Cerdas de 82% das escovas brasileiras podem danificar gengivas e dentes
Segundo estudo da Universidade de São Paulo, as regras para fabricação das escovas são muito flexíveis; Anvisa promete considerar os resultados da pesquisa
Um estudo feito na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) indica que 82% das escovas de dentes comercializadas no Brasil podem trazer prejuízos à saúde bucal.
Essa análise se aprofundou na qualidade das cerdas de mais de 300 modelos do produto. Quando observadas por um microscópio, a maioria delas não atendia aos critérios considerados adequados por especialistas.
A pesquisadora encontrou cerdas afiadas nas escovas analisadas, que podem causar fissuras na gengiva e arranhar o esmalte dos dentes. Já o número delas variou de 500 a 7 500, e a quantidade de tufos oscilou entre 13 e 65.
Para ter ideia, uma boa escova precisa apresentar, no mínimo, 18 tufos, com 80 cerdas em cada um, totalizando 1 440 cerdas, e estas devem estar polidas, com formato arredondado.
“Esse padrão foi definido pelo pesquisador estadunidense Charles Bass, em 1948, e continua servindo de referência a quem trabalha com o tema”, explica a cirurgiã-dentista Sônia Regina Cardim de Cerqueira Pestana, autora da tese de doutorado que analisou as escovas vendidas aqui.
O levantamento foi feito em 26 municípios do estado de São Paulo, mercado que representa a realidade de outras regiões do país. Sônia Regina comprou 600 escovas, descartou as semelhantes, e fez uma seleção que chegou a 345 modelos. A análise gerou mais de 5 000 imagens.
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Anvisa afirma fazer testes por amostragem
Se a pesquisadora utilizou um microscópio para verificar a qualidade das cerdas das escovas, como o consumidor pode ter a certeza de que está levando a melhor delas para casa?
“Essa é a pergunta mais difícil de responder, porque o problema começa nas normas que definem a comercialização desses produtos”, diz Sônia Regina. Sem regras rígidas, os órgãos de fiscalização não conseguem agir.
As orientações mais recentes publicadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são de 2022. A ideia dessa resolução seria atualizar as mais antigas, inclusive uma de 2017, citada na tese, mas não ocorreu nenhuma evolução.
Esse tipo de produto não precisa passar por uma aprovação da agência reguladora, basta a empresa ter a licença para fabricá-los.
“Além disso, a exigência é que apenas 80% das cerdas sejam arredondadas. Só que os outros 20% representam muito para uma escova”, defende a pesquisadora. “É como permitir que a água que bebemos tenha essa mesma quantidade de substâncias tóxicas”, compara.
A Anvisa reafirmou, por meio de nota, que as empresas precisam de autorização para funcionamento, e a comercialização desse tipo de produto necessita de uma notificação ao órgão. Porém, não é obrigatório aprovar cada escova que entra no mercado.
O órgão afirma que “embora não ocorra análise prévia, é realizada a verificação contínua dos produtos por meio de amostragem, considerando ainda denúncias e atendimento de demandas específicas, as quais podem resultar em pedidos de adequação ou cancelamento da notificação, em caso de irregularidades”.
O órgão diz ainda que “os resultados do estudo conduzido pela USP serão avaliados”. A tese deve ser publicada no site da universidade nos próximos dias.
Para Sônia, a agência deveria disponibilizar esses relatórios sobre os testes de amostragens das escovas e dar mais detalhes sobre a periodicidade da análise. Além disso, a pesquisadora sente falta de entender o tipo de exigência feita nesses testes.
“Na resolução, por exemplo, não há dados sobre o número mínimo de cerdas e outras características mais específicas”, pontua a professora.
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Então, como escolher a melhor escova?
Sônia defende que as escovas macias são as melhores escolhas. “Elas conseguem se dobrar durante a escovação e penetrar entre as gengivas”, descreve a cirurgiã-dentista.
Apesar de as cerdas duras estarem amplamente disponíveis no mercado, e até passarem a impressão de que higienizam os dentes rapidamente, a pesquisadora informa que elas não têm utilidade. “Só trazem prejuízos”, resume Sônia.
O padrão das pontas das cerdas e da quantidade delas é dificilmente verificável a olho nu, daí a importância de melhorar a legislação e a fiscalização sobre o assunto. Há alguns produtos que dão detalhes de suas especificações na embalagem, mas são a minoria.
Além disso, as cerdas devem estar todas no mesmo plano. Já a escova precisa de um cabo reto e achatado, e é esperado que a cabeça seja compatível com a faixa etária de quem utiliza o produto.
Outro ponto importante é não se deixar levar por estratégias de marketing. Escovas com cerdas cheias de detalhes e que prometem deixar os dentes mais brancos e limpos não têm nenhum poder especial. Pelo menos não há estudos que comprovem algo do tipo.
Infelizmente, basear-se no fabricante, e no nível de confiança que ele transmite, não parece ajudar. “Encontrei modelos bons e péssimos que vêm de uma mesma empresa”, explica.
“Há muitos também fabricados na China e em outros países, sem controle sobre o processo de fabricação”, acrescenta a pesquisadora.
Dentro desse cenário complexo, o melhor a se fazer é consultar um dentista, o que deve ser feito com regularidade.
Quando trocar de escova?
A própria resolução da Anvisa pede que a embalagem dos produtos indique a troca da escova a cada três meses.
“Esse número não tem base científica alguma. O tempo de vida da escova depende mais do tipo de uso que se faz dela”, aponta Sônia Regina.
Há quem tenha mais de uma escova: uma no trabalho, e outra em casa. Aí, dá para utilizar os modelos por mais tempo. Já quem usa o mesmo produto para fazer várias escovações diárias precisará realizar a troca mais cedo.
“É importante observar a escova. Com o tempo, ela fica nitidamente desgastada, com as cerdas se abrindo para as laterais, e a escovação não é tão efetiva. Esse é momento de trocar”, sugere a especialista.