Nova diretriz brasileira para tratamento do comportamento suicida é criada
Documento da Associação Brasileira de Psiquiatria traz fatores de risco e atitudes que podem antever tentativas de suicídio
A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) publicou a primeira parte da sua diretriz específica para o tratamento do comportamento e da ideação suicida no Brasil. É um trabalho inédito, produzido por 11 especialistas e feito a partir da revisão de 79 artigos científicos. O objetivo do manual é apresentar os fatores de risco e de proteção e a forma mais adequada de avaliar os pacientes.
De acordo com Antônio Geraldo da Silva, presidente da ABP, não existia um guia único desse tipo no nosso país. Muito do que era aplicado pelos profissionais se baseava em estudos internacionais e na realidade de outros lugares.
“Diante disso, fizemos um esforço de equipe enorme para adequar o que há de mais novo na literatura médica à realidade dos brasileiros”, relata o psiquiatra.
O que é o comportamento suicida e o quais os fatores de risco
Essa expressão engloba tanto as tentativas como o suicídio consumado. Há quem ainda inclua aqui a ideação suicida (os pensamentos sobre esse ato e o seu planejamento).
“Muitas vezes, o suicídio é a consequência final de um processo. Esse triste desfecho deve ser relacionado a uma série de eventos que se acumulam na história do indivíduo e não pode ser encarado de forma simplista ou casual, considerando apenas acontecimentos pontuais da vida”, complementa Silva.
Histórico de traumas familiares, eventos adversos na infância e adolescência, presença de doenças (inclusive não psiquiátricas) e sentimentos como desesperança, desespero, desamparo e impulsividade estão entre os fatores que aumentam o risco do comportamento suicida.
Os transtornos mentais são muito comuns entre indivíduos que tentaram se matar — daí a necessidade de tratá-los adequadamente. Mas não basta focar só nisso. Segundo o presidente da ABP, devem ser consideradas estratégias de promoção da saúde em geral e de prevenção de problemas psiquiátricos.
“Também é fundamental dar atenção aos fatores de proteção, como o fortalecimento de laços sociais, autoestima elevada, bom suporte familiar, espiritualidade independente de filiação religiosa e, principalmente, acesso universal a serviços de saúde mental”, completa.
Principalmente se achar que as coisas não andam bem, busque o apoio de um psiquiatra ou psicólogo.
Especificidades do comportamento suicida no Brasil
De 2010 a 2014, o suicídio causou 5,23 mortes por 100 mil habitantes no Brasil. É uma taxa que fica abaixo do índice geral do planeta. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, em 2016, foram 10,6 óbitos por 100 mil pessoas.
No entanto, como possuímos uma grande população, o número absoluto de suicídios é alto por aqui. Foram registrados 50 664 óbitos de 2010 a 2014.
“Além disso, temos grande diversidade cultural, econômica e social, o que torna as características clínicas de cada região diferentes. Existem municípios que apresentam taxas bem elevadas, que superaram a média mundial”, pontua Silva.
O expert conta que, no Brasil, há desafios particulares na contenção do comportamento suicida. São eles: dificuldade de acesso a tratamentos e profissionais, negação e estigma em relação ao bem-estar mental, abuso de álcool e outras drogas e alta prevalência de depressão e ansiedade.
Silva espera que as diretrizes da ABP ajudem a derrubar o número nacionais de suicídio e que o poder público seja influenciado a adotar estratégias de promoção de saúde, oferecendo assistência pública de qualidade para toda a população.
E, como dissemos, apenas a primeira parte desse guia foi publicada. A próxima publicação deve ser disponibilizada no final de novembro de 2020, trazendo um “Plano de Segurança”. Ou seja, uma nova abordagem que combina a avaliação dos casos com medidas práticas de intervenção.