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Sarampo pode prejudicar por anos as nossas defesas contra infecções

Pesquisas apontam uma razão extra para tomar a vacina: ao ser atacado pelo sarampo, o corpo perde parte da memória contra outras doenças

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 31 ago 2020, 12h50 - Publicado em 11 nov 2019, 15h21
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  • Além dos sintomas já conhecidos, o sarampo faz o sistema imunológico se esquecer de como combater outras infecções — e esse efeito perduraria por anos. É o que indicam estudos publicados recentemente nos periódicos Science e Science Immunology.

    “Sabíamos que esse vírus destruía algumas unidades de defesa, mas se acreditava que era um efeito temporário”, afirma Michael Mina, epidemiologista da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e autor de um dos trabalhos. “Agora, nós descobrimos que ele pode apagar boa parte da memória do sistema imune por um longo período”, completa.

    Achados anteriores do grupo de Mina demonstravam um risco maior de morrer de outras infecções por dois ou três anos após uma infecção por sarampo. Mas o que explicaria isso?

    O novo experimento avaliou os anticorpos de 77 crianças não vacinadas antes e dois meses depois de contraírem a doença. A partir daí, verificou-se uma perda de 11 a 73% na concentração dessas moléculas, que são produzidas para combater enfermidades.

    Aqui cabe um adendo. Cada tipo de anticorpo é voltado contra uma infecção específica — e passa a ser fabricado após um contato inicial do corpo com ela. As células de defesa responsáveis pela produção “guardam na memória” esses inimigos para que, em um contato futuro, gerem rapidamente anticorpos capazes de expulsá-los antes que desencadeiem sintomas.

    Pois bem: ainda como parte daquela investigação, macacos foram infectados com sarampo. Cinco meses depois, eles seguiam apresentando níveis 40 a 60% menores de anticorpos contra outros vírus e bactérias. Isso sugere que essa doença destrói as tais células que os produzem, provocando uma espécie de amnésia imunológica.

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    “O tempo prolongado para a recuperação é o que mais chama atenção no trabalho. Nós não notávamos isso na prática no passado, quando havia uma epidemia de sarampo”, comenta Renato Kfouri, infectologista e presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria.

    O que é a memória do sistema imune

    Toda vez que entramos em contato com um oponente da saúde, há dois tipos de resposta. A primeira, chamada inespecífica, recruta glóbulos brancos do sangue para fazer uma linha de defesa primária e conter o ataque.

    Enquanto isso, o sistema imunológico é avisado de que há um agressor desconhecido na área e, então, passa a produzir anticorpos para aquele agente. Aí começa a ofensiva específica. Como dissemos, a receita de bolo desse anticorpo fica armazenada em células de defesa — elas são conhecidas como linfócitos B.

    Daí porque algumas infecções, como o próprio sarampo, só são contraídas uma vez. “Desde o nascimento, a criança é exposta a micro-organismos e forma essa população de células”, comenta Ana Paula Lepique, bioquímica do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP).

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    Como o sarampo apaga a memória

    Os detalhes desse apagão foram demonstrados em outro trabalho, esse conduzido por cientistas de diversos países, liderados pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra.

    O time começou analisando amostras de sangue de crianças que contraíram sarampo e de outras livres dele. Então, sequenciou os genes de dois tipos de linfócitos B: os clones de memória, que já guardam a receita contra um determinado inimigo, e os que ainda estão esperando sua vez de encontrar e registrar novas ameaças.

    “Esses pesquisadores descobriram que, embora o número de células B aumente depois de um tempo, os clones de memória são os que demoram mais para retornar aos patamares normais”, comenta Lepique.

    Esse apagão é reversível, porém seria preciso entrar em contato novamente com os vírus e bactérias que foram esquecidos.

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    Quem teve contato com sarampo precisa reaplicar outras vacinas?

    “Por enquanto, não temos evidências suficientes para traçar essa recomendação”, declara Kfouri. “Administrar as doses de rotina depois de uma infecção de sarampo poderia acelerar a recuperação da memória, mas mais estudos precisam ser realizados para confirmar essa hipótese”, concorda Mina.

    Em casos específicos, os médicos indicam para que a revacinação seja discutida individualmente, com o apoio de exames que contam a quantidade de anticorpos no organismo. O risco de cada um (crianças desnutridas, por exemplo, parecem sofrer mais com essa amnésia) e a presença de surtos de doenças também pesam na balança.

    De qualquer jeito, os estudos recentes reforçam a importância da vacinação contra o sarampo. Até porque o vírus atenuado que está presente na injeção não compromete os linfócitos B. Pelo contrário.

    “Ao tomar a vacina, preservamos a memória do sistema imune e, consequentemente, impedimos infecções adicionais”, comenta Mina. Isso foi comprovado pelos estudos.

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    Vale lembrar que o sarampo é uma doença de fácil transmissão, que ainda está em surto no Brasil. Só em 2019, foram ao menos 14 mortes e 10 mil casos da doença.

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