Vacina contra esquistossomose estará disponível no SUS em 2025
Imunizante inédito contra essa doença negligenciada está sendo desenvolvido pela Fiocruz, com tecnologia 100% brasileira
Nos próximos meses, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) concluirá o processo de produção da vacina Schistovac contra esquistossomose. O imunizante deverá estar disponível para o Sistema Único de Saúde (SUS) no final de 2025.
Esta é a primeira vacina do mundo contra a esquistossomose, que é considerada uma doença parasitária negligenciada.
O nome do imunizante deriva do Schistosoma mansoni, verme que causa a enfermidade e pode ser encontrado em regiões da América Latina, Ásia e África.
A vacina usa um antígeno (substância que estimula o sistema imune a produzir anticorpos), e não o parasita. Nesse caso, o antígeno é a proteína Sm14, sintetizada a partir do Schistosoma mansoni.
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A vacina é um projeto antigo da Fiocruz que está chegando à fase final neste ano, destacou, nesta segunda-feira (12) em entrevista à Agência Brasil, a pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz Miriam Tendler. A fórmula inédita está sendo desenvolvida e será patenteada pelo IOC/Fiocruz.
Ensaios clínicos
O projeto entrou em fase clínica entre 2010 e 2011. Até agora, foram feitos cinco testes importantes.
As fases 1 e 2 foram realizadas no Brasil em área não endêmica, após processo regulatório na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Depois, mais testes da fase 2 passaram a ser feitos em no Senegal, em um centro ligado ao Instituto Pasteur de Lille, na França, localizado em área endêmica daquele país africano.
As pesquisas foram realizadas primeiro em adultos e, depois, em crianças. Agora, encerrada a parte de campo, está sendo realizado o processamento de dados.
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“Foi introduzida uma modificação no esquema de vacinação que vai substituir o esquema original”, informou Miriam Tendler. Assim como ocorreu com os imunizantes da Covid-19, ajustes no número de doses e no intervalo entre elas poderão ser feitos posteriormente.
“A gente propôs, e o Ministério de Saúde do Senegal concordou. Adotamos um protocolo que é igual ao da Covid e de outras doenças, que são duas doses, com intervalo de um mês entre si e, depois, quatro meses para a terceira dose”. Segundo a pesquisadora, esse protocolo induz a uma resposta melhor.
O processo sofreu atraso de alguns meses em razão do período mais agudo da pandemia causada pelo Sars-CoV-2. “O grande ganho nesse período, nos últimos dois anos, foi o escalonamento do processo de produção em larga escala”, destacou ela.
A partir desse processo, foi produzido um novo lote, que foi validado. De acordo com Miriam, isso tudo vai agregando valor à tecnologia, que é toda do Brasil.
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“Agora, estamos preparando a fase 3 em um número que alcance, no total, 2 mil pessoas, por uma questão de segurança, de modo a poder passar pelo crivo de pré-qualificação da Organização Mundial da Saúde [OMS]. Isso será feito até o final deste ano. Em oito meses, a gente finaliza”, assegurou.
A fase 2, que envolveu a vacinação de voluntários e a avaliação de segurança, foi concluída em fevereiro de 2023, mas o relatório sobre ela ainda não foi liberado. “A avaliação da imunogenicidade está sendo aguardada. É um processo complexo.”
A análise da resposta imunológica e da imunogenicidade da vacina está sendo feita no Senegal, onde são estudados os aspectos relacionados aos anticorpos, e na Fiocruz, encarregada de examinar a parte dos linfócitos que estão sendo transportados para o Brasil.
Vacina humanitária
A esquistossomose é uma doença endêmica em 74 países da África. Miriam Tendler afirmou que, com a produção da vacina contra a doença pela Fiocruz, pela primeira vez, o Brasil entra como fornecedor da tecnologia de ponta.
Normalmente, o país produz o imunizante, mas compra a tecnologia. “E desta vez será fornecedor de tecnologia. Isso inverte o paradigma de a gente estar comprando do Hemisfério Norte ou da Ásia, como foi o caso da covid. A gente vai se capacitar através de Bio-Manguinhos.”
A transferência da tecnologia para o Instituto Nacional de Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), outra unidade da Fiocruz, já vem sendo trabalhada.
Ela destacou que a Fiocruz assumiu o completo comando da fase final, inclusive da etapa de produção da vacina. Isso deverá ocorrer no contexto de uma vacina humanitária, que reúne o formato e tecnologia de produtos estipulada pela Organização das Nações Unidas (ONU).
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Os produtos direcionados para populações de baixa renda são, preferencialmente, comercializados dentro de um critério muito restrito. Não vão ser doados. Segundo a pesquisadora, para os países da África, a vacina vai ser distribuída pela Fiocruz, “no contexto de uma vacina humanitária” e “isso tem grande importância”.
Esses dados também têm uma importância política. Isso porque o escritório diplomático brasileiro em Genebra, chamado Missão Permanente do Brasil junto à ONU, está apoiando a Fiocruz na elaboração de um trabalho junto aos países africanos.
A colaboração visa a criação de um fundo de financiamento que permita viabilizar o fornecimento da Schistovac como uma vacina humanitária, com sua introdução no calendário de imunização dos países endêmicos.
Risco
Atualmente, 800 milhões de pessoas vivem em áreas de risco, sujeitas à esquistossomose. Hoje, já são 300 milhões de infectados no mundo inteiro. A doença não é de alta mortalidade, mas tem altíssimo impacto, sobretudo nas populações dos países que precisam da sua população jovem para se desenvolver.
Embora os dados relativos ao Brasil sejam incompletos, Miriam Tendler estima que 2% da população seja afetada pela esquistossomose, com ocorrências maiores na Região Nordeste e no sul de Minas Gerais. Há, contudo, focos se disseminando para o Sul e o Sudeste do país, em regiões sem saneamento básico.
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“É uma doença que está em expansão”, afirmou a pesquisadora. Também conhecida como barriga d’água, a esquistossomose é ligada a baixas condições sanitárias e à falta de saneamento básico. “O acesso à água potável e saneamento básico é uma questão humana inquestionável”, disse.
Miriam Tendler avaliou que, a partir da tecnologia da Fiocruz, não há razão para não se produzir vacinas para outras doenças parasitárias. “Hoje a gente tem tecnologia para fazer vacina. Não tem porque não fazer vacina para todas as doenças parasitárias. A gente está abrindo uma porta e espero que, atrás da gente, venham imunizantes para outras enfermidades.”
A Fiocruz está engajada em uma plataforma de vacinas antiparasitárias. Embora as vacinas contra hanseníase e leishmaniose estejam sendo desenvolvidas com tecnologia não brasileira, a pesquisadora ressaltou que o importante é que a Fiocruz também está envolvida.