The Last of Us da vida real? Conheça fungo que preocupa cientistas
Artigo recente analisa como mudanças climáticas podem favorecer proliferação de fungos – de uma espécie diferente dos que geram a epidemia na série

Na série The Last of Us, adaptação do videogame de mesmo nome exibida pela HBO, os fungos são praticamente protagonistas: os personagens Ellie e Joel tentam sobreviver em uma versão apocalíptica dos Estados Unidos, onde uma espécie de fungo passou a infectar pessoas e transformá-las em zumbis, dizimando mais da metade da população.
No último mês, um artigo (ainda em fase pré-publicação) colocou o holofote sobre o gênero de fungos Aspergillus, que pode trazer riscos à saúde humana frente à crise climática. Com a mudança de temperaturas, a distribuição global das espécies desse gênero fúngico – causador de infecções pulmonares em pessoas com sistema imune vulnerável – deve ser alterada.
A previsão acendeu um alerta: será que os Aspergillus podem, no futuro, causar uma epidemia micológica similar à retratada em The Last of Us?
Por enquanto, é improvável. A espécie Aspergillus sequer é a mesma que serviu de inspiração para o videogame e a série. Na ficção, os autores se basearam na infecção causada pelos fungos do gênero Cordyceps – que atinge insetos e aranhas, e não humanos. Mesmo assim, uma epidemia causada pelos Aspergillus é um cenário distante segundo os cientistas.
Entenda as diferenças entre as espécies e saiba o que há de realidade na série ficcional.
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Por que a mudança no padrão dos Aspergillus preocupa?
Com uso de modelos computacionais e de dados sobre o aquecimento global, os autores do artigos (ainda não publicado em uma revista científica) apontaram que a crise climática deve alterar a dispersão de três espécies de fungos pertencentes ao gênero Aspergillus.
Alguns desses micro-organismos preferem climas temperados e, outros, temperaturas mais elevadas. Com a mudança climática, o padrão global de disseminação dos fungos deve mudar também. A alteração nas dinâmicas de chuvas, para além da temperatura, pode fazer com que se verifique níveis mais altos de esporos circulando no ar – e são eles que espalham o fungo por aí.
As espécies de Aspergillus causam infecções em humanos, em mamíferos e plantas. A aspergilose, infecção em humanos, é preocupação entre quem tem o sistema imunológico comprometido ou doenças pulmonares pré-existentes.
A condição pode ser fatal em parte significativa dos casos. A estimativa é de que 1,8 milhão de pessoas morram a cada ano devido ao quadro de aspergilose invasiva, que ainda pode ser resistente ao tratamento.
Uma das preocupações dos cientistas é que a alteração nas temperaturas globais torne os fungos mais tolerantes ao calor, o que favoreceria a infecção em humanos – já que os micro-organismos poderiam sobreviver à temperatura corporal. Mas esse cenário ainda não conta com evidências concretas. Uma das principais preocupações suscitadas pelo estudo é que essas espécies afetem as safras de plantações usadas para consumo humano.
O artigo, publicado no início de maio, transformou os Aspergillus em matéria de manchetes a partir da comparação com o fungo de The Last of Us. Mas as doenças provocadas pelo Aspergillus e pelo fungo de The Last of Us são bem diferentes (assim como o alvo afetado).
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Os Cordyceps podem infectar humanos?
Por enquanto, nenhum fungo é capaz de trazer o apocalipse de The Last of Us da ficção para a realidade. Inspirados no gênero de fungos Cordyceps, os roteiristas criaram um enredo em que o aumento da temperatura no planeta causa mutações nessa espécie de fungo, que se torna capaz de infectar humanos.
Os infectados passam a se comportar como zumbis, e a mordida transmite a infecção para outras pessoas.
Mas, na realidade, o Cordyceps é inofensivo para seres humanos. Para ser capaz de nos infectar, esse gênero de fungos precisaria passar por adaptações que o permitisse sobreviver em temperaturas mais altas, e cientistas apontam que esse cenário hipotético levaria milhares de anos para se desenrolar.
O comportamento dos infectados na série é inspirado na ação da espécie Ophiocordyceps em formigas carpinteiras. Durante a infecção, neurotoxinas são liberadas e alteram o comportamento dos insetos, que saem do formigueiro e buscam um lugar adequado à reprodução fúngica.
Em um ambiente úmido, aquecido e um pouco elevado do chão, a formiga morre e o fungo continua a crescer, se alimentando da carcaça do inseto e se proliferando a partir de micélios que liberam esporos.
Cada tipo de Ophiocordyceps ataca e parasita um artrópode específico. O “fungo zumbi” foi descoberto em 1859 e, para além de inspirar na ficção, é usado até pela medicina, em especial a chinesa. Os Cordyceps contam com compostos investigados por sua ação anti-inflamatória, imunomoduladora, dentre outras.
Embora poucos fungos tenham a capacidade de parasitar humanos, mas a alta no número de infecções fúngicas mundialmente pode ser motivo para preocupação. Um dos mais perigosos é o Candida auris, “superfungo” que costuma aparecer em ambientes hospitalares.