As estatísticas, infelizmente, assustam: três em cada quatro casos de câncer de ovário são flagrados em fase avançada no país. Entre as razões desse desfecho, que reduz as chances de sucesso do tratamento, estão a falta de sintomas claros da doença e a inexistência de um checkup específico para rastreá-la. Falamos de um tumor que deve atingir, segundo previsão do Instituto Nacional de Câncer (Inca), mais de 6 mil brasileiras em 2017.
Ainda que haja muito trabalho pela frente nessa luta, a ciência tem colhido evidências de que algumas atitudes ajudam a diminuir a probabilidade de encarar o problema, assim como vem sinalizando avanços no diagnóstico e no tratamento da condição. Foi sobre essas questões e outros desafios que falou à SAÚDE o médico Eric Pujade-Lauraine, chefe do Departamento de Oncologia Médica do Hospital Hôtel-Dieu, na França, e uma das principais referências mundiais em câncer de ovário. Ele esteve recentemente em São Paulo para participar do Congresso Internacional de Ginecologia Oncológica a convite da farmacêutica AstraZeneca.
SAÚDE: Por que o diagnóstico do câncer de ovário ocorre de forma tardia na maioria dos casos?
Eric Pujade-Lauraine: O diagnóstico se atrasa porque ainda não há um rastreamento efetivo para a doença e os sintomas são banais (constipação, algumas alterações ao urinar, inchaço…). Como os ovários estão lá dentro do abdômen, também fica mais difícil sondar algo anormal. Assim, a doença pode facilmente se espalhar dentro dessa grande cavidade abdominal sem dar sintomas. Por isso estamos nos esforçando para encontrar um teste sensível e específico para rastrear o câncer de ovário.
SAÚDE: Até que ponto a herança familiar está por trás do problema?
Eric Pujade-Lauraine: Cerca de 15% das pacientes com câncer de ovário agressivo apresentam uma mutação hereditária no gene BRCA. O teste para essa mutação, aliás, deveria ser realizado sistematicamente nas portadoras da doença quando isso é viável técnica e financeiramente. Mas apenas metade das mulheres com câncer de ovário tem uma história familiar significativa.
SAÚDE: Existem medidas capazes de reduzir o risco de se desenvolver o tumor?
Eric Pujade-Lauraine: Pílulas anticoncepcionais contendo estrogênio e progesterona protegem contra a doença. A máxima proteção é obtida após cinco anos de uso e permite uma redução de 50% no risco de câncer de ovário. Gravidez antes dos 30 anos também oferece uma ligeira defesa. O procedimento profilático de retirada dos ovários em mulheres com a mutação do gene BRCA também é altamente protetor.
SAÚDE: Que exames são absolutamente indispensáveis hoje para diagnosticar a doença logo cedo?
Eric Pujade-Lauraine: Por ora, nenhum.
SAÚDE: Quais os principais avanços no tratamento até agora? E as perspectivas para o amanhã?
Eric Pujade-Lauraine: As principais evoluções foram a padronização da cirurgia radical para câncer de ovário inicial ou após o uso coadjuvante da quimioterapia, a evidência de que a linfadenectomia [procedimento para extração de gânglios comprometidos pela doença] pode ser empregada em muitos casos em estágio avançado, o fato de que alguns pacientes podem se beneficiar da cirurgia secundária nos episódios de volta da doença e o aparecimento dos inibidores de PARP [classe de medicamentos de uso oral que interfere em mecanismos de reparo do maquinário interno das células], particularmente em pacientes com a mutação genética do BRCA.
Para o futuro, grandes esperanças são colocadas na imunoterapia [tratamento que ativa as próprias células de defesa para lidar com o tumor] e drogas capazes de reparar danos ao DNA das células e que poderiam estender o alcance dos inibidores de PARP.