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Mortes por câncer devem subir no mundo por causa do coronavírus

As medidas para conter o novo coronavírus podem resultar em menos diagnósticos de tumores e no adiamento do tratamento. Mas não precisa ser assim

Por Thaís Manarini
Atualizado em 18 ago 2020, 10h46 - Publicado em 14 Maio 2020, 19h25
câncer coronavírus
Por causa da pandemia de coronavírus, muitos diagnósticos de câncer podem acontecer tarde demais (Ilustração: Eber Evangelista/SAÚDE é Vital)
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A pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2) virou o mundo de cabeça pra baixo. Por se tratar de um agente infeccioso desconhecido, ainda não há uma vacina para preveni-lo nem remédios para acabar com ele. No momento, a única medida eficiente para frear o contágio é o isolamento social. Pois diversos dados começam a indicar que esse contexto trará impactos sérios no tratamento do câncer – elevando, inclusive, as mortes em decorrência de tumores.

Um dos estudos que aponta nessa direção vem do Reino Unido e está em fase de revisão – ele será publicado no The British Medical Journal (BMJ). Pesquisadores da University College London analisaram dados semanais de oito hospitais em tempo real e descobriram uma redução de 76% nos encaminhamentos urgentes de pessoas com suspeita de câncer, além de uma queda de 60% nos agendamentos de quimioterapia em comparação a um período anterior à disseminação da Covid-19.

Para ter ideia, os cientistas calculam que, nos próximos 12 meses, a Inglaterra pode encarar 6 270 mortes adicionais entre pacientes com novo diagnóstico de câncer — um aumento de aproximadamente 20%. Ao incluir na conta as pessoas que já enfrentam um tumor, o número de óbitos adicionais saltaria para 17 915.

“Muitas pessoas que fariam exames de rastreamento oncológico vão deixar de realizá-los neste ano”, aponta oncologista Fernando Maluf, um dos fundadores do Instituto Vencer o Câncer (IVOC). Falamos de procedimentos como mamografia, colonoscopia, papanicolau, toque retal, tomografia de pulmão e por aí vai.

Outros levantamentos evidenciam a dimensão do problema. Nos Estados Unidos, a empresa Epic, fabricante de registros médicos eletrônicos, notou que as consultas para exames de câncer de colo de útero, cólon e câncer de mama despencaram entre 86 e 94% em março — levando em conta os agendamentos ocorridos nos três anos anteriores ao primeiro caso de Covid-19 confirmado no país.

Por aqui, a Femama (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama) conduziu um levantamento com a participação de 30 ONGs associadas. Por meio de um comunicado enviado à imprensa, a entidade conta que, em 25 cidades — sendo 12 capitais —, as maiores queixas das pacientes têm sido o cancelamento de consultas (32,3%) e de cirurgias (22,6%), além da falta de data disponível para exames de diagnóstico (16,1%).

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Há mais dados preocupantes em território nacional. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica e a Sociedade Brasileira de Patologia, junto aos principais serviços de referência do país (nas redes pública e privada), divulgaram que de 50 a 90 mil brasileiros podem ter deixado de receber a confirmação do câncer nos dois primeiros meses de pandemia.

Para ter ideia, entre 11 de março e 11 de maio de 2020, a rede pública de São Paulo contabilizou 5 940 biópsias. No mesmo período de 2019, aconteceram 22 680. Ainda do ano passado para cá, um centro de referência no Ceará computou a queda de 18 419 para 4 993 biópsias. Um serviço que atende em Minas Gerais registrou uma redução de 8 402 para 1 676. São diferenças gritantes.

A demora para realizar consultas e exames pode significar, no fim das contas, um atraso na descoberta do câncer. “Muitos tumores serão diagnosticados em fase mais avançada do que aconteceria normalmente”, resume Maluf.

“Quanto mais agressiva a doença no momento do diagnóstico, mais os casos são inoperáveis, dependendo de abordagens mais agressivas e tóxicas e com menor chance de cura”, alertou o médico patologista Clóvis Klock, presidente do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Patologia, em comunicado à imprensa.

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Quando o câncer já foi diagnosticado

Nesse caso, Maluf explica que os índices de morte podem subir por causa de uma limitação do sistema de saúde em atender os pacientes oncológicos (com redução de leitos e serviços médicos, por exemplo) e também por uma preferência da própria pessoa em se afastar do hospital nesse momento.

Mesmo quando a pandemia estiver arrefecendo, é possível que essa turma se mostre relutante em prosseguir com o tratamento. “Todo mundo está muito impactado emocionalmente com a Covid-19”, avalia Maluf. “Por mais que os ambientes hospitalares estejam trabalhando em alta segurança, a percepção do paciente não é essa”, acrescenta.

Para que o tratamento não saia tão afetado, o oncologista elaborou, junto a colegas, um documento completo sobre possíveis mudanças de conduta no tratamento do câncer durante a pandemia. O material, desenvolvido no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, oferece aos médicos opções de ajustes que são validadas pela ciência.

“Em certos casos, um medicamento endovenoso [ou seja, aplicado diretamente na veia do paciente] pode ser substituído por um oral”, exemplifica Maluf. Com isso, o indivíduo não precisa se deslocar até o hospital — nem interromper os cuidados.

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O oncologista lembra ainda que, para quem não está em tratamento ativo contra um tumor ou faz uso de remédio com baixo risco de complicação, uma alternativa viável é seguir com as consultas com a ajuda da telemedicina. O crucial é estar em contato com o médico para encontrar o melhor caminho.

“Tudo isso serve para a gente não perder o foco no câncer, mas manter um olhar adicional para a Covid-19, minimizando o risco de uma infecção”, diz.

A Covid-19 em pacientes com câncer

Muito se discute sobre a probabilidade de morte caso uma pessoa que já convive com um tumor seja infectada pelo novo coronavírus.

Em estudo recente publicado na edição online da Cancer Discovery, 218 pacientes oncológicos de Nova York que contraíram a Covid-19 foram acompanhados por 22 dias. Desses, 61 vieram à óbito.

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A taxa de letalidade pela Covid-19 foi, portanto, de 28% nesse subgrupo. A título de comparação, na população americana em geral ela gira em torno de 5,8%.

Um dos autores do trabalho afirmou, em comunicado à imprensa, que esse índice elevado parece estar mais associado a questões como fragilidade, idade e presença de outras doenças.

Por isso, em vez simplesmente interromper as terapias, o mais importante é encontrar estratégias para minimizar a exposição dos pacientes ao novo coronavírus e reavaliar as formas de tratamento.

Segundo Fernando Maluf, a literatura de fato vem indicando que ser um paciente oncológico não torna um indivíduo imediatamente mais suscetível aos perigos do coronavírus.

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“Até o momento, o grupo de risco é formado por pacientes com tumores hematológicos [leucemias, linfomas e mielomas], pessoas em tratamentos que impactem na imunidade, como a quimioterapia, além de recém-operados e portadores de tumores muito avançados e que apresentem grande debilidade física”, lista o médico.

Caso desenvolva a Covid-19, um paciente em remissão – quando não há mais sinais do câncer no corpo – ou em tratamento que não represente prejuízos ao sistema imunológico tende a ter um risco de complicações igual ao de pessoas com a mesma idade e situação de saúde.

Dito isso, cabe destacar que a nova pandemia certamente é um desafio a mais para todo mundo com suspeita ou diagnóstico confirmado de câncer. Mas lidar com o tumor ainda deve ser considerada a prioridade número um.

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