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Entrevista: o papel dos novos remédios profiláticos contra Covid-19

Médico mexicano Jesus Simón destaca qual a utilidade de drogas comprovadamente eficazes na prevenção do coronavírus em um cenário onde existem vacinas

Por Theo Ruprecht
Atualizado em 23 Maio 2022, 17h14 - Publicado em 23 Maio 2022, 15h13
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  • Em fevereiro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou de forma emergencial o medicamento Evusheld, da farmacêutica AstraZeneca, para a prevenção da Covid-19 em grupos específicos da população. Mas, se já há diferentes vacinas disponíveis para evitar a infecção pelo coronavírus, por que apostar nesse tipo de tratamento?

    Essa foi a primeira pergunta feita ao reumatologista mexicano Jesus Abraham Simón, que participou dos estudos com esse remédio, em uma entrevista exclusiva para VEJA SAÚDE. Aliás, a medicação é composta de dois anticorpos monoclonais (tixagevimabe e cilgavimabe), que impedem a infecção do Sars-CoV-2 nas nossas células.

    Ao longo da conversa, Simón destacou que medicações profiláticas são especialmente importantes para os indivíduos que possuem um sistema imune abalado – e que, portanto, responderiam menos à vacina. Por outro lado, diferenciou o uso desses medicamentos do da cloroquina e da ivermectina, que não possuem eficácia comprovada.

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    Confira a entrevista:

    VEJA SAÚDE: Nós já temos vacinas disponíveis. Por que buscar medicamentos profiláticos como o Evusheld nesse cenário?

    Jesus Abraham Simón: Antes de tudo, é importante reforçar que a vacinação é a principal ferramenta para controlar a pandemia. Mas há algumas pessoas que não importa se você coloca uma, duas, três ou quatro doses da vacina, elas não respondem muito bem do ponto de vista de proteção.

    Isso porque têm apresentam algum problema no sistema imune. Em certos casos, é uma doença imunológica primária. Mas há também tratamentos imunossupressores que afetam as nossas defesas.

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    Por exemplo, pacientes que recebem um novo órgão transplantado usualmente recebem uma alta dose de imunossupressores. Em geral, eles não têm uma resposta ótima à vacinação.

    A resposta imune é muito complexa. Há células diferentes, proteínas, citocinas e outras coisas envolvidas. Mas uma das mais importantes são os anticorpos. Quando você recebe uma vacina, seu corpo consegue produzir anticorpos. Nesse caso, contra o Sars-CoV-2.

    Mas isso só ocorre em pessoas saudáveis. Felizmente, foi criado um jeito de fabricar anticorpos de forma similar aos que nós produzimos naturalmente. A vantagem principal dessa tecnologia é que ela consegue desenhar o anticorpo especificamente contra o alvo que desejamos bloquear.

    +Leia também: Poluição sonora, um problema de saúde pública

    O Sars-CoV-2 tem uma chave para entrar na célula que se chama proteína S. Se você bloquear a proteína S, o vírus não consegue infectar a célula direito. Então nesse caso específico, os anticorpos monoclonais foram desenvolvidos para bloquear a proteína S.

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    E esse é o racional para produzir anticorpos monoclonais para prevenir ou até tratar a Covid-19.

    Esses anticorpos monoclonais imitam os nossos próprios anticorpos ou eles são diferentes?

    São um pouco diferentes. O Evusheld é a combinação de dois anticorpos monoclonais. Eles bloqueiam completamente a proteína S e evitam o contato com a célula.

    Mas a estrutura básica desses anticorpos é exatamente a mesma da dos anticorpos humanos. A única diferença é a especificidade contra um alvo escolhido.

    Por que dois anticorpos monoclonais?

    Se colocar dois anticorpos monoclonais diferentes, você consegue bloquear de forma melhor a proteína S. Esses anticorpos bloqueiam locais diferentes da proteína S.

    Na verdade, a maioria dos anticorpos monoclonais que foram usados isoladamente contra a Covid-19 agora já não são mais úteis para as novas variantes, e falo especificamente da ômicron.

