Duda: dispositivo brasileiro preserva fertilidade após câncer de colo do útero
Tecnologia nacional permite que canal entre útero e vagina seja mantido, melhorando a qualidade de vida de mulheres que superaram o diagnóstico

Milhares de mulheres com câncer de colo do útero podem se beneficiar de um dispositivo totalmente desenvolvido no Brasil, feito para preservar a fertilidade daquelas que foram surpreendidas com a doença — ainda em estágio inicial — e querem engravidar.
Trata-se do Duda, o Dispositivo Uterino para Dilatação do Anel Endocervical. O aparato foi idealizado pelo cirurgião oncológico Marcelo Vieira, em parceria com o Hospital de Amor (SP), e já conta com registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Com formato semelhante ao de um pega-balão, o Duda ajuda a prevenir que o colo do útero se feche completamente após uma cirurgia no local, impedindo a conexão entre o interior do útero e o canal vaginal, por onde os espermatozoides alcançam o óvulo — além de permitir que a mulher continue menstruando normalmente.
“O Duda é inserido no colo do útero ao final da cirurgia de retirada do tumor, auxiliando a cicatrização adequada da região”, explica Vieira. Ao longo de 28 dias, a paciente deve evitar esforço físico, duchas vaginais e relações sexuais. Após esse período, o aparato é recolhido em consultório pelo médico e a paciente é liberada para retomar sua vida.
O dispositivo é produzido com um material plástico próprio para a área da saúde e não provoca alergias nem infecções, de acordo com estudo clínico realizado no país.
Clique aqui para entrar em nosso canal no WhatsAppTratamento sem histerectomia
Um dos desafios do tratamento do câncer de colo do útero é o diagnóstico precoce. Atualmente, cerca de 65% das pacientes descobrem a doença em estágio avançado, o que exige intervenções mais complexas (incluindo a retirada do útero, quimioterapia, radioterapia e braquiterapia) e diminui as chances de cura.
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No entanto, quando a doença é descoberta em estágios iniciais, o tratamento pode ser feito de forma pouco invasiva e com até 95% de chance de sobrevivência.
“Uma solução para esses casos é a histerectomia, ou seja, a retirada de todo o útero, mas estudos recentes mostram que é possível ter segurança e sucesso no tratamento, sem risco retorno da doença, ao retirar apenas uma parte do colo do útero e preservar todo o corpo do órgão”, explica Vieira.
O procedimento é chamado de traquelectomia, e ele inclui a remoção de cerca de 80% do colo uterino e de ligamentos e ínguas que se conectam ao órgão reprodutor, além de uma pequena parte da vagina.
“Temos que retirar o tumor com uma margem segura, para garantir a cura da doença”, afirma o cirurgião. É ao final desse procedimento que o Duda é posicionado para auxiliar na cicatrização da região.

Nem todas as pacientes com câncer de colo do útero estão aptas a passar pela técnica. “Resumidamente, os critérios são: estar em idade reprodutiva, desejar preservar sua fertilidade e ter um tumor localizado, menor do que dois centímetros e sem características agressivas”, lista.
Para ter uma gravidez segura, é feita uma cerclagem, procedimento que reforça o colo do útero para a sustentação do feto ao longo da gestação. A técnica pode fazer parte da cirurgia de retirada do tumor ou ser realizada por volta da 14ª semana de gravidez, para evitar abortos, prematuridade e complicações.
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Estudo clínico
Em um estudo inicial com 25 mulheres, quatro conseguiram engravidar após o uso do Duda — um número expressivo, se considerar que nem todas as pacientes optaram por engravidar logo após a cirurgia, enquanto eram acompanhadas pelo pesquisador. Além disso, 60% das pacientes com o Duda tiveram o canal entre o útero e a vagina preservado.
Atualmente, Vieira está conduzindo a última fase de estudos clínicos com o dispositivo, que envolvem 240 pacientes — metade delas utiliza o aparato enquanto o restante não tem acesso ao produto.
Além de ajudar a preservar a fertilidade, o cirurgião pontua que manter o canal endocervical aberto também ajudar a acompanhar a região, verificando de forma mais acurada se houve recidiva da doença.
A previsão é de que as pesquisas sejam concluídas até o fim de 2025 e que logo o dispositivo esteja amplamente disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).