A sobrecarga do sistema de saúde por causa do coronavírus (Sars-CoV-2) e o próprio receio da população estão gerando o adiamento de vários exames e procedimentos clínicos em hospitais. Mas um artigo publicado no periódico científico The Lancet e escrito por 23 especialistas, incluindo o Brasil, alega que, em certos pacientes, atrasos na realização da cirurgia bariátrica podem culminar em prejuízos sérios à saúde.
Baseado na literatura médica recente, o documento aponta alguns pontos críticos. A principal preocupação envolve pessoas que, por causa da obesidade, apresentam disfunções com potencial de piora rápida. Entre os exemplos, eles citam a disfagia grave (uma dificuldade para engolir alimentos) e a hérnia interna sintomática. Para essa turma, a cirurgia bariátrica deveria ser encarada quase como uma urgência médica.
O artigo também destaca os casos em que o indivíduo, além de obeso, está com o diabetes descontrolado, mesmo com uso de vários remédios. Em situações como essa, a cirurgia bariátrica (também chamada de cirurgia metabólica justamente por ajudar no controle da glicemia e da pressão) precisaria ser feita em 90 dias.
“Quanto mais tempo a gente espera, maior será o risco e menor será o benefício. É incalculável o risco de mortalidade”, relata o cirurgião Ricardo Cohen, coordenador do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. Ele foi o representante brasileiro entre os criadores do documento.
Os pesquisadores trazem dados como o de que o diabetes aumenta o risco de morte por problemas cardiovascular em até 2,6 vezes. A obesidade, por outro lado, favorece hipertensão, insuficiência hepática, câncer, osteoartrite e doença renal crônica. E ambas podem ser contornadas com a cirurgia bariátrica.
Além de correr esses perigos, quem posterga o procedimento pode se beneficiar menos dele. Veja: quando indicada no tempo correto, a cirurgia metabólica é capaz de, em determinadas pessoas, fazer o diabetes entrar em remissão. Só que, quanto maior o tempo convivendo com o diabete, menor a chance de isso ocorrer.
A partir de certos critérios para definir a urgência da cirurgia bariátrica, o artigo encaixa os pacientes basicamente em três categorias. Confira:
Acesso urgente
Pessoas com sintomas severos ou disfunção com potencial de piora rápido, como disfagia grave, hérnia interna sintomática e sérias deficiências nutricionais, necessitam ser operados em até um mês.
Acesso acelerado
Quem apresentar uma das condições abaixo têm que passar pela cirurgia dentro de 90 dias:
- Ameaça razoável de dano ou de eficácia reduzida da operação se ela demorar mais de três meses
- Baixo controle dos níveis de açúcar no sangue, mesmo usando várias medicações. Ou necessidade de tomar insulina por causa do diabetes
- Necessidade de perder peso ou melhorar o metabolismo para permitir outros tratamentos sensíveis ao tempo, como transplante de órgãos ou cirurgia ortopédica
“Não dá para dizer quantos procedimentos isso representaria porque não temos o número exato de pessoas que não têm controle da obesidade e do diabetes”, comenta Cohen.
Acesso padrão
Quem se enquadra nesses pontos pode esperar mais de 90 dias:
- É improvável que o quadro piore ao longo de seis meses
- Disfunção ou sintomas provocados pela obesidade e pelas doenças associadas a ela são leves
- O tratamento não perderá eficiência se a cirurgia demorar mais de três meses
O risco e os cuidados da cirurgia bariátrica em meio à pandemia de coronavírus
Visitas a um hospital aumentam o risco de pegar o coronavírus. E cabe destacar que a obesidade e o diabetes, principais motivos que justificam essa operação, são fatores de risco para complicações da Covid-19.
“Pessoas acima do peso não só têm uma probabilidade maior de apresentar quadros mais graves se forem infectadas, como podem espalhar o vírus por mais tempo”, afirma o endocrinologista Marcio Mancini, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – Regional São Paulo (SBEM-SP).
Mancini acredita que, no momento atual, esses indivíduos precisam ficar em casa, adotar todas as medidas de proteção e não se expor desnecessariamente. Até porque uma operação de grande porte também compromete a imunidade por algum tempo.
Ricardo Cohen pondera que a cirurgia traz rapidamente algumas reações benéficas, que minimizariam o risco de complicações da Covid-19. “Ela diminui a inflamação provocada pela obesidade”, afirma. E há indícios de que processos inflamatórios facilitam a ação desse agente infeccioso.
Entretanto, ele reconhece que é imprescindível realizar a cirurgia bariátrica em centros bem separados do atendimento de casos de coronavírus. E que certas etapas do acompanhamento, como adequação da dieta e dos medicamentos, podem ser realizadas por meio da telemedicina.