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“Estamos trabalhando para um dia oferecermos a cura da aids”

Em entrevista à Agência Einstein, o infectologista Anthony Fauci, um dos maiores especialistas em HIV, fala sobre avanços da medicina na área

Por Cristiane Bomfim, da Agência Einstein
Atualizado em 28 fev 2023, 17h17 - Publicado em 2 dez 2019, 12h23
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Anthony Fauci é um dos maiores especialistas em HIV do mundo. (Foto: Agência Einstein/SAÚDE é Vital)
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Após 38 anos do aparecimento dos primeiros casos de aids no mundo, avanços “extraordinários” da medicina transformaram o prognóstico da doença de fatal para uma condição crônica e gerenciável. O adjetivo entre aspas é do infectologista Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (com sigla em inglês NIAID), dos Estados Unidos. Ele é uma das principais autoridades no assunto e um dos primeiros a aderir ao esforço científico global para identificar e combater a enfermidade.

Quando Fauci envolveu-se no estudo da aids, ninguém sabia a sua causa. Foi somente em 1983 que o HIV, vírus responsável pela doença, foi isolado. Hoje, estão sob sua batuta alguns dos mais importantes experimentos associados à busca por meios mais eficazes de prevenção e à cura da infecção, que já causou mais de 40 milhões de mortes no planeta.

Em entrevista exclusiva à Agência Einstein, concedida às vésperas do Dia Mundial da Aids (1º de dezembro), ele falou sobre o cenário do HIV no mundo. Também discutiu as expectativas sobre os resultados de testes clínicos com vacinas, as terapias de efeito prolongado e os remédios que causam cada vez menos efeitos colaterais.

Agência Einstein: como o senhor avalia a o cenário da aids hoje?

Anthony Fauci: desde que os primeiros casos foram notificados, em 1981, o HIV tem sido uma das epidemias mais mortais e persistentes da humanidade. No entanto, foram feitos progressos extraordinários na luta contra a transmissão do vírus e na redução das mortes. A descoberta de terapia antirretroviral altamente ativa transformou o HIV Aids: ainda estamos longe do fimde um diagnóstico quase uniformemente fatal em uma condição crônica e gerenciável.

E enquanto as transmissões de HIV permanecem inaceitavelmente altas, com aproximadamente 1,7 milhão de novos casos em todo o mundo, segundo dados de 2018, agora temos as ferramentas necessárias para acabar com a epidemia. Sabemos que uma pessoa que tem a carga viral suprimida com terapia antirretroviral diária não pode transmitir o HIV a um parceiro sexual. Já pessoas em risco sem o HIV podem usar da profilaxia pré-exposição (PrEP) ou a profilaxia pós-exposição (PEP) para impedir o contágio.

Quais foram os maiores avanços nesses 38 anos de epidemia?

Uma das maiores histórias de sucesso é o desenvolvimento de vários medicamentos antirretrovirais que suprimem o HIV de forma duradoura e impedem sua transmissão. Drogas antirretrovirais também são componentes da profilaxia pré-exposição, ou PrEP, e profilaxia pós-exposição, ou PEP.

E as perspectivas de tratamento?

Estamos trabalhando para encontrar produtos terapêuticos novos e mais eficazes, além de tratamentos efetivos para coinfecções e complicações relacionadas, como tuberculose e doenças cardíacas relacionadas ao HIV.

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Um dos principais objetivos é desenvolver terapias de ação prolongada que poderiam ser tomadas uma vez por semana, uma vez por mês ou até com menor frequência. Elas seriam a melhor opção para algumas pessoas do que as pílulas diárias e podem ser menos tóxicas e mais econômicas.

Pode dar alguns exemplos do que está sendo pesquisado nesse sentido?

O primeiro ensaio clínico em larga escala da PrEP de ação prolongada começou no final de 2016. O estudo está avaliando se uma forma de ação prolongada do medicamento anti-HIV cabotegravir, injetado uma vez a cada oito semanas, pode proteger com segurança os homens cisgênero e mulheres transgênero da infecção pelo HIV.

Se o cabotegravir injetável for eficaz, pode ser mais fácil para algumas pessoas aderirem a ele. O Truvada, que tem uso diário, é o único regime de PrEP licenciado atualmente. A pesquisa está sendo feita em oito países, incluindo o Brasil.

Que outras linhas de pesquisa estão em andamento?

Uma linha estuda a eficácia dos chamados anticorpos amplamente neutralizantes, chamados também de BNAbs, para reduzir a concentração de HIV no sangue de pacientes [BNAbs são anticorpos produzidos por um pequeno número de pessoas infectadas pelo HIV, após anos do contágio. Vários tipos desses anticorpos estão sendo modificados geneticamente para serem usados como vacinas em indivíduos infectados]. As aplicações são intravenosas e têm mostrado boa eficácia. Um dos ensaios envolve 2 700 homens cisgênero e transgênero que fazem sexo com homens nas Américas, em mais de 24 locais de pesquisa clínica no Brasil, Peru e Estados Unidos.

Alguma boa notícia em relação a uma vacina preventiva?

Historicamente, a vacinação tem sido o melhor método para proteger as pessoas de doenças infecciosas. Embora haja várias técnicas disponíveis para prevenir o contágio pelo HIV, o desenvolvimento de uma vacina segura e eficaz contra o HIV permanece a chave para alcançar um fim duradouro da epidemia.

