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“É importante acolher e prevenir o suicídio na população autista”

Pessoas que vivem com o autismo têm um risco até três vezes maior de se engajar em comportamentos suicidas. Autoras de livro orientam sobre sinais de alerta

Por Larissa Beani
Atualizado em 10 set 2023, 14h36 - Publicado em 10 set 2023, 11h37
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Indivíduos portadores de TEA estão em risco maior de desenvolver autismo  (Ilustração e foto: Ricardo Davino @ri.davino/SAÚDE é Vital)
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Conforme o conhecimento científico sobre o transtorno do espectro autista (TEA) avança, maior o suporte disponível à saúde física e mental de quem vive com a condição. Algumas questões, porém, ainda são pouco exploradas.

Uma delas é a necessidade de incluir pessoas autistas na pauta da prevenção ao suicídio, promovida pela campanha Setembro Amarelo e pelo Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, que acontece em 10 de setembro.

Sabe-se que pessoas com TEA são um grupo de risco, já que apresentam até três vezes mais chances de engajar em comportamentos suicidas do que pessoas neurotípicas”, afirma Camila Corrêa Matias Pereira, enfermeira e pós-doutora pela Université du Québec à Montréal, no Canadá.

+ Leia também: Aumento da depressão e ideação suicida entre jovens: onde estamos errando?

Junto a também enfermeira Aline Conceição Silva, pós-doutoranda na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, em Portugal, elas coordenaram a publicação do e-book Prevenção do suicídio na população autista: sinais de risco e recursos para acolhimento.

“É importante abrir esse diálogo e ter um olhar mais atento para elaborar estratégias e evitar que sinais de alerta não sejam mal interpretados ou confundidos”, defende Aline Silva.

A obra é uma tradução e adaptação para a realidade brasileira de um material criado pelas norte-americanas Lisa Morgan e Brenna Maddox, da Associação Americana de Suicidologia (AAS).

A iniciativa partiu de estudantes de enfermagem da Universidade do Estado de Minas Gerais, em Passos/MG. O material recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e foi lançado neste domingo, 10. O livro está disponível para download nesta página.

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A seguir, confira uma entrevista exclusiva com as coordenadoras:

VEJA SAÚDE: Como o comportamento suicida aparece no espectro autista?

Aline Silva: Embora o campo da saúde mental tenha avançado em relação ao que se sabe sobre TEA, ainda há desafios relacionados à integração social de quem está no espectro. Há dificuldades no acesso à educação, à saúde e a empregos por conta do isolamento social e dos estigmas sobre a condição.

Todas essas questões podem acabar gerando sofrimento emocional e, consequentemente, comportamento suicida algo que é multifatorial e se dá de diferentes formas. Além disso, muitas pessoas [neurotípicas] têm dificuldade de compreender e acolher quem está no espectro. 

+ Leia também: Para prevenir o suicídio, é preciso estar disponível

Qual é o risco de que eles desenvolvam esse comportamento? 

Camila Pereira: Esse assunto precisa de mais investigação, tanto a nível internacional como nacional. Sabe-se que pessoas com TEA são um grupo de risco, já que apresentam até três vezes mais chances de engajar em comportamentos suicidas do que pessoas neurotípicas.

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É importante dizer que a subnotificação de casos de violência autoprovocada é grande, e isso também impede que haja números mais precisos.

Quais são os principais fatores de risco para o suicídio nas pessoas autistas?

AS: O comportamento suicida é multifatorial, isto é, vários fatores vão se somando ao longo da vida de uma pessoa até levá-la à tentativa de atentar contra a própria vida.

Entre eles, estão algumas características intrapsíquicas  — como impulsividade, autocrítica, desesperança, baixa autoestima —, transtornos mentais, em especial casos sem diagnóstico e acompanhamento profissional, e problemas em relações interpessoais, afetadas por bullying, estigma, histórico familiar de suicídio, violência doméstica, negligência.

E quais são os sinais de alerta nesta população?

