Um estudo europeu, publicado no The Lancet Oncology, constatou que a presença de sequelas após a infecção pelo coronavírus é capaz de prejudicar o andamento do tratamento contra o câncer.
Entre aqueles pacientes que ficaram debilitados por causa das consequências de ação do vírus, 15% tiveram que interromper o tratamento, o que aumentou o risco de morte, e 38% passaram por adaptações em suas terapias.
A observação ocorreu em hospitais da Bélgica, França, Alemanha, Itália, Espanha e Reino Unido ao longo de um ano.
“Dos 2 634 pacientes avaliados, 15% tiveram sequelas, sendo que quase 50% sofreram de problemas respiratórios, e 41% sentiram fadiga. A chance de padecer das consequências da Covid foi maior em homens com mais de 65 anos, com histórico de tabagismo e comorbidades”, descreve Fernando Maluf, diretor do Serviço de Oncologia Clínica do Hospital BP Mirante de São Paulo e fundador do Instituto Vencer o Câncer.
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A descoberta serve de alerta para que médicos busquem novas estratégias de tratamento da Covid-19 para pessoas com câncer.
“Esse é o primeiro estudo apontando que os infectados pelo coronavírus de forma mais grave precisam ter uma reabilitação respiratória [por meio da fisioterapia] extremamente precoce para reduzir o risco de sequelas”, exemplifica o oncologista.
O estudo não conseguiu avaliar se ocorreram menos sequelas entre indivíduos com câncer após a vacinação contra a Covid-19, porque ele foi encerrado em fevereiro deste ano, quando a imunização global ainda estava no início.
Quarentena também atrapalhou diagnóstico e prevenção
O isolamento necessário para conter a pandemia do coronavírus reduziu o acesso de pessoas com câncer aos seus tratamentos.
Ainda no ano passado, pesquisadores da University College London checaram dados de hospitais e descobriram uma redução de 76% nos encaminhamentos urgentes de pessoas com suspeita de ter um tumor. Houve também uma queda de 60% nos agendamentos de quimioterapia em comparação a um período anterior à disseminação do coronavírus.
Esse atraso no tratamento poderia levar, em um ano, a 6 270 mortes adicionais entre pacientes com novo diagnóstico de câncer na Inglaterra — um aumento de aproximadamente 20%. Ao incluir na conta as pessoas que já enfrentam um tumor, o número de óbitos adicionais saltaria para 17 915.
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A prevenção também ficou de lado nesse período. Nos Estados Unidos, a empresa Epic, fabricante de registros médicos eletrônicos, notou que as consultas para exames de câncer de colo de útero, cólon e câncer de mama despencaram entre 86 e 94% em março — levando em conta os agendamentos ocorridos nos três anos anteriores ao primeiro caso de Covid-19 confirmado no país.
No Brasil, a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) conduziu um levantamento com a participação de 30 ONGs associadas. Por meio de um comunicado enviado à imprensa, a entidade relatou que em 25 cidades — sendo 12 capitais —, as maiores queixas das pacientes foram cancelamento de consultas (32,3%) e de cirurgias (22,6%), além da falta de data disponível para exames de diagnóstico (16,1%).
No ápice da pandemia, em 2020, as sociedades brasileiras de Patologia e Cirurgia Oncológica calcularam que, entre março e maio, 50 mil diagnósticos deixaram de ser feitos no país. É uma cifra que pode ser ainda maior, se considerarmos a projeção do Instituto Nacional de Câncer (Inca) de 600 mil novos casos da doença por ano.
A situação preocupa os especialistas, que estão prevendo um aumento no número de mortes por câncer no mundo inteiro devido ao coronavírus.