A coceira e as erupções cutâneas avermelhadas na pele, muitas vezes seguidas de inchaço, são as principais características da urticária. Mas o fato é que esse problema tem diferentes origens e graus de intensidade.
Ele pode, por exemplo, dar as caras após a ingestão de um alimento que provoca alergia. Ou ser deflagrado pelo frio. Ou ainda não ter causa definida — e durar por tempo indeterminado.
São tantas as dúvidas sobre a urticária (um mal que soma mais de 2 milhões de casos por ano no Brasil), que resolvemos entrevistar o imunologista Allen Kaplan, da Universidade da Carolina do Sul, nos Estados Unidos.
Kaplan é um dos mais prestigiados especialistas nessa desordem e, durante a entrevista, revela o que fazer para lidar com essa chateação. “Um impedimento para o bom tratamento é a desinformação”, conta. Confira:
SAÚDE: Um estudo recente colocou a urticária como um dos problemas de pele que mais afetam a qualidade de vida. Por quê?
Allen Kaplan: Quando crônica, a urticária traz grandes efeitos negativos para o bem-estar. As lesões podem desfigurar quando aparecem na face e afetam a socialização, o trabalho, a escola.
O maior sintoma dessa doença é a coceira e isso também é muito desconfortável, se não controlada. Veja: a coceira interfere com o sono, que então afeta o funcionamento no dia seguinte.
Além disso, 40% dos pacientes tem um inchaço, ou angioedema, associado às lesões. Isso pode acometer rosto, lábios, língua ou até a garganta. Se o inchaço é severo, visitas ao pronto-socorro são necessárias, o que cria ansiedade a todo momento. Já foi documentado que os efeitos da urticária crônica atrapalham a qualidade de vida na mesma medida que a insuficiência cardíaca grau 3.
Quais fatores podem disparar uma crise?
Antes é importante distinguirmos os diferentes tipos de urticária. A versão aguda e autolimitada, durando menos de seis semanas. Geralmente, é uma reação alérgica a uma comida ou remédio. Em crianças, infecções virais são associadas a urticária aguda, em geral com uma ou duas semanas de duração.
Há ainda um grupo de urticárias crônicas ou intermitentes decorrentes de estímulos físicos. Um exemplo é a urticária induzida pelo frio, que surge após o contato com objetos gelados ou mesmo com o vento batendo no rosto.
Outro é o dermografismo, um tipo de urticária disparada ao esfregar ou coçar a pele. Isso gera mais coceira, que gera mais lesões, que gera mais coceira… Ainda temos a urticária induzida pelo calor, associada a exercícios, superaquecimento e suor, e a urticária solar, que vem da exposição a raios de luz específicos. Há vários tipos, enfim.
E aí há a urticária crônica espontânea, que dura mais de seis semanas. Comumente, ela perdura por meses ou até anos, com sintomas quase diários para os quais não há causa evidente. Essa é a desordem à qual me referi na pergunta anterior.
Em alguns pacientes, a aspirina ou medicações parecidas com ela aumentam a severidade dos sintomas, mas isso não é a regra. O papel do estresse é considerado com frequência, mas a relação pode ser inversa, porque sabemos que esse problema ocasiona muito estresse. Provar o outro lado é difícil.
A urticária pode colocar a vida em risco?
A versão crônica não. Um inchaço na garganta pode dificultar o ato de engolir, mas é incomum. Só que mesmo isso não provoca um edema considerável, como visto em outras disfunções. A respiração não é afetada.
Agora, a urticária induzida pelo frio foi associada a afogamentos. Com uma exposição tão grande do corpo à água fria, as lesões eventualmente causam uma liberação grande de histamina, uma queda na pressão e tontura. Aí, se a pessoa desmaia na água, pode se afogar.
O tratamento da urticária evoluiu?
Ele progrediu bastante em 2008, com o advento do omalizumabe [da farmacêutica Novartis], especificamente para o tratamento da urticária crônica espontânea resistente aos anti-histamínicos ou de urticárias físicas que respondem mal ao tratamento. Nesse grupo mais resistente, a taxa de sucesso desse remédio é de 70% ou mais.
Não tínhamos uma terapia com uma magnitude de efeitos positivos tão positiva. E com um perfil de efeitos colaterais excelente. É, portanto, uma alternativa segura.
Então como lidamos com a urticária hoje em dia?
Os tipos agudos são tratamentos com anti-histamínicos e, se graves, com um pouco de corticoides. Evitamos os corticoides por causa das reações adversas, que se intensificam com o aumento da dose e da duração.
Já para as urticárias físicas, recorremos ao uso profilático de altas de doses de anti-histamínicos. Se isso não funciona, partimos para o omalizumabe. Uma exceção é a urticária de pressão, em geral resistente aos anti-histamínicos. Aí o omalizumabe é a droga de escolha. Às vezes, esse tipo da desordem também responde a ciclosporina. Os corticoides podem ser empregadas, mas apenas por períodos breves, durante crises graves.
O tratamento para a urticária crônica espontânea é um pouco diferente. Damos anti-histamínicos até quatro vezes ao dia. Entre a quase metade de pacientes resistentes a esse remédio, utilizamos o omalizumabe. Se nenhum dos dois alivia os sintomas suficientemente, recomenda-se as ciclosporina.
Quais as principais barreiras para o bom atendimento das pessoas com urticária?
Há várias, particularmente para a crônica espontânea. É, por exemplo, imperativo usar altas doses de anti-histamínicos antes de assumir que o paciente é resistente.
Já quando essas drogas falham, medicações ultrapassadas seguem sendo recomendados, o que leva à perda de tempo e a um sofrimento desnecessário. Os médicos deveriam saber que o omalizumabe é a opção a ser receitada assim que os anti-histamínicos se mostram insuficientes. Embora os corticoides ainda sejam usados nesse cenário, e com resultados até satisfatórios, as doses são comumente altas, o que acarreta efeitos colaterais proibitivos.
Um impedimento para o bom tratamento é a desinformação. A urticária crônica espontânea não é hereditária, não mata e não afeta a saúde geral. Ela não está relacionada à alimentação ou ao que qualquer coisa que alguém faça. Ficar procurando por causa externas é improdutivo. O problema deveria ser visto como uma doença dermatológica interna, talvez autoimmune, em que as células de defesa atacam o corpo. Por outro lado, ela não está ligada a outras doenças autoimunes graves.