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Em 2009, um grande ensaio clínico na Tailândia, conhecido como RV144, apresentou resultados marcantes quando os pesquisadores descobriram pela primeira vez que um regime de vacina oferecia proteção modesta contra o HIV. Hoje, o NIAID está apoiando três ensaios clínicos em larga escala para teste de vacinas preventivas.

Quais são eles?

Em 2017, iniciou-se na África subsaariana um trabalho com mulheres. O objetivo é testar uma candidata à vacina que induza respostas imunes contra uma ampla variedade de cepas globais de HIV. Outra versão do mesmo candidato à vacina está sendo testada para impedir a contaminação pelo HIV por pessoas trans e homens que fazem sexo com homens na América do Norte, Europa e América do Sul. O estudo, chamado HVTN 706, foi lançado em julho deste ano e está sendo realizado em alguns serviços de referência no Brasil. Os resultados são esperados nos próximos anos.

Chegaremos à cura da Aids?

O HIV é difícil de curar porque o vírus integra seu próprio material genético às células da pessoa. Algumas dessas células podem permanecer infectadas de forma latente, constituindo um reservatório persistente do HIV. Embora a terapia antirretroviral possa bloquear a replicação e suprimir o vírus no sangue, o reservatório permanece. Quando a pessoa para de tomar os antirretrovirais, o HIV volta a se replicar e a viremia volta.

Mas estamos explorando terapias que suprimem indefinidamente a quantidade de HIV a níveis tão baixos que uma pessoa com ele não precisaria mais de tratamento. Um exemplo são os testes com os anticorpos neutralizantes.

Os pesquisadores também estão desenvolvendo estratégias para impulsionar o sistema imunológico a suprimir o HIV, incluindo a modificação de certas células de defesa para atingir o vírus de maneira mais eficaz e a criação de uma vacina terapêutica que treine o sistema imunológico a produzir seus próprios anticorpos neutralizantes.

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Outras linhas de pesquisa estudam a eficácia de iniciar a terapia cedo o suficiente para impedir a criação de um reservatório de HIV.

Mas há o registro de duas pessoas que ficaram livres do vírus HIV. O que foi feito?

Embora as tentativas de expulsar o HIV das células infectadas tenham falhado amplamente, dois indivíduos – conhecidos como o paciente de Berlim e o paciente de Londres – foram curados durante o tratamento de cânceres graves que requerem transplante de células-tronco.

Nos dois casos, esses indivíduos receberam transplantes de células-tronco de doadores com uma mutação genética que os tornou essencialmente imunes ao HIV. Anos após o transplante, ambos pareciam não ter evidência do vírus em seus corpos.

O caso do paciente de Berlim, o americano Timothy Brown, foi apresentado pela primeira vez em 2009. O do paciente de Londres tornou-se público em 2019. Porém, a abordagem usada com eles não é considerada escalável para a população em geral, porque apresenta riscos consideráveis à saúde e requer recursos e infraestrutura significativos.

Há outros caminhos em estudo?

Em outubro, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos anunciou planos de investir com a Fundação Bill & Melinda Gates pelo menos 100 milhões dólares nos próximos quatro anos para desenvolver uma cura tanto para o HIV quanto para a anemia falciforme. A intenção é que os tratamentos sejam disponibilizados globalmente, inclusive em ambientes com poucos recursos.

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Essa colaboração é um ambicioso passo à frente, aproveitando as ferramentas científicas mais avançadas e a considerável infraestrutura global de pesquisa em HIV do instituto. Estamos trabalhando para um dia oferecermos a cura da aids.

O Brasil registrou um aumento nos casos de HIV nas populações jovem e idosa. Isso também aconteceu nos Estados Unidos? Por quê?

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos estima que o número anual de novos casos de HIV entre 2010 e 2016 diminuiu entre as pessoas de 13 a 24 e 45 a 54 anos, mas aumentou entre as pessoas de 25 a 34 anos. Sabemos que métodos eficazes de prevenção e de tratamento não estão atingindo adequadamente aqueles que mais poderiam se beneficiar deles.

Para resolver isso, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, do qual o NIH faz parte, lançou o programa “Fim à epidemia de HIV: um plano para a América”. Ele estabelece metas para reduzir a transmissão do vírus em 75% em cinco anos e em 90% em dez anos. Meus colegas e eu acreditamos que esses objetivos podem ser alcançados por meio da implementação agressiva de testes, prevenção e tratamento focados geograficamente e demograficamente.

Ao mesmo tempo em que houve avanços contra a aids, no Brasil e nos Estados Unidos houve um aumento na incidência de outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), como a sífilis. Por que isso aconteceu?

As ISTs representam um desafio significativo à saúde pública. Globalmente, mais de 1 milhão de novos casos de ISTs são diagnosticados a cada dia. Gonorreia, sífilis e clamídia estão em alta.

Se não tratadas, muitas dessas doenças podem causar complicações sérias. Os esforços de pesquisa em ISTs não abordaram adequadamente a disseminação em curso dessas doenças, principalmente porque a resistência antimicrobiana tornou algumas infecções cada vez mais difíceis de tratar e de prevenir.

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Para lidar com essa ameaça à saúde pública, os programas de pesquisa biomédica precisam ser reorientados no desenvolvimento de diagnósticos, terapêuticas e vacinas inovadoras. Para esse fim, o NIAID lançou seis novos Centros de Pesquisa Cooperativa em IST que trabalharão para desenvolver vacinas para sífilis, gonorreia e clamídia.

Este conteúdo é da Agência Einstein

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