde pública. Argumentos para isso já não faltam — inclusive com comprovação científica. Uma pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por exemplo, concluiu que vítimas de discriminação têm um risco quatro vezes maior de desenvolver depressão ou ansiedade e ainda estão propensas a agravos como hipertensão. “A experiência crônica de intolerância estimula a liberação de hormônios relacionados ao estresse, como o cortisol”, explica o epidemiologista João Luiz Dornelles Bastos, um dos autores do trabalho. E o excesso dessas substâncias, fora bagunçar a cabeça, tem impacto direto na subida da pressão arterial.
O curioso, no entanto, é que esse efeito não se restringe ao discriminado. Quem semeia a segregação também está sujeito a diversos transtornos. “A pessoa prestes a agir de maneira hostil se submete a um estresse interno”, explica Ricardo Monezi, psicobiólogo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Isso às vezes é intensificado por um passado de sofrimento próprio. “O agressor pode já ter sido uma vítima e, como forma de escape, acaba disseminando o ódio que recebeu dos outros”, analisa Monezi. Aí o cortisol vai às alturas, e o corpo padece.
Como se fosse pouco, o preconceito piora o acesso aos serviços de saúde e a qualidade deles. O estudo da UFSC descobriu que mães da cidade do Rio de Janeiro classificadas como pardas ou pretas enfrentavam, em relação às brancas, uma maior probabilidade de perambular por mais de uma maternidade antes de dar à luz.
Segundo os pesquisadores, está aí um indício de que o atendimento a essas mulheres não é satisfatório. Mais: uma eventual intolerância do especialista instiga um círculo vicioso que, no final, faz o discriminado dispensar ajuda de qualquer profissional de saúde. Há evidências, para citar um caso, de que parte da população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) não busca auxílio médico pelo receio de sofrer preconceito.
Do outro lado, tem marmanjo que se recusa a fazer o exame de toque retal, vital para detectar o câncer de próstata, “porque é macho”, e indivíduos que não se tratam de um mal psiquiátrico “porque não são loucos”. A melhor forma de resolver tantos impasses, segundo Monezi, é com diálogo e autoconhecimento. “Precisamos criar um ambiente em que as pessoas coexistam sem medo. Deveríamos pensar que, em meio às diferenças, há uma estrutura comum e convergente: o ser humano”, arremata.
A discriminação que faz adoecer
Em situações de hostilidade, nosso cérebro ordena a liberação de cortisol — um dos hormônios do estresse. Além de elevar a pressão arterial, ele é capaz de interferir na ação da insulina. Essa substância, quando não funciona direito, deixa a glicose correr solta pelas veias, favorecendo o diabete tipo 2. E sabia que só o fato de imaginarmos uma situação de rejeição já pode desestabilizar a produção de cortisol? “Determinadas áreas do cérebro trabalham com o que chamamos de pensamento antecipatório. Ou seja, a vítima sofre só com o receio de uma possível discriminação”, explica o psicobiólogo Ricardo Monezi. Ansiedade e depressão não custam a aparecer em cenários como esse.
A discriminação que afasta o diagnóstico
A pesquisa da UFSC demonstrou que mulheres negras são menos submetidas ao papanicolau, exame usado para flagrar lesões no colo do útero. Isso apesar de apresentarem uma frequência de consultas ginecológicas semelhante à das brancas. Nos homens, os casos clássicos envolvem tumores de próstata e disfunção erétil.
Vários simplesmente se negam a fazer o exame de toque retal, enquanto outros veem a impotência como um tabu que não deve ser discutido com ninguém. Já quando o assunto são as doenças mentais, tem quem ainda ache que seus portadores são loucos e ponto final. “Ninguém escolhe ter câncer. Com depressão, ansiedade e TOC é a mesma coisa. O paciente não fica doente porque quer”, esclarece o psicólogo Yuri Busin, diretor do Centro de Atenção à Saúde Mental – Equilíbrio (Casme).
A discriminação que amarra o tratamento
É possível que profissionais da saúde criem uma barreira diante de um paciente por pura intolerância. Porém, o oposto também existe: estamos falando daquele sujeito que não aceita se consultar com um especialista em virtude de um traço qualquer (nacionalidade, cor, sotaque…).
“Quando não há preconceito, a pessoa adere ao tratamento e responde melhor à medicação”, assegura Monezi. Levantamentos indicam ainda que, em lugares do planeta onde a homofobia está mais presente, a população LGBT tende a receber tratamento precário, principalmente quando relacionado a uma questão de sexualidade. Essa desigualdade no atendimento fez o periódico médico The Lancet chamar a atenção para as necessidades únicas de saúde desse grupo.