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Entrevista: o mundo deveria estar mais bem preparado contra o coronavírus

Na terceira parte da entrevista, Gregory Poland critica a falta de acesso à saúde e a demora para uma resposta efetiva contra a pandemia de Covid-19

Por André Biernath
Atualizado em 13 ago 2020, 12h25 - Publicado em 12 ago 2020, 18h54

O médico americano Gregory Poland, professor da Clínica Mayo, lamenta que a Covid-19 tenha pegado tanta gente de surpresa. Na terceira parte de uma longa entrevista para Veja Saúde, que você pode ver abaixo, ele explica por que nós deveríamos estar melhor preparados para uma pandemia provocada por um membro da família dos coronavírus. 

Esse expert, que dedicou sua vida ao estudos das vacinas, também traz recomendações de prevenção e mostra como o conhecimento sobre o vírus evoluiu ao longo dos meses. Aliás, você pode ler as outras partes da entrevista publicadas anteriormente nestes links: 

De certa maneira, a Covid-19 desnudou a situação precária da saúde em regiões como a América Latina?

Temos que considerar que aqui mesmo nos Estados Unidos nós temos um monte de problemas. Há muitas pessoas com pouco acesso aos serviços de saúde. Espero que esse vírus e toda a situação deixe alguns aprendizados. Por exemplo, de que higiene é importante, fazer acompanhamento populacional é importante, vacinas são importantes e o investimento na ciência é importante. Precisamos com urgência desenvolver sistemas de saúde com um pacote básico de acesso. Todo governo tem como responsabilidade proteger seus cidadãos.

E esse é o terceiro tipo de coronavírus que enfrentamos nos últimos 18 anos. Portanto, ele não deveria ser essa surpresa tão grande para nenhum de nós. O que surpreende é o quão despreparados estávamos para lidar com ele. A razão para termos um governo no comando das ações é fazer aquilo que as pessoas não são capazes de fazerem por si mesmas. Eu espero que, como nações, como planeta, nós passemos a enxergar melhor os conflitos de interesse da política e da economia. Mais que isso, que aprendamos a proteger a nós mesmos como espécie. 

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Já é possível estabelecer uma taxa de mortalidade da Covid-19?

Esse número varia muito. Nos Estados Unidos, a mortalidade é mais alta em negros em relação aos brancos e há uma série de razões para isso. O risco de óbito também sobe em idosos, em homens e pessoas obesas, que fumam ou têm alguma doença cardiovascular. Até o tipo sanguíneo pode influenciar nessa história. Não temos uma resposta fácil para essa pergunta. Em pacientes hospitalizados, a taxa de mortalidade é de 5%. Nas crianças, o índice é muito baixo e fica quase impossível de calcular com exatidão. 

O coronavírus que chegou às Américas é diferente do que surgiu na China no final de 2019?

Sabemos que o coronavírus tem RNA como material genético, o que o torna relativamente estável e com poucas mutações. Já até foi observado uma mudança ou outra em suas sequências, mas não está claro se isso tem efeitos substanciais nas características da pandemia. Estamos observando essas questões muito de perto, pois uma alteração em algum gene pode ter uma série de implicações no controle dos casos e até na busca por vacinas.

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Como você avalia a atual situação da pandemia?

Nós estamos numa verdadeira encruzilhada. Há alguns meses, tínhamos 3 milhões de casos confirmados. Há um mês, saltamos para 5 milhões de pessoas afetadas. Há poucas semanas, chegamos a 10 milhões. Agora estamos em 18 milhões. Em paralelo a isso, vemos um aumento correspondente nos números de mortes. Aqui nos Estados Unidos, onde vivo, a situação está muito séria. Desde o início, meu laboratório está tentando entender esse vírus e todas as suas particularidades. 

Por que algumas pessoas não desenvolvem sintomas mesmo infectadas?

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Temos que levar em consideração que a infecção por coronavírus apresenta diferentes estágios. O primeiro grupo é o de assintomáticos, que não têm sintoma algum e vão permanecer assim. Outros não apresentam sinais no início, mas desenvolvem incômodos com o passar dos dias — eles são chamados de pré-sintomáticos. Na sequência, temos os sintomáticos, que apresentam consequências moderadas, severas ou letais.

