Vacina mais barata e eficiente contra pneumonia é testada em seres humanos
Criado com a ajuda de brasileiros, esse novo imunizante protegeria contra todas as versões de uma das principais bactérias causadoras da doença
Uma nova vacina contra pneumonia, mais barata e abrangente que as versões atualmente usadas no Brasil, está sendo testada em humanos. Desenvolvida por pesquisadores do Instituto Butantan e do Boston Children’s Hospital, da Universidade Harvard (Estados Unidos), a formulação protege o organismo contra todos os sorotipos da bactéria Streptococcus pneumoniae, uma das principais causadora da doença.
“Foram mais de dez anos de pesquisa até chegar a essa vacina celular. Desenvolvemos o processo de produção, mudamos o adjuvante [substância capaz de potencializar a resposta imune] e até a via de administração. Pretendíamos criar uma vacina intranasal, mas percebemos que o produto seria mais eficiente pela via intramuscular”, disse a bioquímica Luciana Cezar de Cerqueira Leite, do Laboratório Especial de Desenvolvimento de Vacinas do Instituto Butantan, à Agência Fapesp. Ela coordenou a parte inicial dos estudos, que foi apoiada pela Fapesp.
Estima-se que existam em todo o mundo mais de 90 sorotipos de S. pneumoniae, que, além de pneumonia, causa doenças como meningite, otite e sinusite. Os sorotipos são definidos com base na combinação de moléculas presentes na cápsula que recobre o micro-organismo. Nas vacinas convencionais, essa combinação determina o antígeno que, quando introduzido no organismo, induz a formação de anticorpos que nos protegem contra a doença.
Já o produto desenvolvido no Butantan é capaz de ativar a resposta imune independentemente do sorotipo bacteriano. “Produzimos a bactéria sem cápsula e usamos uma técnica especial para matá-la sem que se desintegre. Desse modo, ela pode ser administrada como parte da vacina. Além disso, identificamos proteínas comuns em todos os sorotipos”, esclareceu Cerqueira Leite.
Em artigo mais recente, publicado na revista científica Expert Review of Vaccines, Cerqueira Leite e colaboradores ressaltaram a importância de desenvolver um imunizante que seja acessível e funcione para todos os sorotipos de S. pneumoniae. “No caso específico da pneumonia, insistir na inclusão de novos sorotipos em vacinas conjugadas só aumenta a complexidade e os custos de produção. Isso as torna ainda menos acessíveis a países em desenvolvimento, como o Brasil”, afirmou.
Cerqueira Leite explica que as vacinas pneumocócicas conjugadas disponíveis hoje em dia protegem contra dez ou 13 sorotipos da bactéria. Há uma versão não conjugada que abrange 23 sorotipos, mas ela não é eficaz em crianças e, por isso, tem sido usada eminentemente em adultos.
“A primeira geração de conjugadas era eficaz contra os sete sorotipos mais prevalentes na Europa e nos Estados Unidos [7-valente]. Porém, como a prevalência dos sorotipos varia de uma região para outra, não apresentava uma cobertura boa para o Brasil”, ponderou.
Com o tempo, a capacidade de conjugar cepas variadas foi aumentando e surgiram as versões 10-valente e 13-valente. “Mas há um problema nessa estratégia. Quando são tiradas de circulação as bactérias de um determinado sorotipo, outras cepas [diferentes sorotipos não contemplados na vacina] vão surgindo naturalmente e o imunizante perde eficácia. É a chamada substituição sorotípica”, explicou Cerqueira Leite.
Além de mais abrangente, a vacina celular desenvolvida no Butantan não sofre com a tal substituição sorotípica.
Outra vantagem está no preço. “Embora seja difícil definir valores antes que o imunizante seja aprovado e comece a ser produzido, estima-se algo próximo a 2 dólares. Atualmente, a vacina 13-valente custa cerca de 60 dólares na rede privada e 15 dólares no Sistema Único de Saúde”, comparou a cientista.
A redução no preço está atrelada à menor complexidade do processo produtivo. “Para fazer a 13-valente, é preciso produzir em cultura cada um dos 13 sorotipos e, em seguida, purificar cada uma das variações bacterianas”, explicou. “São várias etapas, é muito trabalhoso e todo o processo leva quase dois anos”, completou. Já o novo imunizante pode ser produzido em até dois meses, de acordo com Cerqueira Leite.
Até o momento, foram concluídas a primeira fase (análise de segurança e toxicidade) e a segunda (avaliação da resposta imune) dos ensaios clínicos. A terceira etapa, ainda sem previsão para começar, envolve um número maior de pessoas e testa efetivamente a eficácia da vacina por meio da comparação entre uma população imunizada e outra que recebeu apenas placebo.