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Lipedema: conheça os dilemas envolvendo a doença e fuja de ciladas no tratamento

Conhecido há décadas, ele só ganhou classificação oficial recentemente, mas já é alvo de receitas milagrosas. Saiba o que realmente funciona para superá-lo

Por Maurício Brum, Valentina Bressan, Clarice Sena e Thiago Müller (texto) | Laura Luduvig (design e ilustração) | Staras/Getty Images (foto)
4 jun 2025, 08h18
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Está cada vez mais claro que o lipedema não é causado pela obesidade (Fotos: Staras/Getty Images | Design e ilustração: Laura Luduvig/Veja Saúde)
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É até estranho pensar no lipedema como uma doença nova. Afinal, os primeiros registros desse inchaço doloroso, que afeta em especial as pernas das mulheres, foram feitos nos anos 1940. Só que, por ser muito parecido com um acúmulo normal de gordura, seu diagnóstico sempre foi desafiador.

A tal ponto que o problema só passou a integrar a Classificação Internacional de Doenças (o famoso CID) em 2022, três anos depois de ser reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma condição de saúde independente do peso e diferente de outros tipos de edema corporal.

De lá para cá, a ciência aprimorou seu entendimento sobre o tema, e está cada vez mais claro que o lipedema não é causado pela obesidade — ainda que seja frequente em pessoas que estão acima do peso.

Ganho de peso, hormônios e lipedema

A primeira evidência disso parece um tanto óbvia: embora exista, sim, relação com a balança, o inchaço costuma permanecer mesmo quando se perde peso.

“Tenho pacientes que ficam felizes ao receber o diagnóstico, porque entendem que o quadro não é culpa delas, que não se trata de preguiça ou descuido com a saúde”, relata o cirurgião Armando Lobato, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV).

Porém, mesmo com os avanços dos últimos anos, ainda há lacunas no conhecimento. A começar pelo papel dos hormônios. O problema tem uma ligação clara com o estrogênio, hormônio sexual feminino — não à toa, as mulheres representam mais de 95% da população com a condição.

Casos entre homens são bem raros, mas o hormônio é só uma parte da equação. Se fosse tudo culpa do estrogênio, todas as mulheres do mundo seriam acometidas.

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+ Leia também: Lipedema: a gordura fora de lugar

“Não é necessariamente a quantidade de estrogênio que determina a evolução da doença, e sim a maior presença de receptores para ele entrar nas células”, destrincha o cirurgião vascular Vitor Gornati, membro do Instituto Lipedema Brasil. “Você pode ter muito hormônio com poucos receptores, e, nesse caso, não vai desenvolver tanto o lipedema”, resume.

“Ainda não sabemos especificamente o tipo de estrogênio com mais influência no quadro”, aponta Lobato, elencando um dos vários desafios ainda enfrentados pelos médicos.

Um dos fatores que pesam aqui, então, é a predisposição genética hereditária, mas eis outro enigma: a própria manifestação do depósito gorduroso tende a variar em uma mesma família.

Uma mãe pode ter um lipedema do tipo III, que afeta dos quadris aos tornozelos, por exemplo, enquanto uma filha pode enfrentar o tipo V, que leva a um inchaço localizado nas panturrilhas (entenda as diferenças nas páginas a seguir).

Tem ainda a questão do diagnóstico. Não dá para fazer um exame de sangue capaz de dosar uma substância em circulação e cravar que uma pessoa tem lipedema. Então é preciso atenção redobrada aos sinais clínicos. As dúvidas surgem até na hora de recorrer a um profissional de saúde.

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“Nenhuma especialidade é dona da doença”, comenta a endocrinologista Cynthia Valerio, diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).

Por isso mesmo, quem se debruça sobre o lipedema gosta de defini-lo como um problema “em construção”. Só que, em meio a essa zona cinzenta, já tem um monte de profissionais vendendo soluções “infalíveis” — e perigosas — nas redes sociais.

