Dona Pierina será para mim um dos símbolos do que foi o ano da pandemia. Eu não a conheci pessoalmente, apenas por fotos e áudios. Essa mulher de 89 anos, que vivia bem e morava sozinha com seus gatos, deu entrada no hospital em maio após um tombo e precisou operar o fêmur. Minha esposa, que é médica, acompanhou sua recuperação.
Pierina foi para casa e, um mês depois, pegou o coronavírus e teve de retornar ao hospital. Em alguns dias, a doença lhe mostrou sua face cruel: ela enfrentou a tempestade inflamatória, uma das complicações mais assustadoras da Covid-19, e não resistiu. Se não fosse esse vírus, ela estaria aí com a gente.
Outro símbolo deste ano tão desafiador é o engenheiro Milton Oshiro, do Instituto de Medicina Física e Reabilitação da USP, que ajudou a idealizar um equipamento de reabilitação para quem foi internado por Covid-19. Ele faleceu em decorrência da infecção e, junto ao seu grupo, vence o Prêmio Abril & Dasa de Inovação Médica de 2020 na categoria Tratamento, como você pode ver por aqui.
Seja do lado dos pacientes, seja do lado dos profissionais, números não são capazes de expressar a dor e o legado das vítimas da pandemia.
Máscaras, quarentena, hospitais de campanha, negação das autoridades, fake news… As marcas da era da Covid-19 já se mostravam mais de 100 anos atrás, na gripe espanhola, como relatam as historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling no livro A Bailarina da Morte (Companhia das Letras), que resgata o Brasil dos tempos dessa outra peste. Parece que não aprendemos todas as lições no século 21.
O coronavírus, entidade microscópica que subjugou um planeta, gerou um fardo de perdas, sequelas e tristezas, ao mesmo tempo que moveu avanços científicos e tecnológicos inimagináveis. Nos alertou que as doenças infecciosas não são uma página do passado. E nos provocou a sermos mais conscientes, solidários, empáticos e ativos — ainda que a atitude aqui tenha sido ficar em casa. A saúde, que já era direito, virou um dever de todos.
Que essa experiência tão drástica nos faça repudiar quem desprezou ou ainda ignora a Covid-19 — no mínimo, em respeito às vítimas e seus familiares — e nos guie numa jornada de autocuidado, não só contra o vírus, e esperança numa ciência apta a criar exames, remédios e vacinas seguros e eficazes.
Com um nó na garganta, quero dedicar este ano de trabalho em VEJA SAÚDE a dona Pierina, ao professor Milton e a tantos brasileiros que lutaram com a Covid-19… E aos profissionais que se esforçam diariamente para proteger cada um de nós.
Nova era no combate à depressão
Num ano tão deprê, os problemas mentais se aproveitaram de nossas fragilidades para se disseminar ainda mais. Um deles é aquele já apelidado de o mal do século, a depressão. É uma doença séria, que pede atenção de inúmeros setores da sociedade.
Felizmente, um novo olhar, mais amplo, científico e sensível, vem se consolidando em torno do problema, acompanhado da evolução no tratamento. E é isso que você vai ver na reportagem de capa, que ajuda a ressignificar a importância e a maneira de falar sobre o assunto, à luz do que sabem os especialistas.
Esse dossiê, recheado de novidades e reflexões, marca a estreia na redação da repórter Chloé Pinheiro. Colaboradora de longa data destas páginas e do nosso site, a jornalista nos presenteia com sua garra, curiosidade e senso de dever com os leitores.