O tratamento contra câncer de pulmão vai ficar mais ágil e eficaz
Aliança entre três farmacêuticas acelera a realização de exames que ajudam a definir a melhor estratégia terapêutica contra esse tipo de tumor
Os novos tratamentos contra o câncer de pulmão avançado asseguram uma chance de sobrevida após cinco anos até quatro vezes maior do que a quimioterapia. Só que, para usá-los, o paciente precisa se submeter a exames que podem tomar tempo demais e, assim, inviabilizar a estratégia – é aí que entra o projeto Inspire.
Fruto de uma união entre as farmacêuticas AstraZeneca, Bristol-Myers Squibb (BMS) e Pfizer, a iniciativa vai oferecer gratuitamente três testes sequenciais que verificam se o tumor de pulmão do paciente conta com particularidades que o tornam um alvo desses remédios novos. E, por sincronizar a realização dessas análises, deve reduzir o número de dias gastos entre a coleta do material – por meio de uma biópsia – e o início do tratamento.
Ficou confuso? Calma que a gente explica tudo direitinho para você na sequência.
O câncer de pulmão não é uma doença só
Para entender a inovação do projeto Inspire, cabe um pequeno anexo. Embora estejam no mesmo local, tumores de pulmão de diferentes sujeitos são bem diferentes entre si. Um, por exemplo, pode apresentar uma mutação no gene ALK do seu DNA (sim, o câncer tem seu próprio código genético). Já o outro teria uma alteração no gene EGFR. E um terceiro expressaria uma alta concentração da molécula PDL-1.
Atenção: não escolhemos esses exemplos ao acaso. “Cada uma dessas minúcias moleculares interfere diretamente na escolha do medicamento e no sucesso do tratamento”, diz o oncologista brasileiro Marcelo Cruz, da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos. Subtipos com mutação no ALK (o que ocorre em cerca de 5% dos casos) no EGFR (presente em 20 a 30% dos pacientes brasileiros) são candidatos a dois diferentes remédios enquadrados na chamada terapia-alvo, que visa alvos específicos da enfermidade.
Já versões da doença sem essas mutações, mas que liberam a tal molécula PDL-1 aos montes (o que ocorre em cerca de 30% dos cânceres avançados de pulmão) podem ser combatidas com drogas imunoterápicas. Em resumo, elas estimulam as células de defesa do organismo a atacaram o inimigo.
“O uso adequado dessas terapias de última geração garante melhores resultados com menos efeitos colaterais. É uma revolução”, atesta Cruz. Só que um dos desafios é justamente identificar essas características moleculares, que não aparecem em exames de imagem.
As dificuldades por trás da biópsia
Após o diagnóstico do câncer de pulmão ser confirmado, os médicos fazem uma pequena cirurgia para retirar parte do tumor do paciente e o mandam para os laboratórios para detectar alterações como as descritas acima – é a biópsia. E aí começa o problema.
Para serem reconhecidas, tanto a mutação do gene ALK quanto a do EGFR exigem métodos únicos. O mesmo vale para notar a presença de PDL-1 no câncer. Só que essas diferentes análises a partir da biopsia não costumam ser feitas de maneira sincronizada.
Consequência do desentrosamento: o material coletado é enviado para avaliar apenas uma daquelas alterações. Em caso negativo, outra solicitação é feita – e, se nada se destacar, vem uma terceira…
Não à toa, dados do Instituto Lado a Lado Pela Vida dão conta de que, no sistema privado, o paciente gasta dois meses e meio entre a confirmação da presença do câncer e o retorno dos resultados da biópsia. Já no Sistema Único de Saúde (SUS), o prazo se estende por até um ano. Enquanto isso, a enfermidade se alastra.
Segundo Cruz, sem a seleção adequada do tratamento, 75% das medicações utilizadas em casos de tumor de pulmão avançado não vão funcionar direito. “Hoje fazemos uma medicina de imprecisão”, ironiza o médico.
A união faz a força
No Brasil, a AstraZeneca já comercializa um remédio que mira aquela alteração no EGFR. A Pfizer, por sua vez, detém a patente de um que ataca a mutação do ALK. E a BMS possui uma droga para aqueles tumores com alta expressão de PDL-1.
A sacada das três farmacêuticas foi oferecer, gratuitamente, os três exames necessários para identificar essas características moleculares de uma só vez, com o mesmo material tumoral. A expectativa é diminuir o tempo de espera dos resultados de 60 para 17 dias úteis. “Essa parceria vai virar um estudo de caso para o mundo. Deve ser um enorme sucesso para a população brasileira”, apoia Cruz.
Na prática, basta o médico responsável pelo atendimento solicitar no programa online da Pfizer (chamado ALK Alvo), da BMS (I-O Detect) ou da AstraZeneca (ID) quais desses testes deseja fazer a partir na biópsia. Embora cada empresa tenha sua plataforma própria, as três contam com os mesmos laboratórios credenciados para fazer a investigação molecular do câncer.
Isso significa que todos os pedidos para um paciente são recebidos uma única vez. “Além de poupar tempo, a iniciativa diminui o risco de a pessoa passar por uma cirurgia adicional para retirar mais tecido tumoral para uma segunda biópsia”, completa Eurico Correia, diretor médico da Pfizer.
Questionados no evento de inauguração do projeto sobre o motivo pelo qual o câncer de pulmão foi o escolhido para o Inspire, os diretores médicos das três empresas reforçaram que se trata do tipo que mais mata no mundo. O oncologista Marcelo Cruz, por sua vez, acrescentou que ele é um dos que, hoje, mais se beneficia da terapia-alvo e da imunoterapia.
Ou seja, algumas outras versões de câncer ainda não têm tantas alternativas terapêuticas. E não adianta solicitar exames que detectam alvos específicos se inexistem remédios para bombardeá-los.
De qualquer forma, os responsáveis pelo Inspire não fecharam as portas para eventuais ampliações no projeto, seja aumentando o número de exames ofertados ou de tipos de câncer atendidos. Mas ressaltam que isso envolveria uma série de análises.
A concorrência
Quase ao mesmo tempo, a farmacêutica MSD – dona de outro remédio imunoterápico – instalou no Brasil um projeto semelhante ao Inspire. Por meio de uma plataforma própria (PD-Point), ela também vai disponilizar gratuitamente e de maneira sincronizada os exames que detectam a presença de mutações nos genes ALK e EGFR e da alta expressão de PDL-1.
Aí é uma questão de escolha do próprio profissional de saúde, sempre em conjunto com o paciente. Quanto mais opções de qualidade, melhor.