Os três grupos possuem o potencial de transmitir o vírus para indivíduos suscetíveis. Foi isso, inclusive, que permitiu a Covid-19 se espalhar tão rápido. Muitas pessoas não sabiam que estavam doentes e saíam às ruas sem máscara. 

Falando nesse item, como deveriam ser as máscaras para realmente minimizar o risco de contrair a Covid-19?

Quanto mais camadas elas tiverem, melhor. Quanto mais emaranhado o tecido, melhor. Há alguns modelos que trazem um espaço para colocar aqueles filtros de papel que usamos para coar o café. Isso significa uma barreira a mais de proteção. Precisamos lembrar que as máscaras funcionam de duas maneiras, e pouca gente sabe disso. Em primeiro lugar, elas servem como filtro e impedem que o vírus entre no seu organismo. O segundo mecanismo é uma espécie de atração eletrostática. O vírus é atraído por partículas de água, poluição e das fibras do tecido da máscara. Daí eles ficam presos no pano. Por isso também que é tão importante lavá-las ao chegar em casa: você acaba eliminando os vírus que se acumularam ali.

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E o que devemos fazer ao chegar em casa?

Ninguém estudou essa questão com precisão ainda. O que sabemos e orientamos é baseado na rotina dos trabalhadores de saúde. Mas, num cenário tão complicado, o melhor é ter um cuidado extra mesmo. Ao chegar em casa, a primeira coisa é tirar a máscara e as roupas que estiver usando para lavar. Vale ainda deixar os sapatos na porta de entrada e limpar com cuidado os óculos, as mãos e tomar um banho. 

Estamos chegando num momento em que muitas escolas de vários países querem retornar às atividades. Faz sentido?

Essa é uma discussão muito importante e me parece que vai muito da decisão individual. Do meu ponto de vista, se a criança tem asma, diabetes ou outra doença, eu não enviaria para a escola de volta. Agora, se a criança é saudável e os casos na minha cidade estão baixando, eu provavelmente retomaria as atividades.

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A probabilidade de acontecer alguma coisa mais grave nessa faixa etária é muito baixa. Agora, precisamos nos preocupar com os adolescentes e os jovens adultos, que estão finalizando os últimos anos de escola ou nos primeiros semestres da graduação universitária. Eles têm um risco relativamente maior. Mas essa é uma decisão que vai variar muito de cada local e do estágio da pandemia. 

Vemos um aumento da preocupação de uma síndrome inflamatória em crianças após uma infecção por coronavírus. O que é isso?

Isso foi algo observado em crianças e adolescentes e parece acontecer muito raramente em indivíduos que passaram dos 20 anos. Nos adultos, vemos o que chamamos de “tempestade de citocina”. Falamos de uma reação inflamatória que acaba atingindo o próprio organismo. Isso, inclusive, leva muitos pacientes à morte. Tentamos encontrar terapias para amenizar essa reação desmedida do organismo. 

O que nós sabemos até o momento sobre as sequelas da Covid-19?

Não sei se é típico da cultura do seu país, mas aqui nos Estados Unidos tem muita gente que pensa: vou pegar o coronavírus, vou me recuperar e depois estou imune. Nenhuma dessas noções é verdadeira. Não sabemos ao certo quem vai ter complicações ou quem vai morrer. Fora que essa ideia de imunidade no longo prazo não está provada.

Além desses dois quesitos, muitas pessoas ficam com sequelas severas, mesmo aquelas que tiveram sintomas moderados. Vemos cada vez mais cicatriz no pulmão e repercussões no coração, no fígado, nos rins e até no cérebro. Os acometidos também perdem capacidade cardiorrespiratória. Nos mais jovens, observamos casos de acidente cerebral vascular cerebral massivos. E a síndrome de Kawasaki em crianças, que desenvolvem uma resposta inflamatória desproporcional ao vírus. Isso tudo tem impactos de longo prazo no corpo. As pessoas não pensam nisso tudo. 

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