Fazer uma nova vacina é muito (mas muito) difícil
Médico lista as etapas necessárias para criar um imunizante e comenta como a difusão de informações falsas prejudica a saúde
Ontem divulgamos a primeira parte de uma entrevista com o o pediatra David Greenberg, vice-presidente científico e médico-chefe do laboratório Sanofi Pasteur nos Estados Unidos. Na segunda parte, o assunto é a dificuldade em pesquisar e encontrar novas vacinas. O cientista também desbanca alguns mitos que prejudicam a imunização das crianças.
Quais são os principais passos do desenvolvimento de uma vacina?
Em geral, é um caminho longo e complicado que leva muito tempo. São de dez a 15 anos para desenvolver uma nova solução para uma doença infecciosa. É preciso primeiro saber a causa da doença, estudar a fundo o vírus ou a bactéria, entender a reação do organismo… Quando temos todas essas informações, começamos a trabalhar na vacina em si. Isso vai tomar mais alguns anos até chegar aos ensaios clínicos. Nessas últimas etapas, precisamos ter contato direto com as agências regulatórias para conduzir os estudos finais e obter, depois, a liberação do produto.
Quais são os principais desafios em desenvolver uma vacina hoje em dia?
Quando você testa algo novo, precisa começar a propor ideias de vacina. Algumas passam por todas as etapas iniciais de maneira surpreendente. Porém, conforme chegamos aos ensaios clínicos, o resultado não é aquele que imaginamos. Muito dinheiro e tempo é gasto para, no final, não dar nada certo. Nosso principal desafio está em escolher e apostar nos candidatos certos logo no início do processo.
Imagino que deve ser um desapontamento grande quando uma vacina promissora não demonstra os resultados nos estudos finais…
Sim, bastante. Mas isso é verdade também para a pesquisa de novos medicamentos. Muitas drogas são estudadas para doenças importantes, em que estamos desesperados para encontrar melhores tratamentos. A verdade é que muita coisa que funciona bem na bancada do laboratório, mas não repete o mesmo sucesso no mundo real. É realmente um processo sempre muito difícil.
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Nos últimos anos, tivemos grandes epidemias de dengue, zika, ebola, MERS… E o processo de desenvolver vacinas para essas doenças leva um tempo considerável. A pesquisa nessa área está mais lenta do que as necessidades do mundo real?
Existem algumas doenças que conhecemos há décadas. É o caso do zika. Porém, ela nunca foi uma grande epidemia e sempre esteve restrita a um número pequeno de casos. Nós até temos algumas informações sobre esse vírus, mas não sabemos tudo sobre ele porque nunca houve a necessidade de desenvolver uma vacina. Daí, quando ocorre uma explosão de casos, a necessidade surge. O problema é que leva um tempo para nós conseguirmos desenvolver um imunizante eficiente. Claro que todos querem uma vacina o mais rápido possível. Porém, precisamos passar por todas as etapas de pesquisa e testar em voluntários antes de fabricá-las em larga escala. E não estamos falando de apenas uma pesquisa, mas de três ou quatro trabalhos científicos grandes. Em primeiro lugar, precisamos nos certificar que a vacina é segura. Depois, estabelecer a dosagem, a periodicidade e o esquema de uso. E mesmo com a vacina liberada, temos a obrigação de acompanhar os pacientes por alguns anos. Por mais que o zika esteja crescendo, infelizmente vai demorar antes de termos uma vacina.
Falando sobre zika e ebola, a ciência conhece essas doenças há anos. Mas porque, de uma hora para outra, o número de casos explodiu?
Cada caso é único. Algumas vezes isso ocorre porque o vírus ou a bactéria sofre mutações e fica mais poderoso. O zika está por aí há algumas décadas e possivelmente passou por mudanças recente na sua estrutura que causaram esse aumento de casos.
Por que algumas vacinas são injetáveis e outras são orais?
A maioria das vacinas utilizadas hoje em dia é injetável. As que são tomadas por gotas são aquelas em que a infecção ocorre pelo sistema digestivo. É o que acontece, por exemplo, com a vacina para o rotavírus. A forma de pegar essa doença é pela contaminação de água ou comida. O imunizante vai, então, estimular a imunidade nesses locais. A vacina da poliomielite também já foi utilizada via oral, mas atualmente ela é injetável. Na maioria das vezes, o método de aplicação da vacina é decidido pelos cientistas que realizam a pesquisa.
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Nos Estados Unidos e na Europa, houve uma grande polêmica envolvendo a vacinação e autismo. Essa história impactou de alguma maneira a saúde das pessoas?
Isso começou quando o médico inglês Andrew Wakefield publicou uma pesquisa com poucas crianças em que ele diz que a vacinação poderia levar a casos de autismo. Algum tempo depois, o artigo foi retirado e sua licença médica foi cassada. Mas infelizmente a história caiu na mídia e tivemos um efeito negativo. Há grupos de pais que não querem vacinar seus filhos. Isso levou a epidemias de sarampo, doença que já estava controlada. O problema maior foi mesmo na Inglaterra. As taxas de vacinação caíram bastante por lá, o que afetou muita gente. Essa história é triste, porque se baseia em uma informação completamente falsa. Até hoje tentamos conversar e conscientizar mães e pais. Mas ainda existem grupos que se recusam a levar seus filhos para a vacinação.
Por que é fundamental imunizar um grande número de pessoas?
Nós chamamos isso de imunidade de grupo. Em alguns casos, é muito importante vacinar mais de 90% ou 95% da população. Ao vacinar uma criança, você não está apenas protegendo o seu filho, mas todas os pequenos da vizinhança e da escola que não puderam se vacinar. Isso diminui e previne doenças. Quanto mais pessoas da comunidade se imunizarem, mais protegidas estarão as pessoas.