CP: Qualquer comunicação, direta ou indireta, sobre a intenção ou vontade de morrer deve ser levada a sério. Não menospreze ou subestime frases sobre não se sentir aceito ou “não conseguir se encaixar neste mundo”.

Outros sinais, como na população geral, são o aumento no consumo de substâncias, isolamento social e sensação de encurralamento, ou seja, de que não há saída para uma determinada situação.

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Também é comum a desesperança e a perda do sentido de viver em ações que antes davam prazer. Estranhe caso a pessoa esteja fazendo coisas que soem como uma despedida, seja doando objetos de valor sentimental ou preocupando-se com cuidados com os pets ao longo prazo.

+ Leia também: Autismo não é barreira para se desenvolver profissionalmente

A impulsividade é também um sinal de alerta relevante. Ela pode estar ligada a episódios de agitação e hiperatividade, inclusive com raiva descontrolada.

Situações desoladoras e abruptas podem provocar mudanças drásticas de humor. Pessoas autistas tendem a ter menos flexibilidade em relação a mudanças e maior dificuldade de entender e expressar sentimentos. 

Como pais e amigos devem agir ao perceberem esses sinais?

AS: Acolher sem julgamentos e respeitar as necessidades de cada indivíduo é essencial. Evite fazer suposições ou generalizações.

Em momentos de agitação, procure um ambiente tranquilo para reduzir estímulos sensoriais — de tato, visão e audição, principalmente.

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Nessas horas, o indivíduo pode apresentar ecolalia, ou seja, a repetição contínua de palavras ou frases. Isso pode acontecer por uma dificuldade de lidar com as emoções. Dê um tempo até que a pessoa processe a situação e tenha condições de responder a ela adequadamente.

Ajude a dar direcionamento ao pensamento. Faça perguntas claras e diretas. Evite o uso de gírias ou metáforas, porque muitas pessoas do espectro podem ter dificuldade de entendê-las.

CP: Mas é importante dizer também que não podemos nos responsabilizar sozinhos por alguém. Identifique mais pessoas próximas que possam intervir e procure ajuda profissional. É preciso conhecer seus direitos e saber quais recursos podem ser acionados caso necessário.

E onde é possível encontrar suporte?

AS: O SUS (Sistema Único de Saúde) disponibiliza apoio gratuito tanto nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) quanto nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

Além do atendimento pela rede pública, destacamos a atuação de ONGs em defesa dos direitos de pessoas que fazem parte do espectro autista.

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Há também o Centro de Valorização da Vida (CVV), que pode ser acessado 24 horas por dia, todos os dias da semana, para apoio emocional gratuito. O telefone é 188 e o site é o cvv.org.br.

+ Leia também: Para prevenir o suicídio, é preciso estar disponível

Além da importância da prevenção, também se fala muito na posvenção. Vocês podem explicar o que ela significa?

CP: A posvenção consiste em prevenir que pessoas que perderam entes queridos por suicídio também desenvolvam comportamento autodestrutivo. Muitas vezes, não há o cuidado para aqueles que ficam ou eles ficam restritos a poucas pessoas.

Estima-se que o suicídio afete até nove indivíduos com relações estreitas à vítima (como familiares e amigos próximos), mas o número de afetados pode ser muito maior se formos pensar naqueles que conviviam com o indivíduo no trabalho ou na escola.

A posvenção é direcionada a toda pessoa que foi impactada por uma morte por suicídio.

Qual é a importância de trazer luz para esse debate no Setembro Amarelo?

CP: Ter informação é essencial para avaliar situações e buscar ajuda entre sua rede de apoio e em serviços de saúde. Isso é importante também para que nos cuidemos como sociedade.

AS: É uma questão que precisa de muita atenção. Quando falamos sobre prevenção do suicídio, também falamos sobre promoção da saúde e bem-estar mental, físico e social.

O acesso à saúde e a outros direitos humanos e sociais devem ser garantidos a toda a população, principalmente às parcelas mais vulneráveis. A defesa de políticas públicas para que as pessoas tenham uma vida digna deve fazer parte da discussão do Setembro Amarelo.

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