Em 2015, quando a infecção por zika estourou no Brasil, um time de cientistas brasileiros notou que crianças acometidas por esse agente infeccioso apresentavam alterações oculares. “Com base nessa experiência, sabíamos que havia a possibilidade de a mesma coisa acontecer com o novo coronavírus”, conta o oftalmologista Rubens Belfort Jr., professor na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Dito e feito: após avaliarem 12 pacientes de 25 a 69 anos com Covid-19, o médico e outros pesquisadores identificaram lesões na retina dos indivíduos. O trabalho foi publicado no renomado jornal científico The Lancet.
Vale lembrar que, até agora, a única manifestação descrita dessa doença nos olhos era a conjuntivite. “O vírus invade as células e causa uma inflamação aguda ali”, explica Belfort Jr.
Mas, ao contrário do que ocorre na conjuntivite, em que há vermelhidão e secreção, o impacto na retina não é percebido a olho nu. Tanto que, para flagrá-lo, os cientistas submeteram os voluntários a um exame de tomografia de coerência óptica (OCT). Trata-se de uma técnica de imagem não-invasiva e supersensível — é como se ela tirasse fotografias.
O médico faz questão de frisar que essas microlesões ainda não foram associadas a problemas na visão. “Nenhum dos pacientes examinados até agora apresentou cegueira ou algo assim”, tranquiliza Belfort Jr. Eles não sentiam absolutamente nada de diferente.
Mas então qual a importância de detectar lesões na retina provenientes do coronavírus? O professor da Unifesp lembra que essa estrutura ocular está intimamente ligada ao cérebro e, portanto, é capaz de trazer informações sobre o que estão acontecendo com os neurônios. “É como se ela fosse o buraco da fechadura”, compara.
Belfort Jr. comenta que os achados desse trabalho podem ajudar a desvendar se as manifestações na retina são, na verdade, sinais de prejuízos que estão ocorrendo no sistema nervoso central (SNC) e também no sistema vascular.
Em resumo, há a possibilidade de um simples exame nos olhos auxiliar na identificação de complicações da Covid-19 no cérebro, o que já foi observado em estudos anteriores. Aliás, cada vez mais pesquisas mostram que essa doença afeta diferentes cantos do corpo — não só os pulmões.
Os próximos passos
Nesse trabalho, os cientistas optaram por selecionar voluntários que não chegaram a ser intubados por causa do coronavírus. Isso para que os resultados do artigo não fossem confundidos com eventuais lesões na retina provocadas pelo tratamento mais agressivo. Eles também decidiram focar em uma faixa etária mais jovem, já que os idosos poderiam apresentar lesões prévias nos olhos, bagunçando as descobertas.
Tendo maior confiança de que o novo coronavírus está por trás dessa manifestação na retina, Belfort Jr. e sua equipe já estão avaliando um número maior de pacientes, incluindo os que desenvolveram a forma mais grave da Covid-19 e crianças.
O objetivo é investigar se, com o tempo e em diferentes condições, as tais lesões desaparecem ou mesmo aumentam, se trarão prejuízos visuais, se realmente são indícios de comprometimentos neurológicos, entre muitas outras coisas… Principalmente quando há um vírus novo em jogo, cada descoberta gera um monte de novas perguntas.