Jonathan Malesic fala de burnout com propriedade: não só por ter estudado o tema do ponto de vista psicológico e social mas também por ter vivido na própria pele a experiência.
O professor universitário americano tinha o emprego com que sempre sonhara e, após uma rotina cada vez mais burocrática entremeada pelo convívio com alunos frequentemente desinteressados, acabou enredado numa teia que o levou à exaustão.
Partindo do seu diagnóstico, ele decidiu investigar como o esgotamento ligado ao trabalho se tornou uma epidemia.
Para isso, examina os artigos, livros e autores que nomearam a condição na década de 1970 e textos literários, sociológicos e até religiosos que nos ajudam a compreender como se criou uma “cultura do burnout” — a noção de salvação moral e existencial pelo labor, por exemplo, semeou o que a sociedade ocidental colhe hoje.
No livro O Fim do Burnout (Vozes Nobilis), Malesic questiona a forma como o problema vem sendo abordado: para ele, seria mais produtivo se tratássemos o burnout dentro de um espectro, não como um transtorno que você tem ou não tem.
E ainda expõe experiências fora do mainstream que nos permitem vislumbrar maneiras alternativas e talvez mais saudáveis de encarar o trabalho. Confira a entrevista do autor à VEJA SAÚDE.
O Fim do Burnout
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VEJA SAÚDE: Acredita que estamos vivendo uma banalização do burnout?
Jonathan Malesic: Estou muito preocupado com isso.
Ouvimos tantos relatos alarmantes sobre altas taxas de esgotamento dos trabalhadores que se torna fácil simplesmente parar de prestar atenção e aceitá-los como a condição normal de trabalho. Se todos estão esgotados, talvez ninguém esteja.
Muitos desses relatos, no entanto, são baseados em definições imprecisas e inconsistentes de burnout. Esse é um grande motivo pelo qual escrevi o livro: para trazer clareza e precisão às nossas conversas a respeito. Nem todo mundo está esgotado. Burnout não é a norma.
Mas praticamente todo trabalhador corre o risco de esgotamento, e, se conhecermos suas causas e manifestações, teremos mais chances de preveni-lo.
Por que propõe tratar o burnout dentro de um espectro?
Acho que o entendimento popular é que o burnout funciona como um botão liga-desliga: ou você está perfeitamente bem no trabalho ou está esgotado. Essa noção não leva em conta as nuances da experiência do burnout.
Algumas pessoas estão realmente esgotadas e exibindo as três principais dimensões do problema: exaustão, cinismo e sentimento de ineficácia.
Mas outras não estão exatamente nesse ponto. Elas podem se sentir inúteis, mas não exaustas ou cínicas. Se os empregadores conseguirem identificar esses trabalhadores, poderão ajudá-los a ver os efeitos positivos de seu trabalho e, assim, evitar o burnout.
Como o senhor avalia essa espécie de medicalização do problema?
Desde que o livro foi publicado, fico inseguro se deveríamos pensar no burnout como uma condição médica.
Certamente, a psicoterapia ajudará algumas pessoas que sofrem com ele. E os indivíduos que estão passando por isso provavelmente devem ser avaliados para aferir a presença de depressão, porque as duas condições podem ser muito parecidas.
Mas, como a causa do burnout é a relação entre os ideais de trabalho de uma pessoa e a realidade de suas condições de trabalho, acho que a solução será encontrada principalmente no nível do empregador e da cultura.
Para “curar” o burnout, algo precisa mudar em seu trabalho, não apenas em você.
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Deveríamos ter mais políticas públicas para enfrentar o burnout? Imagino que não dê para deixar a questão só nas mãos das empresas, certo?
Sim, definitivamente. Alguns empregadores reconhecerão o problema do burnout por conta própria e tentarão melhorar as condições para que a empresa possa florescer. Mas outros responderão apenas às regulamentações do governo.
Eu proponho salários mínimos mais altos e semanas de trabalho padrão mais curtas, sem redução de salário, como ponto de partida para políticas que tornariam o trabalho mais gratificante para as pessoas.
Sindicatos trabalhistas mais fortes também ajudariam a melhorar o senso de autonomia dos empregados e a elevar suas condições de trabalho. E sugiro no livro que uma renda básica universal seria uma forma de reconhecer que todas as pessoas têm dignidade, quer trabalhem remuneradas ou não.
Isso tornaria mais fácil para as pessoas deixarem empregos ruins, sabendo que têm uma rede de apoio e segurança debaixo delas.
Como enxerga o futuro do trabalho em meio à ascensão da inteligência artificial? A tecnologia ajudará a reduzir os níveis de burnout ou, considerando a desigualdade social vigente, algumas pessoas continuarão a sofrer com empregos ruins e exaustivos?
Quero ser otimista sobre as possibilidades da automação no futuro. Idealmente, se as máquinas podem fazer o trabalho mais duro e perigoso, então os seres humanos podem ter mais tempo para atividades de lazer.
Mas a grande questão será como distribuímos os benefícios do aumento de produtividade por meio de recursos como a inteligência artificial.
Não é difícil imaginar todos os ganhos indo para as grandes empresas e seus proprietários. É aqui que os governos precisarão intervir e garantir, por meio de regulamentação e tributação, que a tecnologia melhore a vida de toda a sociedade.