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    Então por que não colocamos três ou mais anticorpos em um remédio?

    (risos) Nós poderíamos tentar com dois, três, quatro. Mas há pesquisas pré-clínicas, e nesses casos, os dois anticorpos monoclonais foram suficientes para bloquear a proteína S do coronavírus.

    Por que, diante desse medicamento, você ainda acha que a vacinação é a principal forma de prevenção?

    É importante de entender que esses anticorpos monoclonais não são para toda a população. Eles foram feitos para um grupo específico que costumam não ter uma boa resposta à vacina. Nessas pessoas, o risco de casos graves de Covid-19 é inclusive maior. Então seria importante pensar em proteção adicional nesses casos específicos. Essa seria minha recomendação.

    Como é a aplicação do Evusheld?

    Isso é interessante. Outros anticorpos monoclonais usados para outras doenças tinham uma duração de efeito de apenas 28 dias. Se você pensar em prevenção, todo mês teria que aplicar. E isso seria muito caro. Imagine ficar fazendo essas aplicações mensais por um longo período.

    Mas os anticorpos monoclonais usados para esse medicamento foram modificados para ter uma duração de efeito próxima a um ano. A indicação é uma injeção, talvez por ano, talvez por seis meses, dependendo da condição clínica do paciente. Mas a duração do efeito é longa.

    Para pacientes que receberam transplante ou têm câncer, o sistema imune pode estar bem afetado. Antes do transplante, se colocar aplicar uma dose de Evusheld, poderia prevenir de forma efetiva a Covid-19 severa.

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    A redução de risco de ter Covid sintomática com esse medicamento é da ordem de 80%. É uma opção boa para esse grupo de pacientes.

    Então esse medicamento pode dar segurança ao paciente com câncer, por exemplo, para que ele saia de casa e faça seu tratamento oncológico adequadamente?

    Sim! Eu conheço muitas pessoas que nos últimos anos receberam tratamento imunossupressor e não saem para a rua. Ficam o tempo todo em casa por medo.

    Mas, por outro lado, se o paciente consegue ficar em casa sem riscos adicionais, aí esse medicamento não seria tão benéfico?

    Sim. Mas lembre- se que, talvez, o paciente não saia, mas muitas pessoas têm famílias. E esses familiares podem ir para a casa e infectar o paciente.

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    No Brasil, tivemos um problema especialmente grave, que foi a promoção de drogas sem comprovações de eficácia na prevenção da Covid. Hoje, sabemos que elas não funcionam. Qual a diferença desse caso para a aprovação do Evusheld?

    Esse é um problema mundial. Nós devemos prescrever remédios com evidências e falar muito com o paciente. É importante que entendam que a medicina, a ciência, é baseada em evidência.

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    Não temos evidência de que cloroquina e ivermectina são úteis, mas temos muitas evidências de que o Evusheld é eficaz na prevenção, nos casos indicados. E inclusive para tratar, mas a indicação principal é na prevenção.

    Hoje sabemos que algumas pessoas não querem receber vacinas. Vacinas! Então imagine anticorpos monoclonais, em um cenário como esse que você descreveu?! Precisamos primeiro mostrar a importância das vacinas e, depois, desses anticorpos também. Temos de reforçar o valor de tratamentos baseados em evidências.

    Os anticorpos monoclonais são usados para diferentes doenças. Qual o tamanho da promessa com essa estratégia?

    Agora estamos usando contra câncer, doenças hematológicas. Mas não é uma coisa nova em infecções.

    Existe um vírus, o vírus sincicial respiratório (VSR), que afeta principalmente as crianças. E há um anticorpo monoclonal que foi aprovado há mais de 20 anos contra ele. E há outros exemplos. No futuro, devemos ter mais indicações, porque é uma ótima ferramenta para tratar infecções.

    Por quê?

    Se você entender o vírus e sua estrutura bem, conseguirá achar um jeito de bloqueá-lo com anticorpos monoclonais.

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