Onda de calor: saiba os principais impactos à saúde e como reduzir riscos
Atenção deve ser ainda maior para os mais vulneráveis, como idosos, crianças, gestantes e pessoas com doenças crônicas
Nos últimos dias, o Brasil vivencia recordes de temperatura de uma onda de calor histórica, no que parece ser apenas uma amostra do que está por vir.
Há décadas, cientistas alertam para os perigos do aquecimento global e, agora, fenômenos como esse devem se tornar cada vez mais frequentes.
Em dias mais quentes, todos devem redobrar os cuidados com a saúde. No entanto, a atenção deve ser ainda maior para os mais vulneráveis, como idosos, crianças, gestantes e pessoas com doenças crônicas.
Somados ao calor, o tempo seco e a baixa umidade do ar aumentam problemas respiratórios e cardiovasculares, além de favorecer o ressecamento da pele, desconforto nos olhos, boca e nariz e dificuldade para dormir.
O médico cardiologista Marcelo Franken, gerente de Cardiologia do Hospital Israelita Albert Einstein e diretor da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), explica o que acontece no organismo com a exposição ao estresse térmico causado por altas temperaturas.
“O corpo mantém seu termostato entre 36 e 37 graus Celsius. Quando as temperaturas se elevam, são usados mecanismos para resfriamento, como por exemplo o suor. Em excesso e sem a adequada reposição de fluidos e eletrólitos, ele pode levar à desidratação e à insolação”, diz Franken.
Este é um dos principais perigos em dias muito quentes, segundo o médico.
“A desidratação leva à diminuição da pressão arterial, perda da capacidade de levar sangue com nutrientes para todos os tecidos e alterações de eletrólitos, como sódio e potássio, no sangue”, detalha.
Entre as consequências do quadro, sonolência, confusão mental, desmaios, arritmias, insuficiência renal, acidente vascular cerebral e infarto.
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Veja abaixo algumas dicas práticas para se proteger do calor e, na sequência, cuidados detalhados com a saúde do coração, dos olhos, da pele, do sono e muito mais:
- Manter-se hidratado (dar preferência à ingestão de água, água de coco ou isotônicos)
- Usar vestimentas leves e protetor solar
- Ingerir alimentos frescos, pouco gordurosos ou calóricos
- Procurar permanecer em locais frescos (sombra, ar condicionado ou ventilador)
- Evitar a prática de atividades físicas nos horários de pico do calor (entre 10h e 16h).
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Insolação
A exposição intensa ao sol traz inúmeras consequências, sendo a insolação uma das principais delas.
O termo se refere à perda de capacidade do corpo de regular sua temperatura por causa do calor excessivo, com alguns sintomas semelhantes ao da desidratação.
“Ela é caracterizada por elevação da temperatura, com febre maior que 39,5°C, pele quente, seca e vermelha, dor de cabeça, tontura, náusea, confusão mental até desmaio. Os efeitos duram até o corpo ser resfriado”, diz Franken.
Como agir quando alguém passa mal pelo calor
A temperatura corporal deve ser reduzida de maneira gradativa. A começar por conduzir a pessoa para um local fresco, com sombra e arejado.
Depois, o indicado é remover peças de roupas desnecessárias e oferecer água fria ou gelada. Também são úteis compressas de água fria em áreas como testa, pescoço e virilha.
Com a melhora progressiva, o acometido pode ser levado para um banho frio.
Em casos graves, a temperatura extrema pode levar à morte, especialmente quando os quadros de desidratação e insolação se associam. Nesse contexto, é importante buscar atendimento médico de emergência.
Medidas simples podem ajudar a prevenir o problema, como a proteção com filtro solar, a busca por locais com sombra, uso do chapéu ou boné, e roupas que protegem do contato direto com o sol.
O protetor solar deve ser aplicado 30 minutos antes da exposição para que seja absorvido. O produto deve ser reaplicado a cada duas horas. Além disso, deve ser distribuído em todas as partes do corpo, incluindo mãos, orelhas, nuca e pés.
Saúde cardiovascular
As altas temperaturas estressam o sistema cardiovascular e fazem o coração trabalhar mais. Isso aumenta o perigo de problemas cardiovasculares, como infartos, arritmias e insuficiência cardíaca, especialmente em quem tem doenças crônicas.
“O aumento da temperatura leva à vasodilatação e, com isso, há perda líquida e o sangue fica mais viscoso. Pessoas com insuficiência venosa crônica, por exemplo, sentem piora do quadro e sintomas como dor e peso dos membros inferiores“, diz Julio Peclat, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV).