+ Leia também: Mounjaro x Wegovy: estudo mostra qual é mais potente na perda de peso

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Clique para ampliar (Fotos: Staras/Getty Images | Design e ilustração: Laura Luduvig/Veja Saúde)

Uma doença em alta

O principal estudo a avaliar a prevalência nacional do lipedema, publicado no Jornal Vascular Brasileiro, aponta que cerca de 12% das mulheres têm a doença. Na TV e na internet, personalidades compartilham o diagnóstico, levando mais gente a suspeitar do quadro com base no que vê no espelho.

A popularização gera mais pesquisas e conscientização, mas tem o efeito colateral de colocar holofotes sobre estratégias questionáveis para o manejo da condição, que vão de suplementos sem eficácia comprovada a cirurgias plásticas que nem sempre são necessárias.

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“Em artigos mais antigos, dizia-se que a doença era subdiagnosticada. Hoje, ela se tornou superdiagnosticada, mas de um jeito errado, sem critérios adequados para dar certeza de que a pessoa tem mesmo ou qual é o melhor tratamento para ela”, lamenta Valerio.

Pois é, não tem receita de bolo: o problema é multifatorial, e as abordagens para amenizá-lo variam. Nem sempre o que funciona para uma pessoa é o mais indicado para outra.

+ Leia também: B1: onde está e para que serve a vitamina redescoberta pela ciência

O que realmente funciona no tratamento do lipedema

Vejamos o caso de Yasmin Brunet, uma das famosas que ajudaram a chamar atenção para o lipedema nos últimos tempos. No final do ano passado, com direito a fotos de “antes e depois” das pernas inchadas, a modelo revelou que conseguiu perder 15 kg — a maior parte em gordura nos membros inferiores — com ajustes na dieta, que incluíram o corte de alimentos com glúten na rotina. Segundo ela, não foi preciso passar por intervenções cirúrgicas.

Cortar o glúten pode realmente funcionar para algumas pessoas com sensibilidade a essa proteína, encontrada em cereais como o trigo ou a cevada. Mas o problema não é o glúten em si, e sim a resposta inflamatória que ele gera no organismo — esta, sim, capaz de agravar os sintomas do lipedema.

Quem não é sensível, mas adere a uma dieta sem a proteína, até pode sentir efeitos positivos, mas não pela sua ausência, e sim pela redução do consumo de açúcar e álcool, que também contribuem para a inflamação. E vale pontuar que cortar o glúten sem necessidade pode levar a reveses como deficiências nutricionais e aumento do risco de doenças crônicas.

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+Leia também: Lipedema: como a alimentação pode ajudar no controle desta condição?

Já cirurgias plásticas como a lipoaspiração não resolvem as causas do problema, mas trazem ganhos quando bem prescritas. “As indicações são de ordem estética ou, principalmente, quando o lipedema afeta a mobilidade dessa paciente”, explica Rafael Erthal, cirurgião plástico especialista em lipedema e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).

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Clique para ampliar (Fotos: Staras/Getty Images | Design e ilustração: Laura Luduvig/Veja Saúde)

E nem é preciso ter uma perna superinchada para recorrer ao bisturi. “Se há um acúmulo na parte interna da coxa, e a paciente já precisa andar com as pernas mais abertas, isso sobrecarrega as articulações”, detalha Erthal.

Além de não cair em meias-verdades — como a das estratégias que podem funcionar, mas não de forma isolada, caso das mudanças na dieta —, é fundamental fugir de ciladas que realmente não dão resultados. Não há creme, por exemplo, capaz de tratar o lipedema.

“Eles não atingem a camada de gordura. É a massagem local que faz parecer que o produto funcionou”, esclarece a dermatologista Ana Luísa Sampaio, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).

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Implantes hormonais contra o lipedema?

E, embora os hormônios tenham papel no surgimento do problema, não há evidências de que implantes hormonais melhorem o quadro.

“Quem já precisava de reposição hormonal antes do lipedema segue se beneficiando dela”, comenta Gornati. “Mas muitas mulheres que não tinham essa necessidade pioram com os implantes. Ainda não temos estudos sérios e controlados para sair prescrevendo hormônio de forma generalizada”, alerta o cirurgião vascular.

Vendidos por farmácias de manipulação, esses “chips” geralmente contêm gestrinona, hormônio sem registro ativo no Brasil que é considerado um anabolizante e pode ter efeitos colaterais significativos, do engrossamento da voz ao maior risco de trombose.

