Assine VEJA SAÚDE por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Seca na Amazônia: bomba relógio para doenças de potencial pandêmico

Degradação ambiental e a alteração nas paisagens são fatores associados que se agravam em períodos de seca extrema, como a que atinge a região agora

Por Camila M. Romano, da Universidade de São Paulo (USP)*
6 nov 2023, 17h56

Lar da maior biodiversidade do planeta, a Amazônia também é uma bomba relógio para o surgimento ou ressurgimento de doenças de potencial pandêmico. Isto porque a degradação ambiental e a alteração nas paisagens são fatores importantes neste processo, que se agravam em períodos de seca extrema, como a que atinge a região agora.

Na Amazônia em particular, a pavimentação da BR-319, ligando Porto Velho a Manaus, é fonte significativa de preocupação.

As estimativas mais conservadoras preveem que o desmatamento no entorno da estrada deve triplicar nos próximos 25 anos, principalmente devido à especulação fundiária. O que piora pelo fato de que 90% da zona diretamente afetada consiste em áreas de floresta intocada.

E o desmatamento não é uma situação estática, mas dinâmica e imprevisível, resultando na fragmentação das florestas, aumentando o risco de incêndios e reduzindo a biodiversidade das áreas afetadas.

A associação entre a ação humana na Amazônia, como a pavimentação da BR-319 e a exploração ilegal de áreas para mineração, as mudanças climáticas, migrações desordenadas e desenvolvimento social precário cria um ambiente propício para o surgimento e ressurgimento de doenças.

+ Leia também: Com mundo mais quente, aumenta o impacto das mudanças climáticas na saúde

Doenças conhecidas…

Este processo pode acontecer de diferentes formas. A degradação de áreas conservadas, o desvio de rios e a seca extrema, por exemplo, levam à escassez de água e alimentos. E isto representa uma ameaça direta de desnutrição, afetando a saúde das populações locais, deixando-as mais vulneráveis a doenças já conhecidas.

Continua após a publicidade

A falta de água limpa e a má higiene em condições de estiagem também aumentam o risco de doenças transmitidas por água e alimentos contaminados, como cólera e hepatite, e viroses que causam diarreias graves, como as rotaviroses.

Agravando o quadro, a incidência de doenças associadas à má preservação de peixes, como a rabdomiólise (doença da urina preta) – que não é infecciosa -, também sobe durante secas extremas.

+ Leia também: Amplitude térmica: mudança brusca de temperatura faz mal à saúde

O aquecimento global também é um fator crítico neste processo, permitindo a expansão da presença de mosquitos transmissores de doenças como malária e dengue.

Um aumento de poucos graus na temperatura média do planeta pode possibilitar a colonização de áreas anteriormente inacessíveis a esses vetores, pois requerem de condições de temperatura e umidade relativamente altas.

Já em regiões onde eles estão presentes, a degradação do ambiente pode aumentar ou diminuir os períodos de chuva, favorecendo alagamentos e manutenção de água empoçada, e facilitando sua proliferação.

Continua após a publicidade

Leia também: Cidades mais verdes respiram melhor

Não à toa, doenças transmitidas por vetores são casos clássicos da ocorrência de surtos em função de desequilíbrio ambiental.

A recente crise humanitária dos Yanomami, tragédia causada pela mineração ilegal, grilagem e falta de acesso a serviços de saúde, é um exemplo.

Além da contaminação das águas e do ambiente por mercúrio, a atividade de mineração criou um ambiente favorável para a reprodução e disseminação de espécies de mosquitos do gênero Anopheles, o transmissor do protozoário causador da malária.

Isso ocorre porque a escavação de ravinas para a extração de ouro e minerais gera poças d’água que funcionam como locais artificiais de reprodução. Além disso, a atividade de mineração aumenta a população humana nessas regiões remotas, o que facilita a disseminação da malária.

Em termos numéricos, enquanto entre 2008-2012 cerca de 20% dos casos de malária ocorreram em território Yanomami, entre 2018-2022 quase 50% dos casos afetaram essa população.

Continua após a publicidade

+ Leia também: Dengue, fungos, Covid… Os micróbios que preocupam os infectologistas

E novas doenças

Mas, sem dúvida, as doenças infecciosas, especialmente as zoonóticas (transmitidas de animais para pessoas), são as mais preocupantes.

Enquanto alguns patógenos (agentes causadores de doenças, como vírus e bactérias) são capazes de infectar uma ou poucas espécies de hospedeiros, outros são mais generalistas e podem, se houver contato e oportunidade, infectar uma grande diversidade de animais.

Esse tipo de “salto” de um hospedeiro a outro ocorre constantemente entre animais em seu habitat natural, por exemplo, de morcegos para primatas não humanos, pequenos roedores e outros mamíferos. Costuma haver, entretanto, um equilíbrio na circulação desses agentes.

Mas quando há a destruição de habitats, seja por qualquer razão (causadas pela Humanidade ou não), as espécies locais migram para áreas mais conservadas em busca de alimentos e abrigo. E isso pode ocorrer justamente em áreas próximas de assentamentos humanos, favorecendo o contato entre animais selvagens e pessoas.

Impossível prever, mas possível vigiar

Infelizmente, a prevenção de zoonoses não é uma tarefa fácil. Embora saibamos que estamos próximos dos limites de uma crise sem retorno, não há um método eficaz que possa prever como, de onde, ou qual será a próxima doença emergente.

Continua após a publicidade

Mas é possível vigiar. Para isso, monitoramos a circulação de vírus e bactérias resistentes em amostras de água, de animais e vetores, e também humanas. Animais “sentinela” como morcegos, roedores e primatas são submetidos a tecnologias de sequenciamento de nova geração para detecção precoce dos agentes circulantes que possam representar uma ameaça à saúde humana.

E, ainda assim, é pouco. Para ser efetiva, a vigilância deve ser constante e abranger esferas locais e nacionais. Embora o Brasil tenha capacidade e infraestrutura técnica básica para isso, poucas ações são de fato aplicadas.

Além da vigilância, precisamos de investimentos em métodos de diagnóstico mais rápidos e precisos, que possam fazer a diferença e ajudar a conter, se não a emergência, a propagação de uma eventual nova doença com potencial pandêmico como a Covid-19.

*Camila M. Romano é bióloga e pesquisadora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

**Conteúdo publicado originalmente no The Conversation.

Continua após a publicidade
Compartilhe essa matéria via:

The Conversation

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja Saúde impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 12,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.