Pesquisa: brasileiros desconhecem o perigo do diabetes para o coração
Boa parte dos diabéticos não reconhece a ligação entre sua doença e males cardiovasculares (infarto, AVC), que são as principais causa de morte entre eles
Na última edição do Endodebate, evento que reuniu mais de 600 médicos em São Paulo entre os dias 19 e 20 de julho, o endocrinologista e coordenador da iniciativa Carlos Eduardo Barra Couri repetiu uma frase à exaustão: “Falta de informação mata. E mata do coração!” Seu mantra faz referência a uma das principais descobertas de uma pesquisa inédita apresentada no encontro sobre diabetes.
O estudo, feito pela SAÚDE e pela área de Inteligência de Mercado do Grupo Abril, com a curadoria do doutor Couri e o apoio do laboratório Novo Nordisk, detecta a persistência de um desconhecimento sobre o elo entre o diabetes e os problemas cardiovasculares. O achado é alarmante se levarmos em conta que situações como infarto, AVC e insuficiência cardíaca representam hoje a principal causa de morte entre quem precisa tratar a glicose nas alturas.
Para chegar a essa e a outras conclusões, foram entrevistados 1 439 brasileiros de todas as regiões do país por meio de questionários via internet – 611 indivíduos com e 828 sem diabetes tipo 2, a versão mais prevalente da doença.
A pesquisa Quando o Diabetes Toca o Coração escancara percepções equivocadas capazes de repercutir nos cuidados com a saúde. Praticamente dois terços dos participantes sem diabetes não enxergam a doença como algo muito grave e mais da metade dos cidadãos com o problema tampouco a encara como uma condição extremamente séria.
Na comparação entre os fatores de risco para os males do coração, o diabetes é visto como menos impactante em comparação com outros perigos clássicos, caso da pressão alta e do cigarro. Enquanto a maioria esmagadora dos respondentes associa a doença a amputações, um quarto do público com diabetes e quase metade daqueles sem a condição não concordam ou sabem dizer que existe relação direta entre diabetes e infarto. Ora, a sobrecarga de açúcar no sangue – e tudo que vem na companhia dela – é um prato cheio para o entupimento das artérias.
Para Couri, que também é pesquisador da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, reverter esse cenário de desinformação passa por campanhas, compartilhamento de conteúdo de qualidade e muita conversa no consultório. “Os médicos, especialmente diante de alguém com diabetes, têm o dever de esclarecer e orientar a prevenção das doenças cardiovasculares”, enfatiza. É um assunto de saúde pública: falamos da principal causa de morte no Brasil e no mundo.
Mas por que o diabetes pesa tanto nessa história? Para resumir uma ópera bioquímica um tanto complexa, anos de açúcar dando sopa na circulação geram um ambiente de estresse e inflamação, que, em última análise, leva à obstrução nos vasos (e, aí, infarto e AVC espreitam) e ao enfraquecimento do coração (lá vem insuficiência cardíaca). “Além disso, o diabetes não costuma vir sozinho. É comum estar atrelado a excesso de peso, colesterol alto, hipertensão…”, nota Couri.
É claro que o paciente, devidamente instruído, tem o seu quinhão de responsabilidade. E a pesquisa mostra que, embora as pessoas tenham boa noção de um estilo de vida saudável, há uma dificuldade ou resistência na incorporação desses hábitos.
Nesse sentido, os números mais preocupantes estão do lado de quem tem diabetes. Menos da metade pratica atividade física na frequência recomendada pela Organização Mundial da Saúde – pelo menos três vezes por semana – e, ainda que o tabagismo esteja em queda, tudo leva a crer que gordura e açúcar aparecem mais do que deviam no cardápio.
A balança também preocupa. Mais de 50% dos indivíduos sem diabetes e 70% dos sujeitos com a doença se consideram acima ou muito acima do peso. E o estudo revela que nem metade dos entrevistados foi submetida a uma medida da circunferência abdominal no último ano. “É um exame simples e barato cujo resultado chega a ser mais importante do que os quilos da balança”, diz Couri. A gordura da barriga está associada ao descontrole da glicemia e a um maior risco cardiovascular.
A pesquisa Quando o Diabetes Toca o Coracão acusa um déficit na realização de consultas e exames de rotina. Mais de 20% dos respondentes sem diabetes admitem não ir ao médico pelo menos uma vez ao ano. O público com a doença se sai um pouco melhor: ainda assim, um em cada dez não vai ao consultório uma vez sequer no período de 12 meses.
Alguns exames importantes para averiguar ou monitorar complicações do quadro também passam batido. Exemplos críticos: só 38% dos pacientes fizeram um teste ergométrico, que apura presença de irregularidades cardíacas, e 47% não realizaram (ou não se lembram de ter feito) uma prova da função renal no último ano.
Lacunas significativas de orientação médica e adesão ao tratamento também foram observadas. Pensando nos pacientes com diabetes, em 44% dos casos o profissional que os acompanha não falou sobre problemas do coração na última consulta e, em 16%, se falou, a orientação foi considerada insatisfatória.
O dado reforça a necessidade de abordar mais e de forma contundente o papel da doença nas enfermidades cardiovasculares em consultório. Inclusive para engajar as pessoas a seguirem o plano terapêutico: 34% dos indivíduos com diabetes revelaram não levar ao pé da letra a prescrição na hora de tomar os remédios.
A pesquisa soa outro alarme: parcela expressiva dos entrevistados relata a presença de sintomas que podem indicar comprometimento nas artérias, como tontura, palpitação e dor nas pernas e no peito. No mínimo, eles pedem uma investigação detalhada junto ao médico.
E tem mais um ponto urgente: entre os 87 participantes diabéticos que já tiveram infarto, AVC ou outro perrengue do gênero, mais de um terço admite não ter começado a se cuidar após o episódio e, para a maioria, o profissional não alterou o tratamento do diabetes. “Isso é gravíssimo, porque são as pessoas mais vulneráveis a esses perigos. Tanto os médicos como os pacientes precisam vencer a inércia”, defende Couri.