A situação pode provocar ainda inchaço das pernas, aumentando o risco de trombose e de embolia pulmonar. Em casos mais graves, quando o aumento dos vasos ocorre nas artérias, pode haver complicações como taquicardia, queda da pressão e baixo fluxo de sangue no cérebro.
“A melhor forma de manejar esse problema é buscar usar roupas leves, manter a hidratação, comer bem e praticar atividade física em ambientes protegidos da exposição direta ao sol e das altas temperaturas. O uso de meias elásticas também ajuda”, afirma Peclat.
Para as gestantes, que sofrem de impactos das mudanças hormonais e da circulação, as recomendações anteriores são ainda mais importantes. As dicas incluem ainda repouso nos horários mais quentes do dia, em ambientes arejados, de preferência ao ar livre e longe do sol.
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Proteção dos pequenos
As crianças, principalmente as menores, exigem cuidados especiais. A começar pela pele, que é mais sensível e vulnerável que a dos adultos.
Em dias muito quentes, evite a exposição deles ao sol e passe protetor solar com fator de proteção igual ou acima de 50.
Vale a atenção também para a hidratação. Os pequenos podem se lembrar de beber água somente quando surge a sede. Por isso, precisam ser estimulados com frequência por pais ou responsáveis.
“As crianças devem ingerir principalmente líquidos de boa qualidade como a água filtrada, água de coco e sucos naturais frescos”, afirma o pediatra Luiz Renato Valério, do Hospital Pequeno Príncipe. Só tome cuidado porque bebidas que ficam em garrafinhas fora da geladeira estragam com mais facilidade
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Para facilitar o consumo, vale aumentar a oferta de frutas ricas em água, como melancia, melão, laranja, abacaxi e mamão.
Em casa, mantenha os locais bem ventilados e vista as crianças com roupas leves e confortáveis, evitando tecidos sintéticos e priorizando o algodão.
Se precisar sair, evite andar de carro por períodos prolongados, visto que as temperaturas internas dos veículos atingem níveis elevados. Por fim, banhos mais frequentes e curtos aliviam o calor durante o dia.
As crianças dão sinal de que algo não está bem, deixam indícios de mal-estar, basta ter uma observação atenta e cuidadosa, recomenda a pediatra e hebiatra Talita Lodi, coordenadora do Pronto Atendimento Infantil e da Unidade de Internação Pediátrica do Hospital e Maternidade Sepaco.
“Devemos observar se a criança está irritada, frustrada, sonolenta, se está com muita fome, mas que, na verdade é sede, então vale reforçar a sua hidratação. O desconforto também pode se manifestar por dor de cabeça, tontura, irritabilidade, boca seca ou saliva mais grossa. Isso tudo é sinal de desidratação”, afirma Talita.
Cuidado com os mais velhos
“Os idosos são potencialmente mais suscetíveis aos efeitos adversos da elevação de temperatura corporal e têm um risco maior de desidratação”, afirma o médico Leonardo Brando de Oliva, vice-presidente da Sociedade Brasileira Geriatria Gerontologia (SBGG).
Segundo o médico, a explicação está na perda de funcionalidade de diferentes mecanismos natural do envelhecimento. Um deles é a ausência da sensação de sede, devido aos impactos causados ao sistema nervoso central com o avanço da idade. Outro é o comprometimento da regulação da temperatura corporal.
Os cuidados incluem, como com as crianças, o reforço da hidratação com água e outros líquidos que tornem o consumo mais atrativo.
“No idoso, a gente não pode esperar a sede para ofertar água e outras bebidas. Precisamos estimular a ingestão e isso pode ser feito com águas saborizadas, sucos leves, chás gelados ou água de coco”, recomenda Oliva.
No calor, aumenta o risco de agravamento de doenças respiratórias, principalmente nos mais velhos. A elevação da concentração de poluentes no ar também irrita os pulmões.
“O ar seco representa falta de umidade e isto acaba afetando nosso aparelho respiratório, sendo um grande coadjuvante a predispor infecções de várias origens”, diz o médico Luiz Fernando Penna, clínico-geral e líder do pronto-atendimento do Hospital Sírio-Libanês.
Além disso, a condição climática, como explicamos, pode aumentar risco cardíaco. Para manter a pressão arterial sob controle com os vasos dilatados, o coração precisa trabalhar mais, o que no caso dos idosos pode ser ainda mais perigoso.
Por fim, para eles, o sistema imunológico mais frágil pode ser um facilitador para a entrada no organismo de agentes causadores de doenças.
