O transtorno do espectro do autismo (TEA) é definido como uma condição de desenvolvimento neurológico caracterizada por dificuldades de comunicação e de interação social, além de comportamentos repetitivos e interesses restritos. Mas, na prática, fazer o diagnóstico do quadro é bem complexo. Daí porque pesquisadores buscam identificar, dentro do organismo dessas pessoas, biomarcadores que ajudem a detectá-la.
Nesse contexto, um grupo de pesquisa do Instituto Butantan detectou alterações de substâncias em amostras de urina de crianças com o transtorno. A expectativa é de que, no futuro, isso ajude a formular testes que ajudem a diagnosticar e a acompanhar a evolução do quadro. Os achados foram publicados no periódico científico Biomarkers Journal.
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Por dentro do estudo
Os cientistas avaliaram um conjunto de amostras de 44 crianças, sendo metade diagnosticadas com TEA e a outra parte de indivíduos neurotípicos (sim, é pouca gente, e essa é uma das limitações do trabalho). Os participantes fazem parte do Centro de Especialização Municipal do Autista, em Limeira (SP), e da Associação de Pais e Amigos do Autista da Baixa Mogiana, em Mogi Guaçu (SP).
Na secreção de crianças com autismo foram observadas alterações nas quantidades de diversos aminoácidos:
- Arginina
- Glicina
- Leucina
- Treonina
- Ácido aspártico
- Alanina
- Histidina
- Tirosina
De acordo com o estudo, os níveis anormais podem estar relacionados a diversas manifestações observadas em pessoas com TEA. Durante a formação do feto ou no período pós-natal, quando os receptores de neurotransmissores estão em desenvolvimento, o desequilíbrio de aminoácidos pode tornar o cérebro vulnerável à superestimulação, por exemplo.
Muitas dessas substâncias, aliás, tambem têm relação com o sistema gastrointestinal. E indivíduos com TEA podem apresentar problemas nessa seara, inclusive intolerância a alimentos como derivados do leite ou glúten. Vale destacar que a microbiota intestinal tem sido amplamente estudada no campo da psiquiatria como um todo, incluindo estudos voltados para o autismo, depressão e transtorno bipolar.
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“Nossa intenção foi trazer elementos não só para a caracterização do quadro do TEA, como para fornecer um acompanhamento da evolução do distúrbio. As informações precisam ser validadas em uma população maior, mas indicam um caminho a ser seguido”, pontua o farmacêutico-bioquímico Ivo Lebrun, coordenador do estudo, em comunicado.
A pesquisa abre caminhos para a investigação de potenciais biomarcadores para o transtorno. Mas, como o próprio autor dela reitera, os resultados não justificam, hoje, avaliar essas substâncias na urina em busca de um diagnóstico.
O psiquiatra Antonio Egídio Nardi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), reitera isso: “Sem dúvida, a psiquiatria está caminhando para o desenvolvimento de testes que possam ser usados na clínica. O do Butantan é uma hipótese que vem a ser estudada“.
Nardi acrescenta que, entre os possíveis exames, um de urina seria especialmente benéfico pela facilidade da coleta, que poderia ser feita até mesmo em casa. “Estudamos biomarcadores no sangue e outros líquidos do corpo humano, como o líquor que banha o sistema nervoso central. Mas a urina é de fácil acesso”, destaca.
Diagnóstico clínico
A suspeita do transtorno do espectro autista surge geralmente ainda na infância, seja pelos serviços de atenção primária à saúde ou pela comunidade escolar.
Os primeiros sinais costumam envolver dificuldades no aprendizado ou atrasos no uso da linguagem. A criança também pode demonstrar o que parece ser indiferença aos cuidadores, momentos de agitação e comportamentos repetitivos.
O diagnóstico é essencialmente clínico, o que significa que a identificação de traços do espectro autista deve ser conduzida pela observação da criança, diálogo com os pais, além da aplicação de métodos de monitoramento do desenvolvimento. Até o momento, não há nenhum exame laboratorial para confirmar o quadro.
“O diagnóstico não é simples. Não há uma regra para todo mundo, mas ele pode levar de seis meses a um ano”, analisa Nardi.
O termo “espectro” é utilizado para incluir as diversas apresentações do autismo e destacar que a condição se manifesta de maneiras diferentes para cada indivíduo. Os níveis são classificados de leve a grave, de acordo com o grau de dependência ou necessidade de suporte.
Embora não tenha cura, o TEA pode ser administrado com suporte psicológico e técnicas que estimulam a independência e ampliam a qualidade de vida, além de medicações para certos sintomas. Nesse sentido, a intervenção precoce possibilita ganhos significativos no aprendizado e no desenvolvimento da criança.
“Além do diagnóstico precoce, é importante um esforço coordenado entre equipes multidisciplinares, famílias e escolas. É fundamental que a equipe seja capacitada e acolhedora, para orientar famílias e escolas para que possam intervir e manejar o comportamento de forma adequada. É importante observar os sinais em crianças desde muito pequenas. Precisamos saber os marcos do desenvolvimento típico, para podermos perceber se há diferenças desses padrões”, a pedagoga Adriana Faria Pereira, especialista em neuropsicologia aplicada ao TEA, do Centro de Terapia ABA Sepaco.