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Clique para ampliar (Design e ilustração: Laura Luduvig/Veja Saúde)

Na mesma linha dos implantes hormonais, tem médico oferecendo até soroterapia para tratar lipedema. A infusão de vitaminas e outras substâncias pelas veias é uma prática controversa, sem evidências científicas de eficácia e segurança.

Mas, então, no meio de tantas pegadinhas, como saber o que funciona de verdade e o que é furada?

Quem sofre com o problema precisa, primeiro, desconfiar de qualquer solução mágica ou infalível. Vale ainda checar as credenciais do médico e preferir os que têm registro de especialista. A cirurgia vascular e a endocrinologia são as especialidades mais adequadas hoje para abordar o problema.

O plano terapêutico

O tratamento do lipedema deve ser multidisciplinar, em especial quando o caso abala a saúde mental, o que não é raro. Dito isso, em geral se olha primeiro para o peso. É que, embora a obesidade não cause a condição, manter um peso saudável reduz os sintomas.

“Existe uma clara melhora do quadro de dor e mobilidade, especialmente se as medidas de controle do peso forem adotadas junto com outras”, atesta Valerio.

A gordura pélvica causa compressão extra nas veias, piorando a circulação já prejudicada pelo lipedema. Se o quadro de excesso de peso é grave, procedimentos cirúrgicos como a bariátrica ou a própria lipoaspiração podem ser indicados quando opções mais conservadoras já falharam.

O cirurgião deve entender do riscado, já que a lipoaspiração para esses casos é diferente da feita no abdômen. “É preciso respeitar o sistema linfático, e para isso fazemos mais incisões do que no procedimento regular”, expõe Erthal.

Muitas vezes, a sobrecarga nas articulações causada pelo combo de inchaço e quilos extras dificulta a adesão a uma rotina de exercícios, algo essencial para o manejo do quadro. Para se movimentar, o mais indicado pelos médicos são exercícios de baixo impacto. Vale nadar, pedalar, fazer hidroginástica, ioga ou caminhada, evitando práticas que podem piorar a situação, como a corrida e outras que exijam saltos.

+ Leia também: Células-tronco para tratar diabetes: entre a ficção e a realidade

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Clique para ampliar (Fotos: Staras/Getty Images | Design e ilustração: Laura Luduvig/Veja Saúde)

A fisioterapia costuma ser uma aliada efetiva, e já existem evidências de que a drenagem linfática é capaz de diminuir o inchaço, especialmente se há uma associação com o linfedema (outro problema de nome parecido).

Mas não dá para buscar qualquer massagista: como a doença gera dor ao toque, uma simples massagem nas pernas ou nos quadris pode causar hematomas e incômodos se a técnica não for adequada.

É mais uma situação que exige perícia do profissional. A chamada terapia descongestiva complexa costuma fazer parte das dicas dos médicos e inclui, além da drenagem linfática, o uso de meias de compressão.

Remédios podem ajudar no lipedema

Por fim, medicamentos tendem a entrar cada vez mais em cena. “Como ainda não conhecemos a origem da doença, não há um remédio específico para o lipedema”, afirma Lobato. “Não tenho dúvidas de que teremos uma medicação, mas ela provavelmente vai ter o objetivo de reduzir a inflamação”, aposta o expert.

Compostos como a metformina, originalmente empregada no diabetes, já são usados para o lipedema, em especial quando a síndrome metabólica acompanha o quadro.

Agora, relatos clínicos e alguns estudos apontam que os análogos de GLP-1, como a semaglutida e a tirzepatida (de Ozempic e Mounjaro), podem oferecer bons resultados. Eles seriam capazes de mitigar a inflamação do corpo e facilitar a perda da gordura resistente, aliviando os sintomas.

Mas, se a doença está “em construção”, a frase cabe ainda mais para seus tratamentos. E mesmo no futuro, com mais lacunas preenchidas, uma verdade deve permanecer: dificilmente haverá uma cura definitiva para o lipedema, que dirá uma medida isolada, como cortar um ingrediente do cardápio, para resolvê-lo.

Qualquer promessa que afirme o contrário será receita certa para a frustração.

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