“Uma alimentação leve, composta de carboidratos, também contribui para uma boa digestão e evitar sintomas de desconforto como azia e enjoos”, diz a médica Sara Morhbacher, clínica-geral do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Atenção aos olhos
Os olhos também são afetados pelo calor intenso, principalmente quando a umidade do ar está baixa.
Um dos principais efeitos é a síndrome do olho seco, alteração na quantidade ou qualidade da lágrima. Segundo o oftalmologista Leôncio Queiroz Neto, presidente do Instituto Penido Burnier, o problema afeta 24% dos brasileiros.
“Os sintomas do olho seco são visão embaçada, sensação de areia nos olhos, ardência, vermelhidão e fotofobia, mas a síndrome pode ser assintomática em 11% dos casos”, explica Queiroz.
A condição é tratada com lubrificantes oculares que trazem alívio ao desconforto. Já o uso de medicamentos deve ser feito somente com prescrição médica.
O que fazer para dormir melhor
A dificuldade para dormir no calor resulta em fadiga, diminuição da produtividade, dificuldades de concentração, alterações de humor e problemas de memória no dia seguinte.
“A pressão arterial baixa por conta da vasodilatação e o aumento de sudorese dificultam o início do sono e sua manutenção”, explica o médico otorrinolaringologista Danilo Sguillar, da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Para que o descanso seja reparador, o adormecimento deve ser contínuo.
“Depois de duas a três horas de sono ininterrupto, há o pico da melatonina, hormônio importante para a saúde. Essa alta é condizente com a queda da curva de temperatura corporal, que não é atingida quando a temperatura externa está alta. Isso faz com que se tenha um sono menos profundo e de pior qualidade”, pontua Sguillar.
O especialista destaca a importância do controle da temperatura do ambiente. Nesse sentido, recursos como umidificadores e o uso de toalhas molhadas no quarto podem ser úteis para amenizar a sensação de secura.
“Precisamos de um espaço propício para embalar o sono no que diz respeito a baixa iluminação, poucos ruídos e bem arejado. É importante tomar bastante líquido, usar roupas leves e umidificar o nariz com soro fisiológico, visto que a respiração pode ficar prejudicada nesse período”, orienta.
Intoxicação alimentar
No calor, a proliferação das bactérias em alimentos pode ocorrer de maneira mais rápida, facilitando quadros de intoxicação alimentar. Os sintomas incluem náuseas, vômitos, diarreia e febre, podendo evoluir para desidratação e mal-estar generalizado.
“Por isso, hoje armazenamos os produtos na geladeira para que eles tenham um tempo maior de duração. É importante evitar o consumo de alimentos que não foram adequadamente guardados, que ficaram muito tempo expostos fora do local ideal e refrigerado”, diz o médico endoscopista Eduardo Grecco, professor da Faculdade de Medicina do ABC.
Antes de comer, é importante verificar a procedência e a validade de qualquer alimento, além de prestar atenção nas características da comida, como coloração, aparência e cheiro. Dê preferência a itens frescos e evite o consumo de produtos pré-cozidos ou fritos.
O especialista destaca que o cuidado deve ser tomado tanto na rua quanto em casa. “Deve-se retirar os alimentos da geladeira ou freezer somente no momento em que forem ser utilizados. Assim que consumir, o que sobrar deve ser rapidamente guardado de novo”, orienta.
Aumento das ondas de calor
A percepção popular de um calor inédito não está tão distante da visão científica.
Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) avaliaram uma ampla quantidade de dados sobre as mudanças do clima observadas no Brasil nos últimos 60 anos.
Realizado a pedido do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o estudo avaliou tendências de chuvas, temperatura máxima acima da média, entre outros índices que são considerados extremos climáticos.
Os dados indicam que houve aumento gradual de ondas de calor ao longo dos períodos analisados e para praticamente todo o Brasil.
No período de referência, o número de dias com ondas de calor não ultrapassava sete. Para o período de 1991 a 2000 subiu para 20 dias; entre 2001 e 2010 atingiu 40 dias; e de 2011 a 2020, o número de dias com ondas de calor chegou a 52 dias.
O aumento é superior a 700%. “Essas informações são a fonte fidedigna daquilo que está sendo sentido no dia a dia da sociedade”, afirmou o diretor do Departamento para o Clima e Sustentabilidade do MCTI, Osvaldo Moraes, em comunicado do ministério.
“São dados relevantes para fazer a ciência climática dar suporte à tomada de decisão. Estamos deixando a percepção de lado para aprofundar o conhecimento”, complementou Moraes.